Ricardo Maria Louro

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⁠Mãos Cansadas -

Mãos cansadas
da vida qu'inventei
do olhar que ceguei
dos gestos que não fiz
das palavras que calei ...

Mãos-feridas
em corpos qu'enterrei
braços que fechei
palavras que não disse
beijos que não dei ...

Mãos-frias de coração quente
amor-morto por punhal-ardente!

Ninguém vê o que minh'Alma sente!
E quem diz que me vê mente!
Porque apenas pensa, não me sente!

Inserida por Eliot

⁠Passo de Solidão -

Eu sou no mundo
um intenso respirar d'angustias!
Sou na vida um imenso passo-de-solidão...

E rasgo a noite sem dizer que vou ...

Choro e escrevo poemas de dentro da Alma.

Mas ninguém me vê como realmente sou
porque eu só passo á hora estranha
de ninguém!

Sou aquele que está onde ninguém passa ...
Sou o que passa onde ninguém está!

Eu sou no mundo um intenso respirar d'ângustias!
Sou na vida um imenso passo-de-solidão!

Inserida por Eliot

⁠Elegia a Monsaraz -


Ó minha terra!
Terra minha, tão perto
e tão distante ...
Navio imerso nos meus sonhos!
Berço onde desci
ao mar da vida sem ternura.
Deixa que te veja, hoje e sempre
entre noite escura.
Monsaraz,
senhora minha,
madre,
raiz!
Diz-me onde te feri!
Teu semblante me proteja!
Teu olhar, sombras e recantos,
me afague, sossegue, recolha ...
Não há planura sem horizonte
ou pátria sem Alma,
não há prados como os teus
cobertos por um véu ...
Monsaraz, aia dos meus dias,
senhora dos meus cedros,
madre do meu tecto,
raiz do meu loureiro.
Diz-me onde te perdi!
Ai, quanto me dói em ti meu coração!
Talvez por magoa ou saudade, angustia
ou solidão ... aquela solidão,
a nossa solidão!
Solidão imensa de quem é teu!
E eu sou-o sem demora.
Desperta Monsaraz, vila morta!
Que o tempo passa e com ele passo eu,
fecha-se-me a porta ...
Acorda! Desperta! Recorda!
Tu ficas, intima, infinita ... eu parto,
poeta, errante!
Ó minha terra-fria,
tão perto, tão distante ...

Inserida por Eliot

⁠O que nos Separa -

Entre mim e ti
há um vazio suspenso
que nos separa!
Um espaço imenso manchado
de saudade.
Vontade que não domino,
solidão a que pertenço!
E repara, eis a verdade:
cruel, dura, fria!
Lamento que assim seja,
mas é mais forte o que nos afasta
do que o que tu queres que nos una!

Inserida por Eliot

⁠Eu sou Noite -

Eu sou noite!
E vim de parte incerta.
Espaço que não existe ...

Eu sou noite!
Sou vento que resiste - que insiste ...
Vim amar-te - sem meta!

Cheguei e estou aqui!

Eu sou a tua noite, agora,
sem tempo, nem hora ...

Inserida por Eliot

⁠Um Gin apenas -

Porque serão as noites tão sombrias
quando não estás em mim?!
Porque serão os dias tão claros?!
Os Mares tão fundos?!
As gentes tão normais?!

Tudo passa tão igual,
tão intenso, tão discreto!
Mas nada é igual ...

Não te vejo.
Não te sinto.
Não te encontro.
Porque não estas aqui?!

És um Gin - apenas!
Este Gin!
Um pobre Gin ...

Mas nada é igual! Nada!
E onde estarás tu nesta noite
tão fria?!...

És um Gin ... um Gin apenas ...
... um pobre Gin ...

Inserida por Eliot

⁠Perdão -

Quando passaram todos e quedou silêncio
sobrou a raiz da noite onde só é presente
o que sabemos vão!

E eis que quando a dor já de ninguém
se esconde, tudo na Vida é contradição.

Senhor, Senhor que nos foi dado Amar,
porque nos afogamos nós, sem nadar,
em Águas-de-solidão?!

Perdão Senhor ... perdão ...

Inserida por Eliot

⁠Não Chorem -

Não chorem por mim quando eu morrer!
Desfolhem antes rosas brancas sobre o meu caixão.
Para que minh’Alma se eleve aos Céus,
num intimo acenar, Sem medo de vos perder …

Inserida por Eliot

⁠Poema inacabado -

Numa praia distante
ficou meu corpo abandonado!

Sonho esquecido,
coração afogado,
naufrago perdido,
abraço não dado.

