Coleção pessoal de Eliot

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⁠Esse amor que trouxe o vento -

Esse amor que trouxe o vento
Mais veloz que o pensamento
Trouxe rosas ao meu leito
E num mar de água salgada
Fez nascer a madrugada
Como um sopro no meu peito!

Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer no firmamento
Uma estrela ilumimada
E aqueles sonhos que sonhei
Aquele amor que desejei
Fez-me andar por outra estrada!

Esse amor que trouxe o vento
É mais forte que o lamento
Que a saudade ou a tristeza
E ái daqueles que o não sentem
Na verdade é porque mentem
E só vivem na incerteza!

Esse amor que trouxe o vento
Fez nascer um sentimento
Que nos veste o coração;
Disse adeus à amargura
E não sei se foi loucura
Disse adeus à solidão!

Deus, o deserto e a esperança -

Há momentos de solidão na vida que vivemos,
Horas tristes, tristes horas onde nada nos é dado
Que até parece que do amor nada sabemos
Como nada saberemos da cor do nosso fado!

São desertos dolorosos que atravessamos
Que as vezes nos são tão dificeis de passar!
E onde estão aqueles em quem confiamos?!
Todos nos abandonam, à deriva a penar ...

O que nos resta é dor, cansaço e solidão ...
Virar p'ra Deus nossos olhos cheios de nada
Porque de nada está cheio o nosso coração
Num percurso solitário pela estrada.

Mas quando tudo está perdido vem a luz
Renasce em cada um uma nova confiança
Entrega-te nos braços divinos de Jesus
E vive esse Deus, o deserto e a esperança!

- SAUDADE DO CHIADO -

Que saudade do chiado
Dos seus dias solarengos
Da alegria d'um passado
Que dentro de mim tenho.

Das esplanadas ao vento
E Da beleza dessas ruas
Que saudade desse tempo
Dos poetas, das estatuas.

Da calçada portuguesa
Das igrejas em solidao
Trago a grande singeleza
Do bairro alto no coraÇao.

Trago os dias bem passados
Tantas horas de poesia
Tantos gritos arrancados
À ganância dos meus dias.

Da loucura dos meus sonhos
Tanta coisa foi perdida
Houve dias tão risonhos
Tanta mágoa apetecida.

E Tanta gente que passou
Pela sombra do meu fado
Foi-se embora e não levou
Esta saudade do chiado.

Ricardo Maria Louro
No Chiado em Lisboa

Pintura de Lisboa

É cedo, o Sol disponta no horizonte,
lá longe a madrugada adormece,
de braços bem abertos, por traz da ponte,
vejo o Cristo como estando numa prece.

E vejo o Tejo carregado de saudade
vejo a Graça que descansa na colina
é tal a magia em torno da cidade
que até Cristo num gesto se reclina.

E vejo as ameias do Castelo
essas que recortam o horizonte,
no Chiado oiço um Fado tão singelo
que vai de Santa Justa até à ponte.

São os poetas que gritam no peito
de quem vai passando p'las vielas,
há gente que se encontra a sós no leito
há tanta melancolia nas janelas.

É assim esta pintura de encantar
que tanto me encanta e enternece!
Minh' Alma como o Tejo vai pro mar
Canta, chora , dança, escreve e adormece ...

MINHA PÁTRIA

Tenho orgulho no meu Pais,
tanto orgulho, mal sabia,
corri mundo, nunca vi,
como a Gente, tal Poesia!

Até mesmo o Pôr-do-Sol
ou o nascer de cada dia,
entra o mar como um lençol
por esta Terra de Melancolia.

Tantos montes, tantos vales,
tudo em mim, vivo, à arder ...
Minha Terra não me abale
esta vontade de to dizer!

E mesmo até quando eu morrer,
não me importa de que mal,
oiçam todos o que vou dizer
que me enterrem em Portugal!

Movimento -

Dos Astros o movimento
é a força do meu andar
um andar sem pensamento
na alegria de só estar.

Estar todo, por inteiro,
no instante, no momento
dar à vida voz, primeiro,
só depois ao sentimento.

Na verdade é ser destino
dando vida a cada ser
e ir errando p'lo caminho
até faz parte de aprender.

Talvez tenha muito errado
não me arrependo do que fiz
o passado é só passado
o que importa é ser feliz.

A saudade é indiscreta -

A saudade é indiscreta
Porque chega sem convite
E age sempre como seta
Que atravessa sem limite.

Ela invade o coração
E se espalha pelo corpo
Traz tristeza, desilusão,
Ansiedade e desconforto.

E dos olhos caem sombras
Caem dores, caem lutas
Mas mais tarde voam pombas
Pelo Céu das nossas culpas.

Chega o tempo, passa a vida
Vai passando a nossa idade
Só não passa a despedida
De quem deixou essa saudade.

