Coleção pessoal de Eliot

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⁠Madrugada sem teus Braços
(Fado)

Madrugada sem teus Braços
noite aberta sem destino
dia-a-dia; passo-a-passo
sem saber do teu caminho ...

Sem saber dos nossos sonhos
da mentira que é a vida
das angústias que deponho
na palavra despedida!

Se me amaste ou outro em mim
já nem sei se o consumaste,
foste embora, sei por fim
que afinal nunca me amaste!

Sigo a vida, em vão, sozinho,
cheia de sonhos aos pedaços,
noite aberta sem destino
madrugada sem teus braços!

⁠Eu Amo -

Eu amo a esperança que há no mundo
quando nós andamos de mãos dadas
e amo a vasta calma que há no fundo
das horas que a vida traz marcadas!

Amo os abismos que se alinham
em cada minuto que vivemos
e até das coisas que se adivinham
eu amo a esperança que perdemos!

Só não amo o que amo por amar!
Não sei amar o que não sinto
nem sinto amor se não me tocar ...

A vida é muito mais que simple instinto:
um abraço, um beijo, um olhar,
o gesto de ternura de um faminto!

Corações Inquietos -

Há corações indefinidos
a palpitar em muitos peitos
sonhos sem esperança, perdidos,
agonizando em tantos leitos!

Vontades separadas de si
mesmas, à deriva sem amor,
incapazes aqui ou ali
de ver o mundo além-da-dor!

Estou suspenso! Estou incrédulo!
Incapaz de entender o mundo
ou a tristeza deste século
que nos abraça moribundo ...

E passam dias caiados
pelo medo! Casas sem tectos
cheias de sonhos arrasados
por tantos corações inquietos.

Há em mim -

Há em mim
paladinos abismos calados
de que temo falar ...

Há em mim
a vontade de ser que nunca fui
mas que pulsa no destino ...

Há em mim
uma sequência de infinito
sem lei nem preconceito ...

Há em mim
brisas de rosas fechadas
tingidas p'lo Luar ...

Há em mim
um não sei quê d'ilusão
que me veste de silêncio ...

Dai-me um pouco de Sol -

Dai-me um pouco de Sol
dai-me um pouco de vida
porque ai das Vidas sem Sol
ai das vidas sem Vida!

Porque ai dos olhos sem luz
ai dos rostos sem sorriso
ai do Calvário sem Jesus
que até da morte é preciso!

Ai dos homens que não sonham
ai daqueles que não choram
ai de todos os que ponham
os seus sonhos no que adoram!

Tudo é vago e passageiro
nada Está eternamente
o Destino é derradeiro
ninguém vive para sempre!

⁠Lotes Vazios -

Uma mão cheia de nada é o que
trago entre os dedos ...
Silêncio, vazio e solidão,
o que de mais inteiro e profundo
habita cada homem!
É um quase sonho de chegar a
qualquer parte, uma quase-vontade,
um quase ser capaz de pronunciar
o teu nome!
Talvez seja egoista este querer estar
sozinho,
este renegar querendo-te,
este pensar sentindo-te
este amar distante ...
Que estranha forma de sentir
tão cheia de poeira e loucura.
A minha Alma está cheia de Lotes Vazios!
Uma mão cheia de nada ...

⁠ Uma Vida sem mim -

Já te habituaste a uma vida sem mim ...
Tem ao menos a coragem de assumir
que não tivemos principio nem fim
na história deste livro por abrir!

Na verdade não pensaste em nós dois
naquilo que podiamos viver;
tudo oque fomos ficou para depois
e até nós dois ficámos sem saber ...

Nada resta do dia em que te vi
mais brilhante que o Sol do amanhecer
quando o meu coração bateu por ti.

Quando a minha Alma pensou saber
que eras toda a minha vida e senti
que era a ti que me haveria de prender ...

⁠Ecos Silenciosos -
(Sonho)

Ontem, na madrugada dos meus dias,
cheia de choro e neblina,
sombras passearam-se por entre os
meus sentidos ...
Não me lembro o que queriam,
apenas as senti, rodearam-me na cama,
tocaram-me no corpo ...
Quem eram? De onde vinham?
Que angústia, que lamento, que dor as
trespassava?! ...
E havia um véu, uma espécie de cortina
entre nós! Como se de duas realidades se
tratasse!
Tive medo! Não sabia o que pensar ...
... seti-lhes as penas.
Ofegante, despertei, tinha o olhar vidrado
nas vozes daqueles Ecos Silenciosos ...

