Coleção pessoal de Eliot

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⁠Amargura -

Ai de mim que estou cansado
de viver além da vida
eu nasci p'ra dar ao fado
tanta amargura perdida.

Eu vivi sem ter nascido
porque o mundo não me quis
vou morrer sem ter vivido
e que mal à vida fiz?!

Os teus olhos não são mais
que uma faca de dois gumes
dois silêncios, dois punhais
ao sabor dos teus ciúmes.

Os meus versos são herança
p'ra deixar a quem se esquece
que afinal até a esperança
já não resta a quem padece.

⁠Campa Vazia -

Numa campa triste e fria
há um corpo sepultado
que já não tem poesia
pela Morte naufragado.

É o corpo de um Poeta
já sem luz no seu olhar
e uma rosa que não seca
está na campa a soluçar.

Tão só, abandonado,
cheio de dor e solidão
naquela cova parado
está um pobre coração.

Até os versos que escreveu
não passaram d'um momento
mil instantes que perdeu
mal morreu o pensamento.

E até o epitáfio
já se foi da lousa branca
e o seu corpo tão frio
sem memória nem lembrança.

Pois viveu no lado errado,
passo a passo, dia a dia ...
Estará o Poeta sepultado
nesta campa triste e fria?!

Diz a voz daquela gente
que tal cova está vazia
porque uma estrela cadente
o levou da campa fria.


A Luiz de Camões.

⁠Cama de Linho -

O teu corpo é um grito
que está longe do meu leito;
e a minha cama calada
com barras feitas de nada
procura em mim o teu jeito.

O meu corpo é noite escura
sem o toque da tua mão;
e a minha boca fechada
e a minh'Alma cansada
de solidão em solidão.

E o que trago ou não trago
ponha Deus no meu caminho;
peço ao destino outra vida
e peço à Morte guarida
na minha cama de linho.

⁠Espirito Cansado -

No meu Espirito cansado
há muito d'amargura e solidão
e até aquelas horas do passado
alvoroçam o meu pobre coração!

E há gritos, palavras e punhais
que se escutam em mim de lés-a-lés
sonhos que não voltam nunca mais
espinhos no caminho que ferem os meus pés.

É mentira o que me diz a tua voz,
a rua já não fala, a noite já não vê,
e eu, aqui, sou resto, tão só, tão só.

O caminho é longo e doloroso
cheio de buracos e abismos,
e eu, perdido, triste e ansioso ...

⁠Precisava -

Queria tanto que alguém gostasse de mim ...
Esta ansiedade no meu corpo já não quero!
Precisava ser amado até ao fim,
pois ser poeta, nesta vida, não tolero!

Precisava de um olhar no meu olhar
alguém que me visse como alguém
queria tanto dar silencio ao meu penar
e arrancar do meu sentir tanto desdém!

Dizem que sou fraude, sou mentira,
que mereço ir à forca ...
Pobre de quem tanta pedra me atira!

Mas eu sou como a água, vem e vai,
não fura a pedra pela força,
mas pela persistência com que cai!

⁠Pesares -

São tantos os pesares que a vida dá
que, não há quem, sobre a terra permaneça
agarrado à saudade! Também ela passará
quando a memória de nós se desvaneça!

Porque a saudade come à mesa da memória
e a memória alimenta-se da vida
e a vida dá lugar à nossa história
e a nossa história, um dia, será tolhida!

E só a morte nos salvará
deste mundo injusto e infiel
onde nada, além do escuro, nos tocará!

A vida é amante do vazio, mãe da solidão,
neta do cansaço com um toque de cruel,
gerada por quem, nunca teve um coração!

⁠A minha boca Calou-se -

A minha boca calou-se
foi loucura, foi desdém
o meu olhar fechou-se
e o meu destino também!

Eu não sei aonde vou ...
Como um barco naufragado
o meu coração parou
e tudo ficou parado!

Nem uma lágrima de dor
nem um suspiro de paixão
tudo ficou parado, amor,
ao parar meu coração!