Paira sobre mim -

Paira sobre mim
a tua voz de silêncio
naquela casa d'onde vim
caiada de Sol e Madrugada !

Visto a dor em meu corpo ...

Algo há de oculto,
meu barco, meu porto,
minha noite sem esperança!

Nada vejo ... nada escuto ...

Há vazio e nada em meu redor,
o eco do silêncio que deixaste
na voz muda das Estrelas.

Aquela casa abandonada
grita por dentro, sem fim,
e a tua voz, cansada,
chama de longe, por mim.

Como tudo entre nós está mudado ...
Tenho frio ... estou gelado!

⁠À Morte de Maria Flávia de Monsaraz -

Silêncio todos os povos,
silêncio todas as raças,
todos os Credos,
todas as gentes!

Façam silêncio todas as
Almas ...

O Céu parou!
Calou-se a voz dos Astros,
as Estrelas não cintilam,
a noite cobriu os horizontes.
Em tudo há algo que doeu.

Por toda a Terra há um eco
de saudade:
" - Ficámos órfãos das Estrelas ...
... a Maria Flávia morreu!"

Os Anjos, em cortejo, a vieram
abraçar ...
E assim partiu: imutável, eterna!
Além de todas as palavras ...
Esférica, etérica, ampliada.
Na evidência Sagrada da Essência
do Ser ...

3 Espinhos ao Nascer -

Trouxe 3 espinhos ao nascer:
dor, silêncio e solidão
e quem haveria de dizer
que me ficariam no coração?!

No lado esquerdo da vida
levei a dor por companheira
e foi em cada despedida
que a senti ser mais inteira.

Do silêncio, a horas mortas,
fiz a cama dos meus dias
mudei coisas, fechei portas,
sempre triste, mas sorria.

Do Poeta trouxe a Alma
no meu punho, em minha mão
nunca soube o que é ter calma
nasci filho da solidão.

Sou o que Fica -

Eu sou o que fica parado, contra o tempo,
numa espera inútil e cansada,
num espaço aberto, contra o vento,
onde a Alma está ainda agrilhoada.

Sou o que fica depois de tudo terminar,
calado, ausente de esperança,
num silêncio abrasador, a chorar,
mas com alguma Fé e Confiança.

Sou o que fica vestido de madrugada
com sapatos de silêncio à beira mar
e que caminha numa longa estrada
numa pressa incessante de chegar.

Eu sou o que fica sem ficar
a mágoa apetecida sem razão
o triste barco ao cais pronto a largar
a que o destino deu o nome de solidão.

Saudade em vão sentida -

Saudade em vão sentida
num adeus sem despedida
quando alguém parte p'ra sempre
e há qualquer coisa de espanto
na voz, no olhar, no canto
na Alma de quem o sente!

Quando alguém nos diz adeus
num momento, a sós, com Deus,
passam noites pela gente,
passa tudo o que fizémos
tanta coisa que dissémos
tudo acaba para sempre!

Só não morre a nossa história
feita de sombras e memória
à luz do sonho e do luar,
as manhãs ficam cansadas
as fontes amarguradas
e nós sozinhos junto ao mar.

E é no cais da despedida
que ao dizer adeus à vida
nos sentimos sem destino
e há um fado e outro fado
um lamento em vão cantado
que deixamos no caminho.

Dor dos meus Jejuns -

No branco silêncio de um depois
fica sempre um cheiro de vazio
porque esse alguém, p'ra onde foi,
não levou a saudade nem o frio.

E lá na rua onde morava
oiço ainda o eco dos seus passos
o cheiro a rosas que deixava
quando nos envolvia nos seus braços.

Às vezes, fechando os olhos, vejo ainda
aquele olhar que nos trespassava
e oiço aquela voz que nunca finda
dizendo o quanto nos amava.

Eram gestos, palavras incomuns
que ao fundo da infância davam paz
e fiquei livre da dor dos meus jejuns
minha alada e adorada Monsaraz!

Dor Errada -

Fado Pinóia:

Já não quero solidões
nem tampouco sonhos falsos
eu não sei porque razões
me sinto amada nos teus braços!

Fado Lolita:

Disse adeus ao ver-te passar
disse adeus ao teu olhar
disse adeus talvez p'ra sempre,
nosso amor foi como o vento
um olhar, um pensamento
que nasceu dentro da gente.

Fado Alberto:

Como estou triste, óh Deus, como estou triste,
por tudo o que vivi, por tudo a que me dei ...
Porque teimas coração, porque insistes,
em que eu passe por aquilo que já passei ?!

Fado Calisto:

Já não quero uma paixão
sem saber d'onde ela vem
já não quero, estou cansada,
solidão é dor errada
no peito de quem a tem.

Fado Mouraria:

Mas em cada madrugada
já não dói o teu desdém
se eu p'ra ti não fui nada
tu p'ra mim não és ninguém!

