Poemas Bonitos
O ano passado
O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.
Órion
A primeira namorada, tão alta
Que o beijo não alcançava,
O pescoço não alcançava,
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobrado.
O dia dos Namorados
para mim é todo dia.
Não tenho dias marcados
para te amar noite e dia.
O dia 12 de junho,
como qualquer outro, diz
(e disso dou testemunho)
que contigo sou feliz.
"Muitas coisas se dizem, que não deviam ser ditas; muitas outras se calam, que não mereciam calar-se.
As palavras são as mesmas, em um e outro caso; só a conveniência delas, na circunstância, é que varia.
E na variação, fica o dito por não dito.
A menos que o convicto (ou o teimoso) diga: “Digo e repito”.
(Carlos Drummond de Andrade, no livro “Os dias lindos”. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)
INOCENTES DO LEBLON
Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe emigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
Pouco importa o objeto da ambição; ela vale por si, independente do alvo.
Sempre necessitamos ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos faz desambiciosos.
Todas as ambições se parecem, mesmo que se contradigam; só a desambição não tem similar.
O animal não aprende nossas virtudes, se as tivermos, porém adquire nossos vícios.
O animal costuma compreender mais e melhor a nossa linguagem do que nós a deles.
Não se sabe por que os irracionais falam tão pouco, e os racionais tanto.
"Você não pode desistir até que tente
Você não pode viver até que morra
Você não pode aprender a contar a verdade
Até que aprenda a mentir"
A administração, organismo autoritário,
é feita de papel, isto é, de figuração de coisas.
(In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Ambição
A ambição torna os homens audazes;
a audácia sem ambição é privilégio de poucos.
- Carlos Drummond de Andrade, In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser ‘gauche’ na vida.
(Do poema "Sete Faces"/in: Alguma Poesia, 1930.)
"A fé e a incredulidade trocam de lugar a todo momento no homem curioso”.
(em "O avesso das Coisas". São Paulo: Editora Record, 2007.)
“A beleza ainda me emociona muito. Não só a beleza física, mas a beleza natural. Hoje, com quase oitenta e cinco anos, tenho uma visão da natureza muito mais rica do que eu tinha quando era jovem”.
( trecho da última entrevista. in: "O suplemento Idéias", do Jornal do Brasil, de 22 de agosto de 1987.)
Árvore
Tentamos proteger a árvore,
esquecidos de que é ela que nos protege.
Zen
Prática budista que faz falta a governantes e políticos:
exige meditação profunda.
(In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Voz
Cala-te, mas que não seja demasiado,
para não perderes o uso da voz.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Autógrafo
Pedir autógrafo a autor lisonjeia sua vaidade
sem melhorar a qualidade da obra.
Automóvel
Veículo que desperta o desejo de ir a
alguma parte já superlotada por veículos idênticos.
Bem
Há boas ações que se praticam porque
não foi possível deixar de praticá-las.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Cão
O fato do cão ser fiel ao homem não quer dizer
que ele aprove as ações do dono.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)