Numa praia longinqua
ficou este Fado, intimo gemido,
Poema inacabado ...

Inserida por Eliot

⁠No Enterro da minha Gente -

Sou ultimo vivente
d'uma infancia mal fadada
e recordo essa gente
numa fria madrugada
onde minh'alma sò
se via sem nada! ...

Minha vida foi diferente
do que queria a minha gente!

Eles nunca me entenderam...
Eles nunca me sentiram...
Eles não me deram nada ...

E a repulsa que lhes tive,
amargura que senti
fez de mim estrangeiro em casa ...

E o que ficou dessa ferida,
nessa fria madrugada,
entre a casa abandonada
e a minh'alma sem nada?!

Ficou a morte dessa infância
no enterro da minha gente ...

E alguém mais sofrerá a dor desta distancia?!
Haverá alguém mais que assim sente?!

Qu'importa?!

Sepulto os mortos do meu sangue
nessa casa abandonada.
E repouso por fim em paz, nesta hora,
no frio da madrugada...

Eles nunca me entenderam...
Eles não me deram nada ...

Inserida por Eliot

⁠Natal ... tempo de memória -

Natal.
Tempo de Memória.
Tempo de celebração.

Celebração de um outro tempo,
de um tempo bem antigo.
Aquando d'um luminoso nascimento:
Deus no seu filho que humano
baixou à Terra!

"... e a noite se fez dia ..."
enorme acontecimento!

Não é, no entanto, velado
na poeira da História,
encapsulado em vagos sentimentos
ou preso na teia obscura da memória
que o Cristo permanece.

Revela-se na abundância
d'uma secreta mutação,
na Vibração eterna
que é a Vida da Alma.

É na presença subtil
do nosso Templo Interior,
que de novo,
em cada Ser humano,
o Cristo se manifestará:
no intimo silêncio
do Ser Interno,
na Alquimia do Sangue,
no Espaço do Incomunicavel ...

Natal é Tempo vivo,
Tempo presente ...
Natal é para todos e cada um
uma imensa oportunidade
de Luz Maior.

Natal é mais um dia
de uma Eterna Revelação ...

Inserida por Eliot

⁠A Vida de meus olhos vai morrendo -

Tanto Amor que fica por viver:
- abraços por dar, corpos por sentir,
corações por palpitar ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

Rubras manhãs futuras por chegar,
gritos renovados e floridos, intimos, contidos, por Primaveras a chegar ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

Tanto caminho por andar
em calha de Terra Prometida,
tantas aves a debandar ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

Mares sem fim por nevegar,
paisagens olvidas, ocultas,
montes rios e vales por sentir,viver, tocar ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

Tanto silêncio em minha Alma
em horas de calar e de sofrer,
amargura sem Esperança nem chama ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

É o medo das palavras recolhidas
que espera o amanhecer de cada dia
numa alegria tão fingida ...

E A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRENDO!

Tanta presença por acontecer
no meu intimo cenário!
E quanta pressa em sofrer
nos passos da partida que se adensam
quando a ultima jornada já se vê ...

... PORQUE A VIDA DE MEUS OLHOS VAI MORRER!

Inserida por Eliot

⁠Intima Impotência: diálogo -

"- Onde foste Ricardo?"
- Fui ali pedir a Deus
que me deixasse morrer! ...

"- E porque vens tão triste?!!"
- Porque Deus me disse que tenho
que viver ...

"- E isso é mau?!"
- Não! É triste ... perturbador...

"- Porquê?!"
- Porque para mim, nesta dor, viver é morrer
e morrer é viver ...

"- Ó Poeta, sempre tão confuso,
sempre a sofrer ..."

Inserida por Eliot

⁠Hoje -

E hoje?!
Que se passa hoje em meu Coração?!

Amanheceu o dia e a noite cobre-me ainda!
Estranha solidão que me aglutina os sentidos,
- dia turvo e vazio!

E onde estou?! Onde?! Onde fiquei?! ...

Ó Senhor que me não vem a menor
consolação de Ti ...
Porque me tens tão esquecido?!
Tão cego e possuído ...

Inserida por Eliot

⁠Carta à Mãe ( sobre o cancro) -


Estou diante de um velho espelho e vejo a minha imagem turva. Estou sozinha mas viva, e isso vale por mil companhias. Lá no fundo brilha uma esperança de futuro, de vida, de cura, ainda que vaga … o que não apaga tudo aquilo que vivi e senti. Agora quero acreditar em Deus, sinto que mereço acreditar nele e no seu poder de Equilíbrio … porque acreditar em Deus é acreditar na Vida. Vida que ainda sinto, que ainda respiro, que ainda me habita. Vida que nunca ninguém em tempo algum me poderá tirar … agora Sei! Agora Sinto-o!