⁠A Treva Obscura e Densa -

A minha Alma ignota e agreste, sempre triste,
incapaz de procurar felicidade e alegria
nas demandas que vive, em que persiste,
deleita-se nos versos e na poesia ...

Traz consigo a treva obscura e densa
a profundeza da dor que se perpetua
eterna, prolongada, palpitante, extensa
e a vida que à sua volta continua ...

Eu sou angustia, desalento e mágoa
sou um espelho sem reflexo em parede fria
sou o rio por onde já não passa a água ...

Já não tenho uma familia de pertença!
E porque sou ignorado dia-a-dia
sou silêncio ... sou a treva obscura e densa.

⁠O que a Morte pode tocar -

Que terrivel é amar aquilo que a morte pode tocar ...
Porque a morte chega cedo e cedo é sempre,
a vida, longa ou breve é curta, finda o ar,
quem sofre, sofre sem parar a dor que sente.

P'ra quem fica resta a pedra de uma lousa
p'ra quem parte é arremedo de um principio
e um silencio vago; infinito pousa
sobre o corpo de quem fica amargurado e frio.

Nao chorem nunca sobre os figados da morte
porque somos parte das suas entranhas
na bussola da vida com destino a Norte.

Mas havemos de chegar a algum lugar
porque tarde ou não ninguém foge às suas manhas ...
Que terrivel é amar aquilo que a morte pode tocar!

⁠O que a Morte não pode tocar -

Grato estou por ter amado o que a morte pode tocar!
Grato à Vida, grato ao tempo e ao Destino
por me ter posto ao lado gente que por amar
tornou mais belo, mais inteiro o meu caminho.

Amo os mortos e os mortos dos meus mortos ...
Para sempre! Guardo-os na memória! Estão em mim ...
Eles foram tanto! Não apenas corpos
agora abandonados subjugados a um fim.

Eu amo a vida que ainda habita os mortos
a que está além da forma incapaz de ver
que aqueles que eu amei habitam noutros Portos.

Navegam noutros barcos no cimo de outro mar ...
Todos estão em mim e na certeza de me saber
grato por sentir que isto a morte não pode tocar.

⁠Penso em Ti -

Penso em ti quando o mar alto e profundo
minh'Alma alcança. Quando sou silêncio e luto
sinto em meus olhos os olhos deste mundo
com sonhos destronados e confusos.

Penso em ti em cada dia e segundo ...
À chuva, ao vento, por entre a noite sossegada!
E é tão pura a paixão de que me inundo
que não te tendo a ti não quererei mais nada ...

Penso em ti com a dor das velhas penas
que o destino num tormento me concedeu
rodeado, numa cama, de assucenas.

E ainda mais te quererei depois da morte
pois recordarei o que a minha Alma já sofreu
até a minha infância densa e forte!

⁠Nunca é tarde -

Nunca é tarde demais para viver
nunca é tarde demais para amar,
nunca, nunca é tarde para saber
que a vida é feita a caminhar ...

Nunca é tarde demais para cantar
nunca é tarde nas malhas da esperança
há dias p'ra sorrir outros p'ra chorar;
depois da tempestade vem a bonança ...

Nunca é tarde (mesmo que seja tarde)
p'ra saber que a vida nunca passa
sem nos dar outra oportunidade!

E o desalento que nos abraça
veste a nossa Alma de saudade ...
Mas não é tarde ... a vida nunca escassa!

⁠⁠Insalubre -

À beira do silêncio
daquela madrugada apetecida
sentei-me à mesa do vazio ...
E veio a chuva, veio o Sol,
veio o vento!
Na mesa, pus as mágoas,
as tristezas escondidas,
os desejos incumpridos,
a vida não vivida.
Servi-me!
Tudo estava frio! Insalubre ...
Então, bebi das lágrimas dos meus
olhos excessivamente abertos,
cansados de existir ...
Sem metas nem destino, sozinho ,
adormeci sobre a mesa ... e morri!

⁠O Canto de Amália -

Seu canto vinha de longe
vinha do fundo do mar
não era canto de gente
era o Fado em seu lugar.

