Poesia Completa e Prosa
REINAÇÃO
Enquanto o fole folheava a folia
o fado era sapateado pelos pés
a dança, demarcava n'aquele dia
o pulsar do coração em aranzel.
Musica, voava como asas no salão
flutuando, elevando o sentimento
era sola solada, pulsando coração
Era corpo trepidando o momento.
Enquanto o fole folheava o fado
a noite tremia e se fazia criança
para vontade, tudo era agrado
a imaginação, bolia a esperança.
O ritmo requebrava os lados
o peito seco arfava uma canção
o fole folheava folia com o fado
o fado a folia, vagava imensidão.
Antonio Montes
UMA FLOR
Vou lhes contar uma trova
Que não precisa de prova,
Pelo respeito a uma formosa.
O nome? Digo no fim da prosa,
Pois, ela é formosa
E pra mulher amorosa.
É presente pra carinhosa
Mas, pra mulher raivosa
Essa flor é amargosa
E, nesse caso, dê a ela uma babosa.
Essa flor, no jardim, é cheirosa
No ofurô é deliciosa
Pro beijaflor é saborosa
Pra abelha é preciosa.
Atenção! Ela não é venenosa
Mas, é espinhosa
Assim, a lida deve ser cuidadosa
Porém, sua ferida não é maldosa
Mais adjetivos? Seja malicioso ou maliciosa
O nome dela? Escrevi nessa prosa
De forma tendenciosa!
Já sabes o nome dessa flor maravilhosa?
Não? Você é vagaroso ou vagarosa!
Sim? Complete a rima, pois, o nome dela é...
Amar
Quando um certo alguém desperta um sentimento,
penumbra, alarde, incerto momento.
Sem fuga, não ter pra onde ir,
tentar desvanecer, não conseguir fugir.
Ao longe perto se está, engana-se ao tentar enganar
Coração vicioso, confuso dispara.
Logo eu que sempre andei ao rumo de muitas veredas,
trocando o sossego de meu lar pelas ventanias da doce vagabundagem
sem saber se estava fugindo de algo, ou procurando por você.
Culpa
Afinal, o que acontece
Não me alegra, tão pouco entristece
Mas me intriga, causa insônia
É incólume porém é difícil,
Pois escolher é decidir
Estar livre de mim mesmo
E poder atribuir, desta culpa me encarnar
d’está, deixa assim mesmo como está
foi tudo minha escolha
Consequências, sim eu hei de encarar.
INTEMPÉRIE
temporal d'água
com muita chuva
encheu as luvas
de enxurrada.
Saiu arrastando
carros pelas ruas
alagou as casas
minha e sua.
Desceu asfalto
sem nem um zelo
encheu as bocas
de todos bueiro.
Temporal d'água
veio com ventos
molhou as éguas
e seu jumento.
Antonio montes
ROSA MULHER
Olhe a rosa?!
_ Mas que rosa?
_ A Rosa Maria
Mulher do vigia
Ela zanza à noite
Dorme durante o dia.
_ Mas que vigia?
_ O vigia José
Que trabalha, trabalha
E a Rosa, nem café...
Eita mulher que falha!
Outro dia ela saiu
Logo ao entardecer
Invisível ninguém viu
E ela só foi aparecer
Na aurora ao amanhecer.
Bateu o pé por ai
Desobedeceu se mandou
Depois começou a mentir
Disse que foi caçar pequi
E na verdade com outro
Ela foi fazer amor.
Saiu de carro um dia
Com um cara lá da feira
Não escolhe a quem vai
Diz que tudo é besteira...
Ontem saiu de bicicleta
De fininho por ai
Foi até a beira do rio
Em dia assim de estio
Vejam o que poderá vir.
Garra agarra ela brincou
A tarde toda com amor
Que a outro prometeu
De fininho ela voltou
Jurou para o seu senhor
E para a nossa senhora.
Valei-me meu Deus!
Leva a vida sempre assim
Nem ora e não sabe rezar
Na igreja ela não vai
Sempre zanza por ai
De cara com o satanás.
Antonio Montes
A MENINA POETISA
Mamãe eu vou ali, voltarei já, irei colher flores de maracujá... Eu posso ir mamãezinha?..
A senhora vai deixar?! _ Vá, mas volte logo filha minha não se esqueça de que você é a perola dessa família.Além do mais já é quase chegada a hora do almoço: meio dia, e depois eu não quero te ver envolvida com garotos.