E os meus olhos magoados
como um grito que se solta
são dois noivos separados
vestidos de revolta!

Sou poema inacabado
sou carta sem destino
sou Presente sem Passado
sou as pedras do caminho!

Sou um verso tão profundo
que ninguém sabe d'onde vem
sou a loucura do mundo
que é de todos e de ninguém!

E tudo passa sem parar
e passamos nós também
passa a vida devagar
neste eterno vai-e-vem!

⁠Vivemos dia-a-dia debaixo do Céu
e em cima da Terra, porém, quando morrermos,
o nosso corpo irá para debaixo da Terra
e a nossa Alma para cima do Céu!
As cicatrizes da Vida só mostram quem fomos
e de onde viemos, não o que somos nem para
onde iremos ...

⁠Figueiras Tristes -

Figueiras tristes que se arrastam p'los caminhos,
por estradas, caladas, só debruços,
por pedras, cardos, silvas ou espinhos,
falem entre espasmos e soluços!

Debruçadas, solitárias, sobre poços,
sobre escarpas, no vazio ou por abismos,
Figueiras de quem fogem tantos olhos
nem pássaros vos querem para os ninhos!

Porque nem a vossa lenha se aproveita?!
Porque vos odeia toda a gente? Triste dor!
E nem a vossa sombra nos dá paz e aconchega?!

Mas o fruto da Figueira todos querem!
Nasce da ramagem sem dar flor
como as lágrimas dos tristes qu'inda gemem!

⁠Velha Guitarra -

Silencio velha guitarra
porque o meu amor partiu;
deixou meu corpo cansado
na minha voz este fado
e o meu destino vazio!

Silencio triste saudade
saudade qu'inda me amarra;
só ficam os desenganos
sofridos por tantos anos
na voz desta guitarra!

Mas o Passado morreu
e com ele o teu olhar;
silencio velha guitarra
adeus saudade que amarra
adeus vontade de amar!

⁠Vejo a minha Vida Passar -

Vejo a minha vida passar ...
Vejo cumprir-se o meu destino ...
Vejo a minh'Alma perdida
cheia de penas no caminho!

Alta noite,, horas mortas,
quando não se vê ninguém,
abro livros, fecho portas
e o meu coração também!

Choro a dor desta lembrança
dou à Alma o que não tenho
e tiro à Vida confiança!

Esse poço de onde venho
vivo nele desde criança
como um grito que sustenho!

⁠Cegamente -

Se os meus olhos não te vêem
como vêem toda a gente
desta vida nada têem
hão-de amar-te cegamente!

Ao viver não sei por quem
fui cegando pouco a pouco
fui mais cego que ninguém
ao amar-te como um louco!

E a minh'Alma fez-se cega
como um cego que não vê
tanto tempo à tua espera
à espera não sei de quê!

E em cada madrugada
já não dói o teu desdém
se eu p'ra ti não fui nada
tu p'ra mim não é ninguém!

Cinismo -

⁠Foi na Praça do Geraldo
que uma Moça se perdeu
encontrou o seu Amado
e aos encantos não cedeu!

Era pobre o tal Amado,
Ela rica, assim se diz,
contra aquele pobre coitado,
Porcos, Barahonas, Cordovis!

Não insistas nesse amor
não importa quanto andes
esta gente só traz dor
Cabras, Noronhas e Fernandes!

Até o Padre da Paróquia
que mal sabia d'zer o terço
vem à Praça fazer troça
do rapaz que não tem berço!

A Moça que era esperta
disse a Todos que era Crente
e mal viu a Porta aberta
fugiu logo desta Gente!

Pretensiosos Sociais
levam tanta rabecada
mas ficam sempre iguais
parece que não foi nada!

Há-de a história repetir-se
não haver a quem acudam
das bocas há-de ouvir-se
só os Nomes é que mudam!

