Texto quando se quer Terminar com Alguem
CURRÍCULO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Comecei a ser eu próprio quando papai e mamãe fizeram... papai e mamãe. Depois cresci aprendendo a ser mais e mais quem sou, com a vida que é o que é. Até agora só fiz o que me deu vontade. Sempre dei o que tive, quando quis fazer um bem. Tive apenas o que foi meu e jamais dei um passo além de mim.
Tenho graduação em vida e mundo, e pós-graduação em gente. Não consegui o doutorado em verdade. Aprendi que nessa cadeira ninguém se forma, pois a verdade não é fixa nem absoluta, embora o que estou dizendo seja uma "contrarredundância". Quanto ao mais, ainda me sobrou tempo para ser escritor, educador e fotógrafo... E papai; porque também fiz papai e mamãe.
Tradicionalista e barroco, no sentido barro da palavra, morrerei comigo e me levarei para o túmulo, por não saber viver depois de morto. Afinal, sempre me aceitei como sou, com todos os meus defeitos... E os defeitos também.
AMOR GUARDADO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Fico aqui me dizendo pra falar depois,
quando a minha palavra encontrar teus ouvidos,
que o que sinto é "tão" puro; tão água potável,
e nós dois transcendemos afetos palpáveis...
Redecoro pra sempre o meu texto suave,
minha clave de sol, de manhã musical
cujo encanto não corta meus nervos e a carne;
só eu sei como corta, mas calo a sangria...
É tamanho desejo amarrado ao temor
deste amor que não sabe se terá resposta;
um edema, um tumor, um câncer de sentidos...
Amo além do que a lei de te amar se permite
no país inseguro do meu coração,
na visão indecisa do que pode ser...
FORA DE MIM
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Perco todo esse tempo que tenho a ganhar,
quando sonho apressado e desprezo critério,
pois o mundo é mistério por ser desvendado
e voar nos exige visão de horizonte...
Já perdi muita vida por saltar no escuro,
por querer em excesso e me soltar ao léu,
rabisquei tanto céu e terminei no chão
do futuro passado, perdido e no fim...
Hoje quero conter os impulsos incautos,
o meu tempo de saltos avançou a idade,
mas às vezes esqueço que cheguei aqui...
E me perco nas perdas do tempo já gasto,
me devasto e jamais me replanto a contento,
porque tento correr para fora de mim...
PARA SER GENTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Aprendi a me calar, quando minha voz é mal posta e cai de mal jeito em um coração armado. Quando meu ser se assusta por ter apostado no escuro. Por ter acreditado no abismo de outro ser. Ou se perdido em mais um dos mitos da boa vontade.
Mas não posso me queixar, pois meu lucro notório é saber voltar para dentro sem maiores lesões internas, quando perco meu tempo numa entrega totalmente vã. Ao permitir lá no fundo, esse desempenho de acender minha chama, para então inflamar as emoções de alguém, caso existam guardadas em algum canto.
Cheguei ao ponto em que amargo meus rancores por pouco tempo. Logo depois os deixo nos recantos sombrios onde nasceram. Nos momentos fadados a serem só momentos. Passados vencidos por este orgulho que primeiro se vence numa batalha já nem tão árdua para quem passou a não ter o mundo como cruz.
Foi o quanto aprendi, quando a vida me convenceu a ser mais humano com os seres humanos. Fez-me ver que tenho tudo a ganhar com as perdas e os danos seculares de lidar com gente... ou aprender a ser gente, como a gente precisa.
AMOR PRÓPRIO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando sou situado retorno ao meu canto;
me replanto e renasço inteiramente outro,
para quem me acomoda no ponto passivo
do caixote ou da ostra de minhas entranhas...
Se me sinto freado correspondo ao pé,
mesmo tendo certezas; verdades opostas;
tenho fé no bom senso e meus olhos têm asas
que me levam além do momento e da cena...
Valorizo a palavra, o discurso direto,
quero sempre o contexto sem traços demais,
mas aceito eufemismos; acolho pretextos...
Deixo em paz e não travo batalhas no ego;
se me sinto avisado me colho e recuo;
se não pode ser duo não será duelo...