_ Oh minha mãezinha!’ porque tanta ladainha assim! Eu também quero ter tempo para passar no jardim... Colher folhas de alecrim, E aqui aproveito a nossa prosa para te falar que das rosas eu colherei pétalas, para mim, e também trarei para ti pétalas de flores de todas as cores
lindas grenás como sabe, todas as rosas vermelhas esboçando os meigos amores.
_ Minha filha você também tem a lição escolar para fazer; meu sonho filha minha, e a minha paixão para quando você crescer e for uma médica sensível e cheia de mimo como você é,
e sempre será.
_ A mãezinha a senhora ainda não sabe que se estuda muito para ser médico, e assim com esse poder aquisitivo baixíssimo que nos possuímos, é claro que nunca serei uma médica.
Nessa via só sou menina pobre só sei brincar,
Brincar de boneca, pula corda ciranda, eu sei
rodar, gosto de bambolê pular sorrir e cantar
nasci para ser rainha do lar medica não serei!
Quem dera chegar lá?! Tenho estudado:
Anatomia, matemática socialismo e biologia
Para que desse modo de ser, pobre eu saia
um dia. Mas aqui, a vida é simples, sem stress
sem conta e sem processos, não tem carros
nem aglomeração os dias são meigos
e a esperança existe no coração.
A lua por aqui, a noite ainda se vê no céu
Ver também todas as estrelas... Sobre o sol,
se anda de chapéu observa-se as chuvas
as enxurradas a correr fazendo aranzel.
Ver também o vento farfalhar as folhas
O joão-de-barro revoando para lá e pra cá
fazendo a sua casinha e com a sua amada cantando a namorar, tenho visto o
tico-tico no terreiro bicando o fubá os
pássaros todos alegres a chilrear, o galo
no poleiro apresentado o seu cantar.
Mãe eu não sei se quero ser medica viver
sob quatro paredes não me agrada. Não me
agrada aprender tanto, tanto! Para depois
viver sobre tensão carregando um controlador
“bipe” e nunca mais da vida nada!’ poder degustar, sou mesmo uma pessoa simples,
admiro a saúde a paz e o amar, fico feliz
apenas com uma musica, um cantar.
Antonio Montes
A seca
Uma solitária cigarra, desesperada, chama chuva no Planalto Central. A secura invade os poros dos seres, fazendo de tudo o que tem vida, sem vida. Folhas secas despencam das árvores moribundas, caindo na terra ressequida, já sem nenhum verde, nenhum inseto. Os pássaros voaram para longe em busca do frescor que aqui não tem. O João de Barro que anuncia a chuva, foi para longe. O sol a pino despenca raios matadouros, que há muito deixaram de ser benfazejos. Saudade da chuva caindo e molhando o chão. Saudade das rosas em seu frescor matinal. Saudade de água caindo do céu, mansa, suave, fresquinha.
Ah! Meu chão! Meu torpor!
Meu Ernesto Azul...
Voltava eu daquelas paragens de Pirapora, dirigindo meu possante Gordini Delfini, carinhosamente tratado por Ernesto, já de cor não muito definida, trazia uns leves amassados em ambas as portas, umas ferrugens no piso, faltava-lhe o retrovisor esquerdo e o para-choque traseiro... nada demais!
Mas aquele Gordini era meu xodó, até carreto o “bravo Ernesto” fazia: meio metro de brita ou de areia pra ele não era nada. Só não se dava bem com subidas, em compensação, nas descidas, ninguém e nem nada o segurava. Um detalhe que não podia de esquecer, no momento de passar a marcha, tinha de ir da primeira pra terceira... em algum momento ou lugar, ele perdeu a segunda marcha, porém, uma certeza eu tinha: um dia, mesmo que não parecesse, sua já havia sido cor foi azul, mas, não um azul qualquer, um de respeito, admirável e solenemente azul. Bem, mas isso se deu em tempos que eu ainda não havia vindo ao mundo.
