Coleção pessoal de Eliot

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⁠Àquela quina -

Àquela quina da cidade
onde a mágoa se alevanta
moro eu, mora a saudade
e também Florbela Espanca.

É o nome da Praceta
ali de fronte à minha casa
que um dia foi eleita
pelo nome que hoje abraça.

E porque escuto a condenada
que tanto fala na Praceta?!
Tantos versos pela estrada.
Uma voz que não se deita.

⁠Hora de Revolta -

Mais um dia igual aos outros ...
Passa o tempo e nada traz ...
Sinto que vivo entre loucos ...
E que a vida nada mais me dá!

E o porquê de tanta crueldade?
Olhos miseráveis sem compaixão
pejados de vazio e de maldade
que vestiram no meu corpo a solidão!

Porquê?! Porquê?! Porquê?! Malditos
sejam eles e as suas descendências!
Hão-de pela vida comer meus gritos!

Hão-de tristemente enlouquecer
como praga que os consome em ardências,
e eu, vivo ou morto, hei-de ver ...

⁠Chorar alguém -

Quem morre ou vai embora
eis que nunca levará
a saudade de quem chora
e se arrasta em vão por cá.

A saudade é triste e sã
porque a morte é longa e fria
mas que loucura tão vã
chorar alguém dia-a-dia.

E já que a morte é nossa
e o silencio que ela traz
que a vida dê mais força
a quem fica só por cá.

⁠Asa Quebrada -

Sou um pássaro ferido
num voo de asa quebrada
sou um filho esquecido
numa casa abandonada.

Sou andorinha sem ninho
que se perdeu da Primavera
passageiro sem destino
que da Vida nada espera.

Ai de mim que estendo a mão
numa agonia profunda
ao embalar a solidão
num barco que se inunda.

E o que fica não sou eu
nem tampouco o que escrevi
fica a dor que Deus me deu
do que sonhei e não vivi.

⁠Rosas e Luar -

Nestes dias esquecidos e calados
em que os olhos parecem não falar
neste tempo de silêncios magoados
trago fome de Rosas e Luar.

Nestas horas vestidas de saudade
em que se ouve tanta gente a soluçar
trago cinzas cobertas d'ansiedade
e tanta fome de Rosas e Luar.

Nas espáduas do destino está a esperança,
em mim, só há fome de Rosas e Luar,
há falta de alegria e confiança ...

Já nem as pedras me suportam ao passar!
Para mim não há vida nem bonança,
só há fome de amor, de Rosas e Luar ...

⁠Olá, Adeus -

Foi tão bom encontrar-te
e tão triste esse momento,
foste embora mal chegaste
olá, adeus ao mesmo tempo!

Ao chegares, mal te vi,
já dizias, vou partir,
nem sei bem o que senti
não te podia impedir!

E o meu coração parou
e tudo parou também
alguém partiu e não voltou
daquelas bandas de além!

E de nós dois o que ficou?
Só a dor desse tormento!
O meu coração parou
parou tudo ao mesmo tempo!

⁠Deambulatório -

Às vezes a Vida parece ingrata
porque nada acontece
e em tudo se esbarra
na inutilidade de existir ...

E o vento grita de noite,
a cada esquina, a cada canto,
e a noite, calada, vagueia,
negra, vazia, intacta, nua ...

E a mágoa é como um vicio,
doença terminal que nos destrói,
e há sombras, muitas, tantas
que procuram, chorando, por mim ...

E a rua?! Por quem espera aquela rua
do principio até ao fim?!...
Nela ... nada acontece ...

⁠Auto do desencontro -

Quando o meu amor chegar,
se chegar e eu já tiver morrido,
esse alguém há-de amar
como se eu nunca tivesse existido!
Que talvez nem por mim sofra!
E como poderá sofrer se chegar
e eu já tiver partido?!
Destinado a encontrar tudo vazio ...
... de mim ... sem mim ...
Absorto! Alguém sem rosto, cujo corpo,
é morto!
Na verdade alegro-me por sentir que a
minha morte não traz pena!

Se eu morresse agora e soubesse
que chegavas amanhã,
partia sem demora,
só por saber que chegarias
e que meus versos se cumpriam!
Hoje morreria ...
Tu chegavas depois de hoje ...
Depois de amanhã nada acontecia ...
Tudo estático, igual, como sempre,
como dantes.

Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah ...
Deixem-me rir desta sequência ...
Ela foi a minha vida ... nua e crua ...
Para mim sempre se fez gente ...
Sempre se fez rua ...
Alguém bate à minha porta ...
Que faço?!
Acabo os versos?! Abro a porta?!
Ou adormeço simplesmente?!

Se acabar os versos quem bate à porta
pode partir ...
Se abro a porta quem sabe o que será?!
O tal Amor? A Morte? ...
Se for amor, não acabo os versos e a´
minh'Alma não se cumpre!
Se for a Morte, os versos serão cumpridos
mas p'ra sempre inacabados ...
Que faço?! Que faço?!

Alguém abriu a porta ...
Vou voltar-me para trás.
Se for o vento terminarei os versos
e o meu ser estará completo.
Se não os acabar sabereis que encontrei
o tal amor

ou

a Morte,
a Morte,
a Morte ...

⁠Antes de Nascer -

Foi tudo um sonho desfeito
que passou na minha vida
e erguendo as mãos ao peito
adormecido no leito
nem uma esperança em mim havia!

E vivi tanta mentira
sobre a luz de um triste corpo
pois a vida tudo tira
e nunca mais ninguém me vira
esperando alguém naquele Porto!

Aconteceu sem esperarmos
aconteceu sem acontecer
tudo parou ao pararmos
passou tudo sem passarmos
morremos antes de nascer!

⁠Este Livro -

Este Livro que vos deixo
é de mágoas e saudade
o que há em mim de sem vontade
que tantas vezes está por baixo!

Já não é nenhum segredo
vejam bem que triste sorte
nem me lembro que há a Morte
nem da vida tenho medo!

E às vezes ponho e minto
nestes versos que me dão
o que vivo mas não sinto ...

Pois os versos nunca são
mais que a hora que os pressinto
um travo amargo a solidão ...

⁠Deixem Passar -

Deixem sofrer quem d'amargura vai vestido,
quem de sonhos vai despido, deixem passar,
deixem falar quem na vida está vencido,
sem mãe nem pai, como um barco a naufragar!

Deixem cantar quem ao Fado deu a voz,
quem tem olhos cor de medo, sem nada,
no silêncio d'um destino, acompanhado e só,
vivendo a vida numa casa abandonada!

Deixem passar quem à mágoa deu o nome,
quem plantou no coração a rosa brava,
que cresce na demência que o consome!

Deixem ouvir o grito das entranhas
que ressoa de uma alma em vão cansada
e deixem-no passar por entre as madrugadas!

⁠Fui -

Fui de cansaço em cansaço
de solidão em solidão
nem a esperança de um abraço
só vazio no coração.

Fui de poema em poema
de loucura em loucura
na verdade que o tema
sempre foi amargura.

Fui de boca em boca
procurando um coração
e só a loucura mais louca
levei triste na mão.

Fui alguém que ninguém viu
uma Alma ressentida
fui um preso que fugiu
das amarras da vida.

⁠Amor por caridade -

Se o teu amor, por caridade, me dás,
deixa estar, não o quero em mim a palpitar,
não quero sobras do que fica com quem estás,
antes só, do que ter de ti o que sobrar!

E já não há lágrimas nos meus olhos
excessivamente abertos! Eles bem te seguem!
Dás a tantos, teu amor aos molhos,
e a mim, só os restos que não querem!

Amor por caridade não tolero,
pois há muito quem me queira por aí,
simplesmente, por ti, sou eu que os não quero.

Que te fique na alembrança o que te dei,
tantos versos deste amor que te escrevi
e que ao fogo da revolta entreguei.

⁠Um Pouco de mim -

Minha vida nunca foi um mar de rosas
onde o rio dos meus cansaços pudesse desaguar,
mas sim, um vendaval de ondas furiosas,
onde, no mar alto, só vi sonhos naufragar!

E nunca estive à mesa onde se come,
nunca fui capaz de ter ou dar amor,
nunca fui à cama onde se dorme,
nem senti o balsamo de uma flor!