Havia ali algo diferente
sobre as águas a pairar
era a vida, era a morte
de uma guitarra a soluçar.

E o mar cansado e forte
não calava a voz do tempo
por alguém ela esperava
mas só ouvia a voz do vento.

Porque o tempo não passava
p'ra quem tinha aquele olhar
aquela voz não se calava
era o Fado em seu lugar.

⁠Mundo ao Contrário -

No silêncio dos Astros indiferentes,
na terra, algo de oculto aconteceu!
O mundo estava velho e sem Deus ...

As pessoas não morriam,
o Sol anoiteceu,
os bebés não nasciam,
a Lua não voltou,
as bocas não sorriam ...
Havia gritos nas esquinas e desejos
incumpridos ...
Choravam os alegres e os tristes,
a cantar, lamentavam o destino!

A vida ao Contrário trazia na algibeira,
mortalhas e angústias que pesavam
sobre o corpo.

A esperança não se via,
havia dor por todo o lado
e os olhares eram turvos.

E tudo isto sobre o silêncio dos Astros
indiferentes porque o mundo estava velho
e sem Deus!

(Perdão Senhor ... Perdão!)

As Estrelas de Maria Flávia de Monsaraz -

No vazio da penumbra dos meus sentidos
vagueiam memórias caiadas de silêncio,
saudades, palavras e gestos perdidos
que se aninham, recalcados no meu peito,
batendo como asas de Anjos adormecidos.

Uma só caricia me vem ao pensamento,
uma só vontade adorna os meus desejos,
Voltar atrás, beijar seu rosto, amar o tempo
em que nos tinhamos tão próximos, tão juntos
e que a morte nos tirou num pé de vento.

Sua voz ... essa voz calma e serena,
as púrpuras que caiam das suas mãos,
seu corpo, cheio de aves, tantas penas,
agora na paz sepulcral de um jazigo,
adormecido num ataúde d'açucenas.

E cai a madrugada sobre mim como aquela
tarde triste e tenebrosa em que partiste
do cais da minha solidão num barco à vela!
O mundo parou! Parou a vida! Parei eu
naquela casa frente à sacada da janela ...

Casa, outrora, de Poetas e de Paz!
E a janela, a sacada, aquela rua ...
... a Victor Cordon que saudades que me traz,
um tempo que não volta, voltar aos braços
das Estrelas de Maria Flávia de Monsaraz.


Até sempre querida Maria Flávia!
Um ano de saudade.

⁠O Vento, a Água e o Mar -

Do teu semblante carregado de infinito
pendem as mais belas histórias de encantar ...
Pende o vento, pende a água e o mar!

Dos teus olhos cheios de madrugada
pendem os mundos mais bonitos
que poderei um dia encontrar ...
Pende o vento, pende a água e o mar!

Dos teus punhos cheios de silêncio
pendem as rendas mais antigas
que te possam adornar ...
Pende o vento, pende a água e o mar!

Do teu corpo cheio de malmequeres
pendem as pétalas mais brancas
sem pensar ...
Pende o vento, pende a água e o mar!

Talvez um dia -

Um dia a luz há-de voltar a brilhar
no fundo dos meus olhos ...
E os rios hão-de correr em qualquer parte!

Um dia a alma há-de voltar a dar vida
ao meu corpo ...
E as estrelas hão-de brilhar novamente!

Um dia a esperança há-de voltar a penetrar
meu coração ...
E a minha noite deixará de ser noite!

Um dia a vida há-de correr-me novamente
pelas veias ...
E a parte de mim que não sou morrerá!

Um dia a minha boca há-de falar muito
do amor ...
E o amor virá à minha vida!

Um dia - talvez um dia! - possa abraçar
o silêncio de ser eu - na poesia ...
E tudo será novo para mim!

Um dia ... talvez um dia ...

Sobre Covid -19 -

A vida ficou suspensa
por duas linhas que se tocam
muito frágeis, muito ténues:
a doença e a morte!

A vontade ficou parada
nas curvas sem visão
no silêncio do caminho
e cada um à sua sorte!

O sonho perdeu encanto
de gestos e ternuras
perdeu-se do amor
e afastou-se do coração!

O orgulho e a vaidade
perderam-se dos Homens,
afinal, tudo é passageiro,
neste mundo, tudo é vão!


Na dificil travessia destes tempos pouco luminosos.