PROFESSORES X FUTEBOL
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando nós, educadores, protestamos pura e simplesmente conta o sucesso financeiro dos atletas, em especial dos jogadores de futebol, depomos contra nós mesmos ao demonstrarmos desprezo pelo talento. Da mesma forma contradizemos nossos discursos contra exclusão; desigualdade; falta de oportunidades para os mais simples.
Aquelas pessoas que neste momento de suas vidas ganham milhões, são quase todas de origem bastante humilde. Filhos de pedreiros, serventes, lavradores, balconistas e afins, todos visionários e atentos aos sinais de que seus filhos têm algo especial: talento. Esses pais atentos apostam; dispõem de todos ou quase todos os seus poucos recursos, até marcarem o gol definitivo, acertando em cheio na grande chance dos filhos. No futuro com que nunca sonharam para si próprios.
Nas salas de aula, falamos quase o tempo inteiro em talento; no entanto, somos elitistas: não aprovamos o talento dessa gente humilde que de uma hora para outra pode ser detentora de uma fortuna que nos dá inveja, sem terem passado por ensino médio, faculdade, às vezes nem mesmo pelo ensino fundamental completo.
Mas esses atletas não chegam lá sem esforço. E muito esforço. Sacrifício. Renúncia. Ainda bem novos deixam famílias, brincadeiras, amigos de infância, e vão trabalhar duro: fazer muitas horas diárias de preparação física, treinos com e sem bolas, educação alimentar e outros cuidados criteriosos com saúde, o que inclui não ter vícios, vida sedentária ou promíscua. Tudo isso, além de aprenderem regras rígidas de convivência. Coleguismo. Ética desportiva. Recolhimento. Meditação. Autocontrole. Respeito por quem está do outro lado. Uma verdadeira universidade que os prepara para viver dignamente, como cidadãos que quase sempre não sabem falar, mas sabem agir. Sabem ser quem são. E quase nunca renegam suas origens.
Temos preconceito desses atletas, porque não foram nossos colegas de faculdade; porque venceram pelo talento sem aprender gramática e raiz quadrada. Porque não foram modelados pela educação formal. Porque ganham mais do que nós, que não percebemos o quanto eles geram em recursos, movimentação financeira, patrocínios de produtos e marcas que eles fazem vender, somados às vendas de ingressos, audiências de rádio, televisão e web, circulação de impressos e influência nas bolsas de valores.
Os milhões que esses jogadores ganham honesta e merecidamente são centavos diante das fortunas dos seus patrocinadores e o sistema que os cerca. Esses, nunca são alvos de nossos protestos, a não ser no aspecto político-partidário, que de nossa parte é sempre questionável: Temos, invariavelmente, uma bandeira partidária que tentamos substituir pela que está no poder.
Quanto ao mais, não conheço nada, além da educação formal, que seja mais educativo do que o esporte. O esporte educa bem mais do que a própria arte, se compararmos o exemplo pessoal obrigatório do esportista com o do artista. O artista, por exemplo, se for sedentário, fumante, promíscuo, viciado em droga ou álcool, continuará artista. O atleta, não. Se ele quiser ser e permanecer atleta, não poderá jamais, ser um exemplo negativo em nenhum destes aspectos. E uma criança ou um adolescente, quando imita uma pessoa que admira, o faz na sua totalidade.
Quem está com o dinheiro do professor na sua conta pessoal não é o jogador de futebol. É o político corrupto deste país, em especial, que desconhece os políticos honestos. Quem nos rouba todos os dias não é o Neymar nem o Thiago Silva. Também não é o jogador de futebol que decide as alíquotas de impostos. Ele pode estar dentro deste sistema, como todos nós que compramos, vendemos e vivemos, mas não é ele quem decide.
Nós, educadores, merecemos ser muito mais valorizados; ter salários muito melhores; ter condições muito mais humanas, dignas e honestas de trabalho, mas nosso grito de basta e de protesto tem que ser por nós. Não contra o outro. Temos que lutar pelo que é nosso, sabedores de que esse tesouro é usurpado pelo poder público e pelos poderes econômicos que mandam neste pais e estão muito acima dos jogadores de futebol. Quero ter mais, sem desejar que nenhum deles tenha menos, pois isto seria possível se os poderes constituídos não estivessem inchados de corrupção e os grandes grupos econômicos não estivessem fechados com os tais poderes.
