Pensamentos de Clarice Lispector
Sem um pensamento: apenas corpo se movimentando calmo, rosto pleno de uma suave esperança que ninguém dá e ninguém tira.
Até que fui obrigada a chegar à conclusão de que sou daquelas que rolam pedras durante séculos e não daqueles para os quais os seixos já vem prontos, polidos e brancos.
Escrevo porque encontro nisso um prazer que não consigo traduzir. Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...
Sou ajudada pela saudade mansa e dolorida de quem eu amei. E sou ajudada pela minha própria respiração.
Eu sou o meu próprio espelho. E vivo de achados e perdidos. É o que me salva. Estou metida numa guerra invisível entre perigos. Quem vence? Eu sempre perco.
Sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico e fantástico – a vida é sobrenatural. (...) Antes de me organizar tenho que me desorganizar internamente. Para experimentar o primeiro e passageiro estado primário de liberdade. Da liberdade de errar, cair e levantar-me.
"Quando eu me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal.
Quando me comunico com adulto, na verdade estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma, daí é difícil...
O adulto é triste e solitário.
A criança tem a FANTASIA muito solta. "
Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.
Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.
[Um amigo é] uma pessoa que me veja como eu sou. Que não me mistifique. Que me trate de igual para igual. Que me permita ser humilde.
Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.
Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
Eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.
Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.
Sou Botafogo, o que já começa por ser um pequeno drama que não torno maior porque sempre procuro reter, como as rédeas de um cavalo, minha tendência ao excessivo.
Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.