Dona Orsina, mãe de “Zé Goiaba”, me encomendou um carreto: levar 14 frangos até o sítio de João da Grelha. Em troca de “dois dedos” de pinga, Juvenal aceitou a incumbência de me ajudar nessa empreitada, mas, não deu muito certo, numa curva de chão batido, entre a porteira da Fazenda Craviola e a ponte do Manguezal, meu amigo Ernesto foi, literalmente, atropelado por um boi. Mas, não um boi qualquer! Foi um desses de grande porte, de passos firmes, grandes orelhas caídas, negro focinho, peitoral extenso, parecia ter sido “construído” de concreto e músculos, coberto por uma pele negra, com algumas manchas brancas e outras, em leves tons marrons, reluzentes. Estava selado o destino de Ernesto: faleceu ali, naquela curva e o boi, seguiu em frente... sequer olhou pra trás. Seguiu seu caminho, me deixando apenas com o que sobrou de meu companheiro, dores pelo corpo e vendo os frangos entrando no manguezal.
Pensei até em fazer o velório e o enterro de Ernesto, mas o Padre Policarpo me aconselhou a não fazer, segundo palavras dele, “seria uma sandice”, na hora, entendi sanduiche, e rebati: “Não sô padre, vô fazê é o enterramento do Ernesto, num é um lanche não”, e o Padre nem respondeu, virou as costas e saiu resmungando: “é cada uma que parecem duas...”.
Voltando àquela curva, onde jazia Ernesto, me deparei com Bento Carroceiro e, entre uma prosa e outra, contei a ele de meu luto e que não ia conseguir enterrar Ernesto. Foi quando Bento me disse: “mas ocê é bobo demais, sô! Hoje, ninguém enterra mais ninguém não, só toca fogo e pronto. Depois, pega as cinzas e joga no rio. Isso é que é coisa chique”.
Pensei, matutei e decidi seguir o conselho de Bento. Toquei fogo em Ernesto ali mesmo e fiquei olhando ele queimar. Chorei muito, doeu fazer aquilo, mas o que mais me intrigou foi o caminhão de feno de Tião Matadô passar ali exatamente na hora que Ernesto queimava. Senti cheiro de mato queimando e, logo que olhei pro fim da curva, vi que o feno que o caminhão de Tião Matadô levava, queimava e a chama já subia pra mais de 10 metros...
Do amor espero muito e tanto
Do ardor espero o mesmo e parto.
Da ida espero o mesmo encanto,
Na volta espero o mesmo afago.
Do olhar espero o seu encontro,
Do riso espero o seu retrato.
Das mãos espero o mesmo toque,
Da boca espero o embaraço.
Nascido da mesma vontade,
Que bate e não se aguenta
Que invade o mesmo peito e parte
O embate que na vida aumenta.
Espere, ó bem, o meu resgate
Ao sol que luz da vida trás,
O amor se torna um desastre
Se não são dois corações iguais.
A maturidade não é gratuita. Não me sujeito a modas ou cânones que considero inapropriados. Sou dona de mim e da minha vida.
Há que desvencilhar-se dos ditames externos ao nosso ser.
Não seria justo ultrapassar o tempo a nós destinado sem alguma, ainda que mínima, contribuição para nosso próprio aperfeiçoamento e, com alguma sorte e total desapego, estendê-la ao próximo.
Sobre o tempo...
"Constantemente... me vejo lembrando da minha infância. O mais engraçado de tudo é que... mesmo quando eu era ainda criança, tinha consciência a respeito do tempo, sabia que era uma fase e não queria que ela morresse, jamais.
Eu procurava fotografar, com os meus olhos, cada instante, com uma riqueza imensa de detalhes, para depois, no futuro... me lembrar dos bons momentos. E assim foi... eu não queria aceitar a morte da infância e o nascimento da adolescência... depois não queria aceitar a morte da adolescência... para ingressar na vida adulta.
Por quê? Eu não sei... mas esta sensação ainda me acompanha. Aceitar a morte dos eventos, ainda que sejam incompletos, ciclos que não foram fechados de forma clara, coisas mal resolvidas... "
Infância sinistra nos anos 80
"Nossas brincadeiras eram tão “surreais”. Era uma diversão imensa comer pão com ovo frito, tomar café com leite... e depois, ir queimar papel higiênico no quintal da casa... nós ficávamos tão felizes por viver isso. Era uma emoção imensa, colocar os papéis sujos para queimar... enquanto a fumaça nos cercava, parecia nos provocar um verdadeiro transe espiritual haha. Aqueles tatuzinhos que vemos no chão... muitas vezes, fazíamos “corrida” entre eles... o tatuzinho que chegasse primeiro num lugar específico... ganhava a corrida. Tal lugar específico poderia ser perto de uma pedrinha ou de um papelzinho. Caçar vagalumes era um passatempo e tanto também. Prendíamos o bichinho dentro de um vidro, coitado. Era uma espécie de competição, para ver quem conseguia “caçar” mais vagalumes. "
A Lição maior vem dos pequenos
Há uma energia diferente quando o nosso "fazer" é motivado pelo sincero desejo de colaborar e ajudar o outro, o grupo, a coletividade.
