Coleção pessoal de Eliot

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⁠Sem Retorno -

Foi na rua dos teus braços
junto à porta da capela
que fiquei apaixonado;
pois do alto da janela
teu olhar imaculado
era a estrela da viela.

Dar-te um beijo quem me dera
delicado como a flor
no teu rosto sem idade;
mas quem espera, desespera
que a saudade e o amor
andam juntos na verdade.

Meu amor é fria a vida
como as dores que se estendem
desde a noite à madrugada;
e os teus olhos, minha querida
não me vêem nem entendem
nesta voz amargurada.

E ainda, creio, agora,
que a ternura nos renega
mas o amor não tem idade;
quem não espera vai embora
vai embora e desespera
no silencio da saudade.

⁠Saudade e Desamor -

A saudade vem de longe
como vem a solidão
vem à pressa, vem a monte
no pulsar de um coração.

A saudade é coisa rara
é vazio em pedra fria
é um berço que m'embala
nesta dor em triste dia.

Traz saudade o teu amor
traz silêncio o teu olhar
da saudade ao desamor
é traçado o meu penar.

Não me esqueço da saudade
por não ter saudade tua
já não tenho liberdade
que a saudade continua.

⁠Confissão -

Ó pobre vida vivida
sempre à margem do amor
sei que te sentes perdida
ao veres-te assim envolvida
na solidão e na dor.

Não chores vida vivida
porque a esperança não morreu
não és folha caída
não és vida vencida
dá-lhe o que Ela não te deu.

Até um forte vendaval
ou tempestade no mar
são destino, são sinal
de que a vida bem ou mal
tem um dia que acabar.

Numa estrada sem destino
com destino ao coração
num silêncio que encaminho
tantas vezes em desalinho
só encontro a solidão.

Alguém disse sobre mim:

" - RIcardo, tu nasceste depois do teu tempo! És de uma época passada e caíste aqui , neste mundo, onde ninguém te entende ...

⁠Na Rota do Vazio -

Trago num pensar feito de nadas
memórias que um dia serão morte
não lamento se as horas estão contadas
não sinto do meu corpo as passadas
passam breves, não é que isso me importe
afinal, minhas asas estão quebradas!

Já não tenho as asas que antes tive
no meu dorso as sinto consumindo
regresso a cada sitio onde estive
àqueles onde a morte fui vestindo
nada lá encontro, nada vive
tudo a cada dia vai fugindo!

Já não tenho esse regaço onde dormi
já não sinto o teu olhar profundo
já não sei daquela vida que vivi
daqueles versos que outrora te escrevi
da vontade de ser dono do mundo
quando afinal vivia só p'ra ti!

⁠Quando a Cruz foi Erguida -

Quando a cruz, ao alto, foi erguida,
e nela, suspenso, Jesus Cristo,
no Céu, um trovão, rasgou a vida,
nunca, nada assim, se tinha visto.

Havia tanta dor junto a Jesus ...
Sua mãe, vestia luto e solidão,
pois ao alto, seu filho, numa cruz,
como um triste condenado, sem razão.

E na tristeza de tão perdido olhar,
trazia sete dores numa mão,
e no peito, sete espadas a brilhar.

Quando, pelo Céu, o trovão soou,
as espadas, no seu peito, eu vi entrar,
eis quando nessa cruz - Jesus - expirou!

Bem - aventurados aqueles que, tendo medo, vão em frente, porque deles será, a coragem, a vontade é a força de viver!

⁠4 Letras -

Quatro letras me recordam o amor
embaladas no meu corpo de paixão
quatro pétalas caídas tem a flor
esperando ter ainda uma afeição.

Quatro dores se me dão à despedida
quatro zangas me separam desse amor
quatro mastros nos são dados pela vida
tantos sonhos numa barca além da dor.

Quatro Povos nos deram solidão
quando a vida amanheceu e começou
quatro vozes nos sangraram o coração
mal o fado p'las vielas se espalhou.