Porém, se mesmo assim queremos protestar contra os esportes, que tal se fôssemos menos elitistas e voltássemos nossos protestos contra a fórmula 1, o golfe e outros esportes de ricos que sempre foram ricos e cujas riquezas não sabemos de onde vieram?
PONTO FRANCO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Contenha, de vez em quando, seu brio materno ou paterno, e tente ouvir as palavras que o seu filho não diz entre aquelas que soam, mas você despreza. Faz isso, porque a regra infeliz do poder maior que o afeto é sua reza tirana de quem manda e manda.
Pelo menos uma vez na vida, escute o choro espremido e amedrontado sob o pranto exposto em traços bem expressivos, mas cuja expressão nunca teve a leitura de sua preguiça. Quiçá o seu temor de se descobrir no mesmo patamar de quem seus olhos nunca viram de frente, pois o coração sempre fugiu do ponto franco em que pode morar o ponto fraco.
Deixe um pouco de lado essa praticidade gelada e cruel que revela um limbo de certezas ditadas. Um tribunal desumano de verdades forjadas pela distância estabelecida entre você e quem deveria ser bem mais próximo, exatamente porque veio de você.
Esse jogo de achar forçosamente que filho não tem voz audível, pode se reverter contra sua carência futura de gritar. Infelizmente, seu filho há de aprender, com seu exemplo, que pai ou mãe também não tem voz. Nem tem vez. Tudo será contra seu dom de matar o brilho do rosto, as expectativas e admirações de quem nunca foi quem deveria ter sido.
Preste bem atenção na faixa etária do mundo. Já estamos no século em que pai e mãe não são deuses... são seres humanos... tão humanos quanto seus filhos, que já sabem disso, mas podem não querer saber, se um dia resolverem virar o jogo.
MENTALIDADE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Nunca tive um mentor. Nem na mais tenra idade, quando somos suscetíveis aos comandos de quem admiramos. Em toda minha vida sempre admirei pessoas, tive meus ícones, mas não fui um fantoche dos caprichos de quem quer ter alguém para incutir seus conceitos, preconceitos e complexos dourados de virtudes.
Mentores dominam, vigiam, fazem aparas intermináveis e decidem a quem podemos admirar; quem pode ser nosso amigo e quem deve ser desafeto. Nosso gosto apurado é aquele que "bate" com os seus, e teremos constantemente que optar entre eles e alguém que os incomode com algum sinal de vida mais inteligente. Isso ocorre porque os mentores sabem que seus soldados podem se tornar livres, ampliar seus horizontes e as relações humanas, ou se debandar para os campos de outros mentores.
Sempre tive amigos. E nunca tive preguiça de ser quem sou sem as escoras dos donos da verdade ou dos pontos de vista. Como nunca fui, jamais me aceitei mentor nem mestre de quem quer que seja. Prefiro ser um amigo. Dar uma dica e deixar à vontade. Apontar um caminho, se solicitado, mas deixar explícito que existem outros, e quem sabe, um melhor. Opinar, sabendo e fazendo saber que a minha opinião é humana, mesmo que técnica; e por isso, passível de falha.
Quem é meu amigo pode ser amigo do meu inimigo. Quem me admira pode admirar a quem deprecio, a quem me faz concorrência e talvez ameace o meu destaque. Se alguém me tem em alta conta, não me aproveito para engaiolá-lo e ter seu canto só para mim, seja por admiração, temor de que um dia me supere, fique livre ou caia nas garras de outro dominador de notoriedades.
Não; não tenho... nunca tive mentor... tenho mente.