Que inferno colossal o destino me entregou!
Pobre vagabundo com roupas de jasmim
que alicerça nos poemas a revolta que o gerou ...

E levo aos ombros o peso desse desdém ...
Nos versos d'Alguém, há sempre um pouco de mim,
pois o que sou e não sou, tantos foram também!

⁠Ai -

Ai esta insatisfação que me habita
ai esta angustia que me come
ai esta amargura que se agita,
no meu peito, sem nome!

Ai esta loucura que eu visto
cheia de escárnio e solidão,
ai este não-sei-se-resisto
à dor que me esventra sem razão!

Ai esta mentira que eu vivo,
ai este pecado que eu sou,
um pobre coitado, vencido ...

Que vive a vida escondido,
perdido e calado, despido,
pois a esperança na vida, voou!

⁠Portas do Mundo -

Porque se fecham para mim
todas as portas do Mundo?!
Por que trago estas dores sem fim
e, na voz, um grito profundo ...

E porque me dão amarguras
todos os olhos que encontro?!
Por que as palavras impuras,
habitam tristes, meu canto ...

Porque serei um condenado
desde a hora em que nasci,
triste e perdido, na dor do Passado?!

Por que visto um silencio maior ...
Por que não importa o que perdi ...
Só importa encontrar o Amor ...

⁠Gente que nasce do frio -

Há gente que nasce do frio
como a bruma ensanguentada,
triste, só, dilacerada
sobre as águas do Rio.

Gente que nasce do nada
como as ondas do mar
como o vento ao tocar
numa casa abandonada.

Gente que nasce a chorar
como as aves dos Céus
como os olhos de Deus
cansados de esperar.

Gente que nasce perdida
como alguém que ao morrer
não consegue esconder
quanto dói a despedida.

Quando se vive e não sentiu
que a dor nos dá força,
o destino baloiça
e mata gente de frio.

⁠Ditados -

Quando a vida está cansada
dá-lhe espaço p'ra te ver
que ela mostra nova estrada
p'ra que a possas entender.

E deixa que ela escute
o teu grito de saudade
não há bem que sempre dure
nem mal que nunca acabe.

E porque a vida não se aninha
nem se dá a quem não espera
por morrer uma andorinha
não acaba a Primavera.

E há sempre uma quimera
que nos tira a confiança
quem espera desespera
quem espera sempre alcança.

Tantas bocas que antevêem
mentindo a toda a gente
mas olhos que não vêem
coração que não sente.

Na verdade a compaixão
é água mole em pedra dura
mas com Amor no coração
tanto bate até que fura.

Sobre a vida derramadas
tantas culpas que sentimos
mas as águas passadas
já não movem os moinhos.

E quem só vive em solidão
é seco e não tem trilhos
mas quem se dá ao coração
tem nos filhos os cadilhos.

Quem toma o que não é dele
é um cego sem saber
mas pior cego é aquele
que não vê e não quer ver.

⁠Inter - Mundos -

Inter-Mundos vivem corpos
peregrinos da esperança
alguns vivem como mortos
outros ganham confiança.

Outros tantos não se lembram
que o silencio é o caminho
e talvez até se esqueçam
de encontrar outro destino.

Na verdade não me lembro
quando a vida me deu vida
do destino me dar tempo
de encontrar a Fé perdida.

E porque a morte chega tarde
quando os gritos são profundos
tanta gente com saudade
que vive triste Inter-Mundos.

⁠O Amor é ...

O amor é como a água
que corre sem parar
num caudal de solidão
no pulsar de um coração
para as águas do mar.

O amor é como a vida
que se dá de par em par
que por vezes é paixão
outras tantas ilusão
de nossos olhos a chorar.

O amor é como a rua
onde passa quem passar
onde chega quem partiu
d'onde parte quem sentiu
tanta dor no seu olhar.

O amor é como as rosas
nas margens do cansaço
umas vezes entre flores
outras tantas entre dores
no leito ou no regaço.

O amor é como a morte
vem de longe num rumor
à procura d'um Poeta
que fala, que confessa
tanta coisa sem pudor.

Afinal o que é o Amor?! ...
É uma coisa inacabada
que alegra e magoa
que nos deixa ir à toa
à deriva pela estrada.