São quatro esses lamentos qu'inda canto
pelas noites que me abraçam ao serão
são quatro as minhas culpas que levanto
na tristeza dos meus versos d'ilusão.

A propósito de estar todo vestido de preto nas cerimónias religiosas da Sexta-feira da Paixão, alguém me disse:

" - Ricardo, realmente, a Morte, cai-lhe muito bem!

⁠Eu tenho um Fado -

Eu tenho um fado na mão
tua culpa, meu pecado
mas não te peço perdão
por me dar assim ao fado.
Eu tenho um fado na mão
tua culpa, meu pecado.

Eu tenho um fado na voz
que se amarra no teu Seio
agora estamos mais sós
amor que foi e não veio.
Eu tenho um fado na voz
que se amarra no teu Seio.

Eu tenho um fado no peito
que só canto por te amar
meu corpo, ferido, no leito
'inda espera o teu olhar.
Eu tenho um fado no peito
que só canto por te amar.

Eu tenho um fado na Alma
que é dolencia e solidão
um fado que não me acalma
e que me rasga o coração.
Eu tenho um fado na Alma
que é dolencia e solidão.

⁠Súplica Vã -

Quem me dera dormir e não acordar mais
nessas horas em que o sono me trespassa
quem me dera ser a causa dos teus ais
nessas noites, em que só, tu não me abraças.

Se tu soubesses meu amor, ai se tu soubesses
quanto espero ver ainda o teu olhar
não ias pela vida como quem esquece
que um dia nos amámos sem esperar.

Se eu pudesse meu amor, ai se eu pudesse
se eu pudesse ser um pranto em tua voz
chorava a noite que me dói e arrefece
quando longe o teu olhar me deixa só.

Se tu pudesses tocar o meu lamento
que se veste de loucura e solidão
este luto que me pesa, meu tormento
teria a cor das aves, brancas, ao serão.

⁠Fúria Lavrada -

Há dias que desejamos estar mortos!
Há noites em que choramos em vão!
Dizem que vivemos nos corpos ...
Mas da vida só vejo podridão.

Há horas que somos vermes sem casa!
Há segundos que sufocamos um grito!
Dizem que a vida não está gasta ...
É mentira! Eu não acredito.

Há gente qu'inda pensa em ser feliz!
Há outras que só estancam o sangue!
Sabem aquilo que a vida não diz ...
Vê-se nos olhos, seu rosto, exangue.

Há viúvas que choram seus mortos!
Há filhos que odeiam seus pais!
Há pais que sepultam seus corpos ...
Dão à terra, seus filhos, como animais.

Há dias em que o pranto seca na face!
Há noites que se ouve uma voz impiedosa!
Acredita-se em Deus como se isso bastasse...
Mas tudo termina em morte vagarosa.

Três coisas na vida jamais me tirarão:

Meus versos
Deus
E a mim de mim

De tudo o resto me podem despojar!
É indiferente ...

⁠Pão -

Há tantos barcos ancorados
no cais de uma paixão
tantos olhos rejeitados
na raiz de um coração.

Há tantos corpos mutilados
que procuram salvação
tantos Homens aninhados
em lençóis de solidão.

Há tantos olhos enganados
sem porquê nem razão
vivem dias parados
trazem mágoas na mão.

Há tantos gestos de culpados
que se culpam sem razão
na verdade há muitos lados
p'ra quem precisa de pão.

⁠Um Tempo -

E o Tempo pára-me por dentro!
E o Tempo pára-me por fora!

E há em mim um Tempo cadente,
há em mim um Tempo Passado,
sem vida nem encanto
de mim esquecido, perdido, calado!

E o Tempo finge não ser Tempo!
E o Tempo deseja não ser Tempo!

E há por mim alguém que grita,
há alguém na minha cama,
um lamento que se alinha, que se agita,
conforme agita a voz de quem me chama!

⁠Partes quando Chego -

A noite vem descendo, em mim, desce o Passado,
estás longe meu amor e eu não adormeço
e passo pelas gentes como um triste condenado
à procura dos teus olhos que eu nunca me esqueço.