O AMOR COMO PRINCÍPIO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando quero ou não que a Júlia faça algo, jamais aponto para os efeitos futuros de sua possível desobediência. Ela sabe que se não me "obedecer" não levará uma surra, não será destratada, castigada nem deixará de ganhar o presente ou passeio prometido. Sabe apenas que ficarei decepcionado, não como forma ou estratégia de represália, mas naturalmente. Sabe ainda, que a desobediência de um filho é algo muito grave, não importa o que acontecerá ou não depois. Tive a graça de bem cedo conseguir fazê-la entender a dimensão negativa desse ato, às vezes me usando como exemplo negativo. De positivo, apenas o drama de consciência que os erros me causaram, quando fui meu próprio acusador.
Faz bem pouco tempo conversei demoradamente com minha filha, para me redimir do erro de lhe ter permitido, em nome do sossego, o que muitos chamam de uma pequena mentira. Tive a chance de lhe dizer que a mentira nem sempre tem "pernas curtas". Muitas vezes ela tem asas e ninguém as alcança nem descobre, de forma que o mentiroso fica impune para sempre. No entanto, mentir é grave. É traição. Não devemos fazê-lo, porque com isso, fazemos os outros sofrerem. Desrespeitamos o próximo. É em nome do próximo, das pessoas que amamos e outras que nos rodeiam, que não devemos mentir, ofender, bater, roubar, matar. Nada de "Deus tá vendo"; "a polícia pega"; "o castigo vem". Sei muito bem em que mundo nós vivemos, e a Júlia já começou a entender que muitos mentirosos se dão bem, dentro do contexto negativo e vulgar de se dar bem. Os políticos são um exemplo clássico dessa verdade. Ela já percebe, de alguma forma, que muitos seres humanos roubam, matam, prejudicam, não pagam o que devem, praticam toda sorte de abusos e seguem livres, impunes, fisicamente saudáveis e queridos na sociedade. Sendo assim, não é por causa do "troco" presente ou futuro que ela deve ser uma pessoa direita e honesta, e sim, porque isso é certo, porque o ser humano deve ser assim para que o mundo seja melhor. Para que a felicidade seja possível.
Sempre de forma simples e leve para seu entendimento, também digo a minha filha que ela deve ser solidária, fazer o bem, perdoar, pedir perdão, mas nunca pensando em recompensa. Já a fiz entender que nem sempre ou quase nunca os outros serão solidários com ela. Nem sempre ou quase nunca ela terá o reconhecimento pelo que fez, proporcionou ou deu. Muitas vezes perdoará e será de novo magoada, como tantas vezes pedirá sinceramente perdão e não terá. Mesmo assim, esses preceitos devem ser seguidos e observados, não levando em conta o que virá do outro lado. Nossa parte há de ser feita sem nenhuma cobrança da outra parte. Aprender a ser uma "boa pessoa" para que o mundo seja bom com ela, é aprender a ser hipócrita. Dar com a mão direita de forma que a esquerda veja. Fazer filantropia para que a sociedade admire. Promover a paz para, quem sabe, ganhar o Prêmio Nobel, e não porque entende que a paz é essencial para a humanidade.
Quero que a Júlia seja melhor do que eu. Bem melhor. Tenha virtudes que nunca tive, mas hoje tento ensinar enquanto aprendo. Não quero contar de novo com a sorte que me coroou, de ver a Nathalia, minha primogênita se tornar a grande pessoa que é, sem grandes méritos meus. Mesmo não contando com a experiência, os conhecimentos e as visões de mundo e vida que ora tenho, adquiridos com grande sofrimento. E boa parte desse grande sofrimento é outro item dispensável na vida de qualquer pessoa, se houver quem possa orientá-la sobre como amadurecer feliz. Amadurecer no pé. Ser pessoa íntegra não por medo, opressão, hipocrisia, interesse, troca ou egoísmo, e sim, por amor. Amor ao próximo e a si mesmo como extensão do próximo, tendo sempre a consciência como promotora de acusação dos erros.
RENASCENÇA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando tudo pesava nos ombros cansados,
veio a luz emergente; a reflor no sertão;
de repente o passado se uniu aos passados,
revestiu minhas vistas de nova visão...
Era como nascer numa outra versão,
pra voar outra vez, montar sonhos alados,
mesmo assim ter os pés na firmeza do chão
e poder desatar os meus passos guardados...