Quando nos percebemos, como parte essencial, de algo maior que nossos próprios interesses, a vida ganha novo sentido.
Não mais o meu time, minha religião, meu ponto de vista, acima de todos os outros, mas, o interesse do outro.
Qual o seu endereço, meu irmão?
Onde está doendo?
Como eu posso ser leal e aprender com você?
Debaixo de uma árvore, em um belo dia de sol, todos podemos nos sentar, estender a toalha e partilhar alimentos, de paladares diversos.
A fraternidade dos homens ainda é um ideal a ser alcançado, mas podemos insistir com tal aprendizado.
Tenho observado as formigas, como elas fazem, como são pequenas, mas o quanto de ordem e harmonia há no formigueiro. De como são fortes, estando unidas.
Tenho observado a ordem na casa das abelhas, como fazem o que fazem!
Curvo-me diante desses animaizinhos, a descobrir que temos a mesma importância!
Gratidão às formiguinhas e às abelhas, mestras amadas, por suas lições de convivência, ordem e harmonia.
Que haja um acréscimo de Compaixão em meu olhar, quiçá, talvez ... de humildade, posto que ainda não atingimos tamanha perfeição na comunidade dos homens!
Eni Gonçalves
Sentir o silêncio significa ouvir um pranto sentido, mas não derramado, de um escritor que foi morto pelas palavras falseadas.
O levar dos minutos arrasta a realidade e ao atravessar o silêncio de uma ponte de névoa eu me transformei em neblina.
O vazio diz para a esperança desistir porque nada tem sentido. A esperança afirma que ela é palavra e concreto, indestrutível e incorruptível.
Vida e morte se encontram no mesmo instante e o que é eterno morre e renasce no mesmo insight das palavras não ditas, mas sonhadas.
Existidor – mistura de existir e dor.
Exemplo: Ela existidou até o último instante.
A alma é para o tempo assim como o corpo está para morte. A alma se esvai com o tempo, assim como o corpo se esvai para a morte.
Um estado pusilânime se apossou dos convidados em coro lastimável entremeado de dor e silêncio.
No seu quarto silencioso a dor apareceu como um fantasma e ela em meio à sua solidão desértica derramou seu pranto fúnebre.
Daria voz à melancoalegria, mistura de melancolia e alegria. Seria uma alegria triste, como o sorriso da Mona Lisa.
Ser humano é dançar com as estrelas no espaço cósmico.
Um espelho antigo se recusa a refletir em protesto ao tempo que passa avassalador, levando a beleza e a juventude das almas que não têm forma e não envelhecem.
O poema é uma travessia entre a palavra e o silêncio como uma música cadenciada. A palavra diz, o silêncio reflete, a palavra se debate e sem porquê encontra um ponto final.
As palavras não sabem que têm raiz, apenas crescem para o alto ignorando que a seiva que as mantém frondosas nasceu antes de seus troncos. É o divino agindo silenciosamente. As árvores querem o céu, mas as raízes as deixam presas à terra, onde é seu habitat, o planeta azul.
Ao fechar os olhos, um pássaro não conhece limites terrenos e é capaz de atravessar um vitral concreto.
Com os olhos fechados, um pássaro pode atravessar a atmosfera sem mover suas asas.
Às vezes a ignorância salva, o pássaro com olhos fechados é capaz de ultrapassar qualquer barreira, pois desconhece limites.
Por que eu ainda resisto?
Eu resisto porque sou mais que eu. Eu sou o exemplo da vida que persiste, dos passos incontinuos. Eu sou força impetuosa e livro de resiliência para aqueles que me leem em silêncio.
Vazio é a falta, onde nada encontra abrigo, é o nada, o niilismo cego. Ausência é algo que existe, mas está ocultado, uma pausa entre o não ser e o eterno retorno.