Na mão levo a saudade, a noite me encontrou,
a minh'Alma de sonhar anda perdida e calada,
procuro à Luz do Céu por cada estrela que brilhou,
teus olhos, meu amor, rompendo aquela estrada.

Lisboa é o meu fado, às vezes tão cansado,
estás longe quando parto e partes quando chego,
destino que este fado, em nós, já está marcado,
amor fica a meu lado, és tu o meu sossego.

⁠Fragilidades -

Quando não temos um sentido
para a vida que vivemos
como um barco em vão perdido
não sabemos o que queremos!

Há vazio, há dor e espanto,
algo falta ao destino
e há em nós um desencanto
que deixa lastro no caminho!

Mas o mundo não entende
que de normal só temos corpos
e que a morte nos pretende
no desejo de estar mortos!

Quando os olhos só nos fixam,
p'ra dizer, tu és errante,
porque teimam e nos miram
deixem ir o caminhante!

De normal não temos nada
só as cordas deste mundo
que nos prendem numa casa
ao silencio em que me afundo!

Mas às vezes não entendo,
porque dou tal importância,
a quem, me vê - nunca me vendo,
fala em mim com arrogância!

E não me lembro de viver
embora o dia esteja claro
porque o desejo de morrer
é mais forte do que raro!

E não consigo acreditar
que chegue um dia a entender
o que quero encontrar
p'ra deixar de querer morrer!

A morte é fuga do cobarde
a vida é força do audaz
mas antes quero, sem alarde,
poder sentar-me com a paz!

Sou mais frágil do que pensam
eis meu sopro de evidência
e só quero que não esqueçam
que da vida fui ausência!

⁠Romeiro -


"Lembra-te que és pó
que ao pó hás-de tornar!"
Nasce, vive e morre só
quem na vida não amar ...

Lembra-te que és vida
que à vida vais voltar
nunca houve uma partida
sem haver que regressar ...

Lembra-te que és sombra
num passar que não desvia
não te esqueças que ela tomba
mal do céu desponte o dia ...

Lembra-te que és morte
que à morte vais voltar
outra vida, nova sorte,
temos sempre que tornar ...

Lembra-te que és destino
ó Romeiro inconstante
e ao passar pelo caminho
leva Deus a cada instante ...

Lembra-te que és grito
um silêncio bem maior
pois a roupa que te hei visto
são retalhos de uma dor ...

Lembra-te que és Alma
e que a Alma nunca corre
nesta vida encontra calma
porque a Alma nunca morre ...

⁠ERVA DA FOME -

Sou Erva da Fome
que nasce da terra
da solidão que nos come
à morte que enterra!

Sou Erva da Fome
não sou Erva ruim
na esperança que dorme
tão perto de mim!

Sou Erva da Fome
que nasce e persiste
na dor que consome
faz de mim um ser triste!

Sou Erva da Fome
correndo vales e montes
e afogo o meu Nome
no silêncio das Fontes!

⁠Quando Eu Nasci -

Quando eu nasci
houve silêncio!
E o silêncio fez do campo
terra brava...
Houve calma e quietude.
E o Céu era de pedra.
Os regatos carmesim.
Os rios eram desejos.
Os mares eram finitos
e o eterno era miragem.

Quando eu nasci
voaram andorinhas.
Agitaram-se agonias.
Levantaram-se Poetas.
De poemas se vestiram.
De alegrias se fizeram,
mas tristes,
desejavam não viver.

Quando eu nasci
gritaram solidões.
Procuravam um olhar
onde pudessem descansar.
E sete punhos, sete dores,
sete espadas trespassaram
corações...
Mas eu nasci!!!
Entre poetas e pintores.
Alegrias e cansaços.

E minha mãe, ai minha mãe,
que me adormeceu
no silêncio dos seus braços!
Quem bom lembrar...
Volvido tanto tempo
que alegria recordar!