Tanto não pra que o tempo me dissesse sim,
me salvasse do poço quando já bem fundo;
retirasse da alma os espinhos de abrolhos...
Quando a vida lhe deu de presente pra mim,
descobri a magia da vida e do mundo;
foi o fim do meu fim; renasci nos teus olhos...
SAUDADE PERDIDA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando amei quem pensava que tu eras,
fui feliz pela minha ingenuidade;
tive a doce verdade sonhadora
que pertence aos romances naturais...
Ao amar uma farsa fiz meu mito;
uma história que sempre quis viver;
pude ser um amante legendário
na medida ideal da fantasia...
Pelas águas de minha ficção,
fui bem fundo e pesquei as emoções
que me deram razão de prosseguir...
A pessoa que amei em quem não és,
já não pousa na tua identidade;
não encontro saudade pra sentir...
IRMÃOS; UMA SOCIEDADE FANTÁSTICA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Do que mais gosto quando estou entre meus irmãos, é a certeza de estar entre irmãos. Não há entre nós formalidade ou melindre; temor de nos magoarmos por palavra mal posta ou resposta negativa. Nenhuma ideia, por mais longínqua ou dispersa, da hierarquia de muitos clãs que têm os mais distintos conforme a idade, o grau de instrução, a condição econômica e outros itens. A qualquer instante, um dos nove pode gerar um mal entendido, fazer algo irresponsável na opinião dos outros e provocar uma confusão homérica; um bate boca daqueles. Porém, no dia seguinte não haverá mais mágoa; vítima nem algoz; inocente ou culpado. Distância; silêncio; cerimônia.
As nossas conversas nunca se tornam discursos de alguns, palestras ou aulas de outros, lições de sabedoria ou moral de um de nós. Cada qual tem seu jeito, e nem por isso elegemos protagonistas; antagonistas; coadjuvantes; pontas. Todos portam defeitos e qualidades devidamente assumidos, e nossa mãe nos ensinou a jamais classificar a família por méritos, porque mérito é volátil. Se hoje tenho a razão, no dia seguinte a perderei para outro. E se a família vira uma sociedade comum, gueto e nata mudarão de lado a todo instante, o que há de gerar conflitos profundos; guerras ideológicas sem trégua; preconceitos incorrigíveis.
Entre irmãos não há retórica. Regras parlamentares; reivindicações formais. Evocações de leis, direitos, deveres. Irmãos que se amam não são cidadãos entre si. São irmãos. E assim como volta e meia um se excede, quebra o ritmo, apronta poucas e boas e frustra todas as expectativas, tem até o que faz isso com mais frequência. Mas nesse meio não há fiscais. Apontadores. Árbitros nem juízes para julgar e dar veredito. Todos perdoam, mesmo com xingamentos, protestos e juras de que foi a última vez... mas a última vez é infinita, pois irmãos não têm parâmetros, vantagens ou desvantagens. Brio nem vergonha.
Falo apenas dos irmãos que se amam. Não daqueles que se aceitam nos limites da conformidade. Da organização hierárquica e burocrática. Da comunhão de ideias, ideais, visões de vida, sociedade ou credo. Nem dos que se gostam, respeitam e até se unem por acordos e obediências de ocasiões. Se amo tanto estar com os meus irmãos, é porque o nosso amor se reconhece maior do que todas essas besteiras que fazem da família uma vitrine vistosa, porém desnecessária, enganosa e frágil... e porque decidimos, depois de muitos baques da vida, ser exatamente uma família... não propriamente um clã.
SONETO ANTIRROMÂNTICO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Quando quero esquecer nem lembro isto;
sendo assim, não preciso mais fazê-lo;
se me cabe gelar me torno gelo;
caso queiras, partir já tens meu visto...
Dar adeus não requer tamanho apelo;
é um corte que faz sangrar meu cisto;
depois passa, não vou posar de Cristo
nem querer estampar moeda e selo...
Desde agora só és quem aqui jaz;
nada parte minh´alma na partida;
teu aceno me ajusta e deixa em paz...
Tua ida bem-vinda estorna o quanto
esqueci ou deixei ficar pra trás,
e não quebra; rejunta o meu encanto...