Quando a luz deixou de entender o sol, um enorme eclipse se apresentou à Terra. Foi belo, mas fugaz, pois a luz e o sol são uma mesma polaridade, inesculpavelmente como o ar que nos faz humanos.
Se a tristeza tivesse uma geografia, ela seria uma montanha, pois não há nada tão grandioso como uma dor sincera, buscando abrigo em outros corações.
A junção de tempo e memória se traduz em um elefante idoso que chora cada morte de cada um de sua manada. Ele jamais esquece um companheiro de jornada. Sua memória é leal como a vida em suas etapas irremediáveis.
A linguagem nasceu de uma rocha, calada há séculos. De seu silêncio nasceram sinais, que viraram letras e palavras. Dentro da rocha imutável dormia uma famosa invenção, que floresceria em todo o mundo.
Quando a alma se recolhe em silêncio absoluto, o tempo fica suspenso no ar. Ele não se move, nem para frente, nem para trás. Fica inerte, pois é a alma que dá vida ao tempo. Bailam ensinando ritmo à vida.
Nos zoológicos animais aprisionados sobrevivem sem alegria. Cercados, mudados, são privados de sua vida natural. É um espetáculo lúgubre para pessoas sem consciência que admiram a tortura lenta e arrastada de seres que, com vida, já não vivem.
Ela se vestia de ausências para não ser tocada. Ela se exímia de significado para que mãos intrusas não a violassem. Ela era feita para ser apreciada, tocada apenas por olhos sensíveis.
Lembrar é trazer para o presente uma pintura renascentista. Ressuscitar é pintar a própria renascença, novamente com força original. Lembrar é uma forma vulgar de retomar imagens. Ressuscitar é recriar a realidade extinta com as cores da simbologia.
Esperançar é a mistura de esperança e esperar. Não é um neologismo estático, passivo, pois a esperança aponta para a urgência, para a solução. Esperançar é esperar no agora, no momento oportuno, em que cada palavra encontra a sua ressonância.
Uma ponte feita de palavras não ditas é o mesmo que uma ponte feita de sussurros. As palavras não ditas vibram e transportam o significado de uma parte a outra. Pontes são sempre ligação entre o afirmado respondendo o não dito.
Todo finito contém o infinito. O infinito grandioso, imponente, materializa-se no finito. A linguagem é infinita e se recria a cada instante, já a palavra é finita, mas carrega em sua essência o infinito. O universo é infinito, mas o ser humano é finito. Dentro do ser humano cabem todas as estrelas e o universo. Há uma dialética entre o infinito e o finito.
Há um relógio que marca as horas do coração. Quando ele para o coração sente algo como a indiferença, e tanto faz viver quanto morrer, no coração inerte nada pulsa. Apenas os sentimentos podem consertar esse relógio, seja a compaixão, o amor, a amizade. Os dois em sincronia marcam o pulsar da vida.
Há uma constelação que simboliza a mente de alguém que pensa demais. Chama-se Além Mundo. É uma constelação que sempre se alimenta de pensamentos e questionamentos. É para lá que vão as almas cansadas da vida terrena.
Há uma dança entre o que se sente e o que se pode dizer. Tudo pode ser dito, mas tudo convém. O que queremos dizer mora em pedaço do cérebro que morre de inanição das palavras não ditas. Quantas palavras de amor eu falaria se houvesse eco em ouvidos sensíveis, mas elas se encontram caladas, encarceradas em nossos sonhos não permitidos.
Quando um espelho começa a duvidar de sua própria imagem ocorre uma transmutação. Ele deixa de ser um objeto e se torna um ser onisciente. Então só reflete aquilo que lhe apetece.
O tempo são os quatro elementos primordiais: terra, água, fogo e ar. Ele se camufla conforme as estações. O tempo é como um livro, sujeito a várias interpretações conforme o tempo histórico e onírico.
Um rio sonha com a palavra autocompaixão, que é um modo de olhar para si com gentileza. Então o rio aprecia suas águas, suas margens e seu jeito de estar no mundo, belo e necessário como todo elemento da natureza.
Quando os olhos do mundo se fecham há uma morte simbólica da maneira de como o mundo se vê. As pedras aprendem a flutuar como quem pode ser qualquer outra coisa, talvez pedras que levitam, pedras de vento. Tudo assume um novo papel e o mundo é tomado por uma lógica nova. O planeta azul adquire novas cores.
Quem tudo quer, nada alcança. Em terra de extremos, o mínimo é pouco e o máximo extrapola.
