Poemas curtos de Fernando Pessoa
Ninguém compreende o outro. Somos, como disse o poeta, ilhas no mar da vida; corre entre nós o mar que nos define e separa. Por mais que uma alma se esforce por saber o que é outra alma, não saberá senão o que lhe diga uma palavra – sombra disforme no chão do seu entendimento.
Os meus sonhos são um refúgio estúpido, como um guarda chuva contra um raio. Sou tão inerte, tão pobrezinho, tão falho de gestos e atos. Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia.
As ideias são prodigiosas — elas e a maneira como se associam. Num momento, descobrimos que atravessámos o mundo, e que transpusemos o infinito entre dois pensamentos.
Quem escreve para obter o supérfluo como se escrevesse para obter o necessário, escreve ainda pior do que se para obter apenas o necessário escrevesse.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações. Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida.
Querer entender o que o outro sente é discordar dele,sentir o que o outro sente,é ser o outro...E ser o outro é de grande importância metafísica .
[...] não me recordo de nenhum livro que tenha lido, a tal ponto eram minhas leituras estados de minha própria mente [...].
Pode alguma coisa ser mais imunda, mais suja do que um porco? Se estivermos a falar de coisas externas, não.
Não haja medo que a sociedade se desmorone sob um excesso de altruísmo. Não há perigo desse excesso.
O misticismo é apenas a forma mais complexa de se ser efeminado e decadente. O único lado útil da inutilidade.
O maior erro que os homens podem cometer é tentarem saltar por cima da gradualidade e da evolução da natureza e realizar hoje aquilo que a natureza previu para amanhã.
O que há de bom ou mau em qualquer crença, qualquer, é o modo como se crê. O bem ou o mal estão no psiquismo do crente, não na crença.
Os espíritos altamente analíticos vêem quase que só defeitos: quanto mais forte a lente mais imperfeita se mostra a cousa observada. O detalhe é sempre mau.
Há uma depravação do intelecto não menos real do que a depravação do caráter, e é tão possível a uma estar associada às qualidades morais mais elevadas, como à outra coexistir com as capacidades intelectuais mais extraordinárias.
(Aforismos e afins)
" As coisas sonhadas só têm o lado de cá… Não se lhes pode ver o outro lado… Não se pode andar à roda delas… O mal das coisas da vida é que as podemos ir olhando por todos os lados… As coisas de sonho só têm o lado que vemos… Têm amores só puros como as nossas almas."
A cor das flores não é a mesma ao sol de quando uma nuvem passa ou quando entra a noite.
(Do livro Fernando Pessoa Obra Poética II, Coleção L&PM, Organização: Jane Tutikian, pág. 69.)
"Assim a brisa nos ramos diz, sem o saber, uma coisa imprecisa, coisa feliz".
(Sem título: 09/05/1934)
"Beija-nos silenciosamente na fronte. Tão levemente na fronte que não saibamos que nos beijam senão por um diferença na alma".
(Dois excertos de ode, Álvaro de Campos)