ERRO ÍNTIMO DE CONCORDÂNCIA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Eu é túnel sem luz, quando excede o rompante;
um instante que pode nos levar à cruz;
não há eu que nos muna da força do nós,
quando nós nos impedem de chegar ao outro...
É preciso que o eu se desligue de si,
se do ato depende a salvação do ele;
se pra ti é vital; se restitui a voz
que pra vós tem a força do próprio futuro...
Lá no eu se concentram desertos do mundo;
cá no meu, bem profundo, consigo entender
como falta poder, se não saio de mim...
Acharemos a vida se unirmos os eus
em um ninho de sonhos do mundo melhor;
eu é deus que não pode caminhar sozinho...
SINHÁ MÍDIA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando a mídia descarta seus eternos,
julga próprio matar os imortais,
dá um novo conceito pros valores
e dá novos valores aos conceitos...
É que nada é pra sempre; nem o sempre;
nem o todo se abriga sob tudo;
nada é nada; só nada nessas águas
desses rios que traem seus percursos...
Todos querem limões; não seus bagaços;
até mesmo as rodelas dos mais nobres
logo fedem nos cantos; nas lixeiras...
As pessoas são números, notícias,
referências, negócios, resultados;
mídias amam seus picos de audiência...
SOBREVIDA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando o tempo sulcar a minha pele,
corroer as entranhas e a memória,
minha história verter a sua cor
e meus ossos perderem todo cálcio...
Na tardinha do mundo sobre os anos,
no momento em que a vida oxidar,
onde as perdas e os danos derem mostras
dos alqueires finais de meu caminho...
Não me deixem virar um Frankenstein,
pelos cortes, costuras, agonias
por uns dias de vida como esmola...
Quero ser um pardal que pousa e dorme
ou a folha que seca sem alarde;
uma tarde chuvosa que anoitece...
COLCHA DE RETALHOS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Nascerei outra vez, e dessa feita,
quando passo do meio da jornada,
minha idade serena já se vê
sobre o nada; num lento voo livre...
Tenho medo, mas tudo mostra o fim
que me assalta, me pega pelo meio,
porque veio disposto a me acordar;
quer meu sim; não aceita meu talvez...
Redesenho a jornada, volto ao chão,
me replanto e não sei como será;
quem serei; que será do que já sou...
Foram tantas as mortes, tantas vidas,
tantas idas, atalhos recomeços,
que o que sou é uma colcha de retalhos...
A CRÔNICA DO MURO
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Justo quando saio às pressas e não levo a minha câmera, o que raramente acontece, um grande motivo fotográfico assalta os meus olhos, em uma esquina distante. O que me resta é a transcrição paciente, sob os olhares curiosos de quem passa por mim.
Em um velho muro que o tempo castiga sem piedade, com os efeitos do sol, do vento e a chuva, leio a mensagem anônima que disponho a seguir: "Comunico aos familiares e amigos, que já não há mais motivo para sumiço, distanciamento e silêncio. Aqueles meus problemas foram resolvidos, não contraí novos problemas, minha saúde anda perfeita e vou bem, financeiramente. Logo, não existe mais o risco de choradeira e pedidos de socorro, empréstimo e locomoção motorizada. Apareçam; amo vocês.".
Quis fazer uma crônica sobre o assunto. No entanto, seria chover sobre o molhado. A crônica está na própria mensagem, sem necessidade alguma de aplicações ou adornos. Para quem sabe ler o mundo e a vida, cada momento já é uma crônica.
AOS QUE APEDREJAM EM NOME DE DEUS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
No passado, quando a igreja católica instaurou a inquisição, ela não o fez por ser a igreja católica, e sim, por estar no poder, ser absoluta e composta por seres humanos. O ser humano é assim: faz do poder que tem em mãos uma arma de opressão ao próximo, visando a manutenção da própria supremacia e o domínio de seus conceitos, pensamentos, ideias e filosofias. Quem comunga é amigo; aliado; parceiro; irmão. Quem não o faz, é inimigo; representa o perigo iminente; tem que ser extirpado e virar exemplo para que mais ninguém discorde.