A ausência tem a cor preta. Ela absorve todas as cores. A ausência é uma espera, entre o azul e a esfera, como o amarelo de cada fera. Todas as cores na estratosfera.
Um livro foi escrito por estrela cadente e contava como é viajar pelo universo e ao cair na terra narra o seu espanto ao conhecer nossa diversidade como quem conhece uma divindade. Uma viagem cósmica com destino ao planeta azul, seu oceano, suas árvores e montanhas. É uma estrela que se apresenta apaixonada pela Terra, povoada de homo sapiens. É tudo uma grande novidade inusitada.
Após um grande colapso interno surge a palavra oi, como cumprimento e como pergunta sobre o que aconteceu. Do oi derivam todas as palavras. Após o colapso surge a linguagem, lírica e palpável.
Acontece o efeito borboleta, quando qualquer ação pode desencadear um conjunto de reações inesperadas. O bater das asas de uma borboleta pode fazer um vulcão entrar em erupção. Tudo pode acontecer em um piscar de olhos.
Quando a palavra se desfaz ela vira uma estrela. As palavras nunca morrem, sempre se transformam e reverberam no universo.
O tempo é uma roupa com saudade do algodão.
Entre eles havia o silêncio que antecedeu o big bang.
A porta estava aberta, mas ele não sabia mais sair.
Ele chorava a despedida, mas sua amada segurava sua mão.
Ele era uma bomba atômica com a aparência de um filhote de gato.
Ele era um feto em estado permanente de gravidez.
Ele construía uma escultura na areia como se fosse de bronze.
Ele tinha palácios, mas as camas eram feitas de espinho.
Ele tentava dizer, mas não tinha gesto nem cordas vocais. Estava paralisado como uma estátua.
O amor era tão profundo que a não reciprocidade anunciava a morte do sujeito que ama.
O homem calmo, que expressava suas ideias com serenidade, tornou-se um cão raivoso, que mordia as barbas do vento. Isso aconteceu em um momento de implosão, em que lavou seu rosto no lago da iniquidade. Tudo era tarde demais para amanhecer.
Quando a linguagem falta, os homens se comunicam com o olhar denso demais para não ser reconhecido. E todos os gestos comunicavam brandura ou irritação. Há sempre uma forma de dizer o que escapa da alma, como repartir o pão na hora da fome.
O amor atinge um limiar em que já não é possível voltar atrás. Quando se excede, o amor se desmancha como uma avalanche que não pode mais conter a terra em seu estado de deslizar para além de si mesmo.
Tudo o que é demais se excede, como um galho turvo pelo peso dos frutos. Tudo o que é demais falta, como um tempo gélido que queima a ponta dos significados abstratos e abissais. O equilíbrio é o ponto dos extremos. É o zero absoluto.
Uma alma recém nascida se espanta com o pensamento, tão novo quanto original. Pensa o que é natural, se faz frio, se faz calor, se a vida é um lugar agradável de se viver. Enquanto isso recolhe-se no ninho da alma e apenas absorve o absurdo.
Uma casa feita de memórias certamente seria um palacete, com grandes quadros na parede remetendo a lembranças fortes como o sol do meio-dia. Em um trono real se sentaria e pensaria: “Eis que existo”.
O amor que não pode existir é como um abacate nascido de um pé de manga. Tudo é estranheza inadmissível. O amor como resistência do que não pode ser. Seus filhos nasceriam do caos e existiriam mesmo em meio à inexistência.
Ele fazia mil planos, construiria mil projetos. Edificaria um reino e faria plantar árvores novas, mas suas mãos gélidas provavam que o seu corpo já não vivia e o vazio se fazia como única existência possível. A morte em vida, ou a vida em morte, povoada de realizações sonhadas.
Ele pensava e para cada pensamento corria uma gota de sangue de sua cabeça, parecia calor, mas era sangue e o esvair da vida. No entanto, permaneceria vivo, haja vista que os pensamentos eram infinitos e o sangue simbolizava que eles estavam vivos.
Ele nasceu com a missão de carregar o silêncio do mundo, mas não imaginava que seria tão leve, já que as bocas frenéticas não paravam de dizer palavras e, como na torre de Babel, ninguém se entendia. O mundo estava habitado de ruídos, da linguagem que traduzia o incomunicável desespero das almas que não se entendem.
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