Mensagens de Autores Famosos
O dia dos Namorados
para mim é todo dia.
Não tenho dias marcados
para te amar noite e dia.
O dia 12 de junho,
como qualquer outro, diz
(e disso dou testemunho)
que contigo sou feliz.
O ano passado
O ano passado não passou,
continua incessantemente.
Em vão marco novos encontros.
Todos são encontros passados.
As ruas, sempre do ano passado,
e as pessoas, também as mesmas,
com iguais gestos e falas.
O céu tem exatamente
sabidos tons de amanhecer,
de sol pleno, de descambar
como no repetidíssimo ano passado.
Embora sepultos, os mortos do ano passado
sepultam-se todos os dias.
Escuto os medos, conto as libélulas,
mastigo o pão do ano passado.
E será sempre assim daqui por diante.
Não consigo evacuar
o ano passado.
Há uma hora propícia ao arrependimento: a da morte, quando já não é possível nos arrependermos dele.
O artista plástico violenta a realidade para melhor ou para pior; é um terrorista bem ou malsucedido.
Órion
A primeira namorada, tão alta
Que o beijo não alcançava,
O pescoço não alcançava,
Nem mesmo a voz a alcançava.
Eram quilômetros de silêncio.
Luzia na janela do sobrado.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu país, esta sombra mole, preguiçosa.
Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
[...]
Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa.
[...]
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.
Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta.
A metafísica do corpo se entremostra nas imagens. A alma do corpo modula em cada fragmento sua música de esferas e de essências além da simples carne e simples unhas. Em cada silêncio do corpo identifica-se a linha do sentido universal que à forma breve e transitiva imprime a solene marca dos deuses e do sonho.
Quero romper com meu corpo, quero enfrentá-lo, acusá-lo, por abolir minha essência, mas ele se quer me escuta e vai pelo rumo oposto. Já premido por seu pulso de inquebrantável rigor, não sou mais quem dantes era: com volúpia dirigida, saio a bailar com meu corpo.
INOCENTES DO LEBLON
Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar.
Trouxe bailarinas?
trouxe emigrantes?
trouxe um grama de rádio?
Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram,
mas a areia é quente, e há um óleo suave
que eles passam nas costas, e esquecem.
Pouco importa o objeto da ambição; ela vale por si, independente do alvo.
Sempre necessitamos ambicionar alguma coisa que, alcançada, não nos faz desambiciosos.
Todas as ambições se parecem, mesmo que se contradigam; só a desambição não tem similar.
A ambição torna os homens audazes; a audácia sem ambição é privilégio de poucos.
A superioridade do animal sobre o homem está, entre outras coisas, na discrição com que sofre.
O animal não aprende nossas virtudes, se as tivermos, porém adquire nossos vícios.
O animal costuma compreender mais e melhor a nossa linguagem do que nós a deles.
Não se sabe por que os irracionais falam tão pouco, e os racionais tanto.
O animal de circo faz prodígios que o domador, se fosse animal, seria incapaz de executar.
Será ou não será,Tomar uma decisão eis a questão,Acontecimentos parecidos,Fatos verdadeiros ou fatos mentirosos,Falsos descobertos.
"Você não pode desistir até que tente
Você não pode viver até que morra
Você não pode aprender a contar a verdade
Até que aprenda a mentir"
Quisera abandonar-te, negar-te, fugir-te,
mas curioso:
já não estás, e te sinto,
E tanto me falas, e te converso.
E tanto nos entendemos, no escuro,
no pó, no sono.
Não morres satisfeito.
A vida te viveu
Sem que vivesses nela.
E não te convenceu
Nem deu qualquer motivo
Para haver o ser vivo.
A vida te venceu
Em luta desigual.
Era todo o passado
Presente presidente
Na polpa do futuro
Acuando-te no beco.
Se morres derrotado,
Não morres conformado.
Nem morres informado
Dos termos da sentença
Da tua morte, lida
Antes de redigida.
Deram-te um defensor
Cego surdo estrangeiro
Que ora metia medo
Ora extorquia amor.
Nem sabes se és culpado
De não ter culpa. Sabes
Que morre todo o tempo
No ensaiar errado
Que vai a cada instante
Desensinado a morte
Quanto mais a soletras,
Sem que, nascido, mores
Onde, vivendo, morres.
Evocação
À sombra da usina, teu jardim
Era mínimo, sem flores.
Plantas nasciam, renasciam
para não serem olhadas.
Meros projetos de existência,
desligavam-se de sol e água,
mesmo daquela secreção
que em teus olhos se represava.
Ninguém te viu quando, curvada,
removias o caracol
da via estreita das formigas,
nem sequer se ouviu teu chamado.
Pois chamaste (já era tarde)
e a voz da usina amorteceu
tua fuga para o sem-país
e o sem tempo. Mas te recordo
e te alcanço viva, menina,
a planejar tão cedo o jardim
onde estás, eu sei, clausurada,
sem que ninguém, ninguém te adivinhe.