Qualquer denominação religiosa que tivesse o mesmo poder político e o domínio absoluto, naqueles tempos de ignorância também absoluta ou quase, faria igual. Dominaria pelo medo, a força, o castigo, a tortura e a morte. E para justificar as atrocidades, faria tudo em nome de Deus e com a fantasia do combate ao diabo. Às forças do mal. Com tais artifícios a igreja, católica ou não, sempre teve nações ao seu lado; multidões enfurecidas dispostas a tudo para defender a santidade ostensiva e truculenta de suas greis.
Hoje, pelo menos no Brasil, vemos a tentativa do retorno à inquisição, pelos evangélicos fanáticos. E quem são os evangélicos fanáticos? Não há como classificar por denominação, pois são muitas as denominações evangélicas, e corremos o risco de ser injustos, mas pode-se dizer que se trata de um grupo cada vez maior. Que avança vertiginosamente.
Nesse passo, existe o risco de tal grupo crescer tanto, a ponto de alcançar a supremacia, o poder absoluto, via trâmites políticos. Afinal, sabemos que a política vai onde a multidão está. O poder público, para sua manutenção, sempre se deixará dobrar pelos que representam mais votos; mais poder. E os religiosos que visam a supremacia dispensam escrúpulos, esquecem a ética e não medem atos nem esforços para conseguirem dominar... e a cada dia,esses grupos têm mais líderes e fiéis enfiados nos palácios dos poderes, com o único fim de se fortalecerem corporativamente.
Apedrejar umbandistas nas ruas já é inquisição. Tanto quanto ofender, segregar, fazer piadas, prejudicar... e quando os líderes religiosos martelam incessantemente nos templos, que os umbandistas são do diabo; que as testemunhas de Jeová, os budistas, espíritas e outros mais também são do diabo, incitam a intolerância; o ódio; a ignorância que gera tudo contra o que toda religião deveria pregar. E pregaria, se fizesse o certo. Se não distorcesse os ensinamentos originais.
Aonde andam os seres humanos de boa vontade? Sem eles, cadê a paz que deveria estar na terra? Quem ensinou a jogar pedra no próximo? Cristo? Buda? Kardec? Maomé? Deus? Quem? Religiões ou seitas (para mim não há diferença, senão pelo preconceito) deveriam ensinar amor, compreensão, respeito às diferenças e ao arbítrio, que é livre; não pode ser forçado por pedras, xingamentos, intimidação.
Não me sinto em um país com liberdade de culto. De religião. Muito menos com liberdade para não ter religião, como é meu caso. Às vezes, de alguma forma, também me sinto apedrejado por muitos religiosos; entre os quais, alguns amigos e familiares. Tomara que nunca seja também, de fato, apedrejado, e torço para que as pessoas hoje apedrejadas por causa de suas crenças ou orientações de fé deixem de sê-lo.
Vejam quanta ironia: um não religioso pedindo paz aos religiosos. Um "perdido" pedindo aos "salvos" que amem o próximo. Um homem "sem Deus no coração" pregando a união, o bem viver e a comunhão humana, esperançoso de que os "ungidos" se conscientizem dessa necessidade.
Precisava dizer tudo isto. Que me perdoem os que se julgam ou são de fato melhores do que eu... e se não for possível, que alguém me atire a última pedra... só assim não restará mais nenhuma para ser atirada, inclusive, nesse alguém.
VESTIDO DE SORTE
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando a vi com aquele vestido simplório, sem nenhum detalhe atraente, mal consegui acreditar que o comprara, depois de nos encontrarmos casualmente na lojinha de um shopping center. Ela estava em dúvida sobre comprar aquele vestido e outro que, segundo minha opinião, fazia muito mais justiça a sua beleza. Não foi cantada. Somente a minha opinião.
Pois ao vê-la sob o traje que deplorei, e que para mim era mais ultraje do que traje, meu susto não poderia ser menor: jamais pensei que uma peça de vestuário tão sem beleza, brilho e graça pudesse ganhar tanta luz, magia e deslumbramento ao simplesmente pousar, sem nenhum retoque ou reparo, no corpo de uma mulher... e que mulher...
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