⁠Eis-me -

Num acesso de loucura
vim à vida sem vontade
sempre cheio de amargura
sempre cheio de saudade.

Cansado como a noite
cheio de noite e solidão
sem um colo onde me acoite
levo o silencio na mão.

Ai que tristeza contida
ai que martírio maior
ai é tão longa esta vida
cheia de dias sem cor.

Ai veneno que me deste
ai que silencio de morto
ai solidão tão agreste
que me corre no corpo.

Tanta gente perdida
tanta boca fechada
tanta gente despida
tanta Alma calada.

Adeus vida que me foge
sem nunca me ter tocado
venha a morte que me toque
e me possua em pecado.

Ai se eu pudesse morrer
com a luz do teu olhar
eu voltaria a nascer
só p'ra voltar a te amar.

⁠Para os Santos - quadra -

Santo António tem o Menino
São João os caracóis
São Pedro no cantinho
abre a porta aos rouxinóis!

⁠Há muito ... tanto ...

Há muito que me cansei de ser quem sou,
ser o que não quero, que nunca desejei,
há muito que me cansei de estar onde não estou,
dizer o que não quero ou dar o que não dei!

Há muito que o silencio é em mim um grito,
um verso inacabado de pedras no caminho,
há muito que os meus olhos são o único que agito
na revolta contra os lábios do destino!

Há muito (tanto) que esqueci o que é amar,
há muito (mais) que não sei o que dizer
se alguém disser qu'inda me quer beijar!

E que graça há em ter ainda ilusão!
Quem pode querer beijar este não ser
que digo ser tão distante do Coração?!

⁠Visão Errada -

Eu sou a visão errada que há de mim
carregada de silencio e de saudade,
solidão que desde o berço não tem fim
no quarto da minha fria claridade.

Eu ando na vida como nasci - Nu!
Nu de sentimentos! Nu de afectos!
E alguém me escuta?! Sim, talvez tu,
tão longe dos meus sonhos quietos.

Tudo muda ... passa a vida tão depressa ...
... passas tu e passo eu ... cansado ...
... se me escutas - meu amor - regressa.

Já disse adeus, adeus a tanta gente
- tantos corpos que eu amei - Passado -
mas meus olhos, vão querer-te para sempre!

⁠Faltas -

Porque há dias que não se repetem
porque há faltas que não se perdoam
há erros que não se cometem
e palavras que não se entoam!

Porque é que nunca mais são horas?!
Horas de quê?! De qualquer coisa!
Se te atrasas, se te demoras,
o silencio da morte já me poisa ...

Estar vivo é não saber que se vive!
E eu? Perante mim todos tremem!
Se tou vivo - vivi!- se tou morto - já estive!

Em mim os sonhos não ressoam ...
Porque há dias que não se repetem
e há faltas que não se perdoam!

⁠Amantes Desejados -

O suor dos nossos corpos
encheu o quarto d'ilusão,
correu meu corpo, a tua mão,
parando fixa nos meus olhos!

E a tua língua no meu peito
e o teu olhar no meu olhar
gemi palavras a gritar
envolvido no teu jeito!

Fomos um naquele instante
e eis que o tempo por momentos
foi eterno para sempre ...

E adormeci no teu regaço
e foram tantos sentimentos
que fiz dos versos os teus braços!

⁠Esta Vida de Deus -

Deu-me Deus esta vida que não quero!
Um coração que se perde em ilusões
enleado numa teia de solidões,
que não quero, não desejo, nem tolero.

Deu-me a Vida, um Deus, em que já não tenho Fé!
E p'ra quê acreditar nos Evangelhos?! ...
Passa o Tempo! E porque faz de nós tão velhos?!
É a vida tal qual aquilo que ela é! ...

Estou perdido, agora tudo é vão,
minha dor, este silencio, tudo calado ...
Eu sou filho d'um desígnio do pecado!

Mas, porém, que pecado foi o meu?!
Onde errei? Porque me fere o coração?!
Porque me deu Deus esta vida que me deu?!