O Fado como expressão maior da Alma Lusitana!

(Poema para a Rapsódia de Manuel de Almeida)

Dor Quadriculada -

Outra dor quadriculada ,
ordenada, posta em verso,
outra esperança queimada
que trago desde o berço.

Nova forma de doer
que eu já nem sei se presto
por não saber o que dizer
ou por não saber o resto.

Novas linhas a gemer
que gemem como as outras
e o que dizem sem dizer
vão dizendo como poucas.

Este não - saber - de - mim
dito em palavras sem estrada
são as pedradas sem - fim
desta dor quadriculada.


P.S./ ... ainda assim não podemos deixar de sorrir ...

É Natal -

É Natal nos sopés da madrugada!
É Natal na voz de cada Homem ...
Pelas ruas! Pelas casas! Há em mim,
como em todos, um apelo de ordem,
amemo-nos uns aos outros sem ter fim.

Tocam sinos na voz dos horizontes!
Há luzes que se acendem na escuridão ...
Há desejos que convergem para a Paz,
nasceu um Menino que esmaga a solidão,
e eu, ao longe, contemplando Monsaraz.

É Natal! E nós precisamos de Natais!
Precisamos que o Natal chegue aos Corações.
Que cada Homem saiba o que é o Bem ...
Que não viva apenas de paixões
e traga Amor no seu olhar também.

É Natal na Raiz do dia vão!
Aquele que nos esmaga sempre
que não sabemos por onde ir ou que fazer
ou que nos apetece regressar ao ventre
da nossa Mãe p'ra voltar a adormecer ...

É Natal nos vales da escuridão!
Aí onde a Luz precisa de brilhar.
Amemo-nos uns aos outros sem ter fim
porque nasceu um Menino p'ra nos salvar,
cultivemos o Amor como Rosas num jardim.

O Tempo Passa -

O tempo passa pela gente
sem pensar se passa ou não
e a tristeza que se sente
envelhece o coração.

Passa a vida e a saudade
passa tudo sem excepção
e é no tempo da idade
que se encontra a solidão.

O tempo passa como louco
tudo passa pelo tempo
passa a vida pouco a pouco
como passa a voz do vento.

Sabe-se lá porque passamos
se nascemos para amar
esse Fado a que nos damos
há -de fazer-nos cá ficar.

Quando o tempo não passar
não haverá Rosas no caminho
ninguém saberá o que é sonhar
nem terá nenhum destino.

Não havendo nenhum destino,
tudo acaba, é natural,
morre o Fado 'inda Menino
cala-se a Voz de Portugal.

Pois que o Tempo vá passando
e vá passando docemente,
p'ra que o Fado vá cantando
as mágoas de toda a gente.

Uma vida com mil vidas -

Esta noite tive um sonho!
Prisioneiro dos meus dias,
minha vida com mil vidas,
que eu vivi mas que não queria,
vi tão cheia de despedidas ...

Desencontrei-me dos teus olhos
cada vez que os procurei,
só vi dor e solidão
e aos versos que cantei
fechei as portas do coração!

Pus as mãos sobre o silêncio
fechei os olhos e rezei,
procurei no meu destino
nova esperança, nova lei,
p'ra seguir outro caminho.

Sobre mim caiu a noite,
dor, silêncio e solidão,
uma vida com mil vidas
tão completa de razão
tão cheia de despedidas.

Um Vencido -

Eis que ninguém ao certo me conhece!
Nem os campos, os vales e os arvoredos,
ninguém conhece os meus segredos,
ninguém ouviu a minha prece!

Se alguém sabe quem eu sou, diga, por favor,
que há tantos anos que me sinto só,
no horizonte da distância, sem amor,
que me apetece morrer, regressar ao pó ...

Misteriosamente sou louco e sem trilho,
sou talvez de satanás um filho,
de Deus um enteado ou de ninguém!

Sou um filho do silêncio, monstruoso,
na terra , um eremita tenebroso,
um órfão abandonado, sem pai nem mãe.

O mar das minhas mágoas
Já não chama p'lo meu nome
Mas nos meus olhos profundos
Passa um vento que consome
Todas as mágoas do mundo.

Porque eu amo a poesia!
Amo a rosa que nasceu
Entre a noite e a madrugada
Que em seguida floresceu
Mas ficou abandonada ...

E hei-de amar o amanhã
No cantar dos seus regatos
Hei-de amar a multidão
Levar o Fado nos meus braços
Com amor no coração.

Os meus olhos não se esquecem
Dos sorrisos que fizeram
Ao chorarem docemente
O destino que me deram
Tantas vezes tristemente.

Amo a dor que já não dói
E os silêncios que ela faz
Amo a luz do meu olhar
A magia que ela traz
Ao ver os dias a passar.