O cancro é um mal que entra no corpo sem se dar por ele. É um estranho negro que começa a viver lá, a virar a nova casa em que habita contra si mesma. Esta é a fatalidade do cancro. Ele começa por ser um invasor mas torna-se uno com o invadido forçando-nos a destrui-lo. Destruição que nos destrói, dor que gera dor, fim que nos aniquila. É a presença do diabo! O tratamento é o exorcismo da ciência.

Mãe … espero que nestes termos o Ames a ele e a mim porque os dois formamos um só. Espero que aceites este estranho que muitos conhecem mas que poucos conseguem expulsar completamente … e se ao leres isto que escrevi, a escuridão me tiver engolido, não podes pensar que fizeste pouco por nós. E apesar de sempre termos alcançado tudo juntas, este ultimo percurso tem de ser feito obrigatoriamente por mim, e só por mim. Perdoa-me o individualismo mas é assim que a Vida quer! O passado dos nossos sorrisos parece ter-se afastado, parece ter-se evadido … sinto o presente tão doloroso na Alma e no Espírito que o futuro se torna numa incógnita fatal.

Que o teu Coração de mãe se acalme com a recordação do nosso Amor porque o meu está em Paz … e se eu tiver que partir mãe, nessa hora de partida, levarei impressa no meu Ser a tua Alma de Mulher.


in Uma Alma de Mulher
Do mesmo autor

⁠Ao Poeta /Conde de Monsaraz -

Tens em minha Casa
um lugar onde podes pernoitar
sempre que venhas.
Tens em meus braços
um ninho de amizade que te espera.
Tens em minha Alma outra Alma
que sempre esperará a tua Alma...

(Para Macedo Papança)

Inserida por Eliot

⁠Junto ao Horto -

E é aqui,
Senhor,
em horas
d'agonia,
horas-desespero,
que encontro
neste mundo
o meu lugar.
Junto ao Horto
da angustia
do vosso altar!
Só aqui me
vejo!

Ai, Senhor,
Senhor,
que me sinto
morto,
sem Luz!
E onde estás
Tu,
que de Ti
me não vem
a menor
consolação?!! ...

Ai,
meu pobre
Coração!
Navega perdido,
sem estio,
em Eterna
solidão!
Senhor,
perdão!
Se estás aí
e Te não vejo,
perdão!

Meus passos
solitários,
baços,
ingremes,
carregam
pecados
de Seres que
ja fui,
alados ...
Mortos
que não
morreram
em meu corpo
naufragados!

Angustia
de Seres calados,
em mim,
sufocados!
Desejos
que d'eles desejei,
indesejados ...

E meu fim,
Senhor,
te peço,
p'ra quando
esse-meu fim?!
Tão pedido,
desejado,
prometido?!

Levai-me,
Senhor,
levai-me
p'ra donde
eu vim!!!

Inserida por Eliot

⁠Elegia a Nós -

Eu sou
esse espaço
onde ninguém
pode habitar.
Sou essa Vida
que ninguém
pode viver.
Sou esse Fado
que ninguém
pode cantar.
Sou aquele
que ninguém
pode entender!
Eu sou alguém
que ninguém
pode tocar.
Esse
que apenas
será livre
à hora
de morrer ...
E tu!
Sempre
tão tu!
A quem
ninguém vê
mas sente!
E onde
nos perdemos?!
Onde?!
Ai de nós,
neste
desencontro,
permanente,
que
morremos,
que
morremos ...

Inserida por Eliot

⁠Hemisfério -

Só!
Assim
me vejo
além-de-mim...
Tão só!
Assim me sei
neste
hemisfério
sem fim...
E o Amor,
esse,
nunca
o encontrei!
E tanto
que o
esperei!
Ai
de quem
chora,
p'la Vida
fora,
o desamor,
de quem,
não sei ...
E o
Coração
que lhe
dei,
deixou
meu corpo
frio,
sem calor!
E
p'la solidão
do Amor,
eu sinto
que estou
morto,
pálido,
sem cor,
vazio,
distante,
que voo,
além-
-da-
-dor ...

Inserida por Eliot

⁠Louros e Acácias -

Porque regressas tu assim,
tolhido e sem pressas?!
Choram-me os olhos
adentro aos teus ...
Que entre a Vida e eu
há já o costume d'um altar
em preces absorvido,
esquecido, perdido -
- na insistência dos dias,
na persistência das horas,
frente a tua ausência que tornou,
mas que agora, ao voltar,
foi-se-me à Vida que matou!
E sem ti, e sem mim,
mormente o tempo passe,
que minh'Alma se resgate,
e que Louros e acácias,
como frias-sentinelas
em sacadas de solidão,
adornem o altar da capela
do meu triste e pobre coração!

Inserida por Eliot

⁠Regresso -

Vem, meu Amor, estou à tua espera:
meus braços abertos, serão para Ti,
como prados floridos que te abraçam
numa doce Primavera!

E surge no peito um grito, um alvoroço,
surge nos montes um cantar,
um beijo, um abraço de saudade
que se espalha pelo ar ...

Nesse momento, recordaremos o que passou,
sonhos, promessas que fizemos,
a distância ofegante que nos afastou!
Lembra-te, meu Amor, das palavras lindas que dissemos!

E seremos um Só,
nova Chama, novo Fogo!
Pois na Vida,
tudo vem e tudo vai,
só tu ficas,
meu amor, meu amor ...

Inserida por Eliot

⁠Sinto Ciúme -

Sinto ciúme
das negras nuvens a passar
das gaivotas a voar
dos corações dos amantes
e das ondas do mar ...

Sinto ciúme
da noite que chega
da morte que nos leva
da Vida que nos beija
dos lagos, dos prados e da erva ...

Sinto ciúme
do nevoeiro que nos cobre
do dia que amanhece
da Terra que sepulta
da minh'Alma que perece ...

Sinto ciúme! Eterno ciúme!
Pena negra na aza alvissima do Amor,
olhos cegos, sem cor,
corpo frio, sem calor!
Sinto ciúme - ciúme de ti

- meu amor!
- meu Amor!

Inserida por Eliot

Na Poeira dos dias que me deste -

⁠Ferido d'angustia, ajoeilhei Senhor,
na poeira dos dias que me deste ...
Rasguei um longo olhar sobre o Passado,
mas vi-te, ó Deus, sempre a meu lado!
Inda quando louco não te amei!

Ferido d'angustias, caí na poeira dos dias
que me deste ... mas ergui-me ... e segui-te!

E agora! Quem sou? Dize-me Senhor - dize-me!

Eis-me na dor, por vezes, ainda ...

- tombado e inutil, verdadeiro e igual,
ferido d'angustia na poeira dos dias
que me deste! -

Inserida por Eliot

⁠Cinzas - poesia por cumprir -

Quando lançarem ao mar
minhas cinzas,
rezem uma oração!

Pedaços de mim ao vento
ao som d'uma canção
serão lançados dum penhasco,
e num imenso respirar, intimo pulsar,
ficarão no espaço,
entre-águas-de-solidão!

E eu irei, entre nardos
e ondas de nostalgia ficarei, a pairar ...

E das águas mais profundas do meu ser
hão-de um dia ver-me emergir,
e inda que seja cinzas-entre-mar,
hão-de saber-me poesia por cumprir ...

Versos, meus versos,
imersos em saudade - meu mal!
Poemas por viver, controversos,
- pó e cinza, cinza e sal!

Inserida por Eliot

⁠Maria da Graça -

Nos longos madrigais
destes campos do Alentejo
andam moças aos Ais
de-desejo-em-desejo ...

Campos de trigo, campos de seiva,
plantados com suor por esta gente!
Que a Senhora da Orada lhos proteja,
hoje aqui e para sempre ...

E no Outeiro da saudade,
junto à Monsaraz do Coração,
há hortas, campos de piedade,
vinhedos, imersos em solidão!

E ouve-se ao longe, no Outeiro, uma canção!
É uma jovem com ternura e encanto
que canta e encanta a ilusão
ao ponto de calar até o pranto!

Agita-se-lhe o canto na garganta,
sai-lhe pela boca graciosa,
e toda a gente se espanta
ao ouvi-la cantar tão formosa...

Seus olhos quando chora,
sua boca quando ri,
são graciosas auroras,
pedras preciosas: esmeraldas e rubis.

E quando feliz ela passa
pela porta das gentes,
chamam-na: "- Maria da Graça!
Canta lá o que sentes ..."

Que Graça, que encanto, que ternura
levava a Maria no Coração,
qu'inda hoje, na memória, perdura,
a jovem Graça e a sua canção ...


(À graça, à ternura e ao encanto, da sempre jovem, Maria da Graça, minha Mãe .)

Inserida por Eliot