Poesia do Carlos Drumond - Queijo com Goiabada
COMPREENSÃO
A rua onde nasci era larga e extensa de vozes.
Nela havia uma velha casa de espera e de descobertas.
Minha mãe me ensinava a brincar de ver.
Ficava ao meu lado e com suas mãos me entregava seus olhos.
Dizia-me: O que vens?
Eu menino, com zeloso brio elaborava narrativas não aparentes.
As vezes via um pássaro falando com o vento.
Ora, era um arco-íris despontando no anoitecer.
E até eu voava, buscando palavras com asas.
Lembro-me quando lhe disse:
- Estou vendo uma dança no céu.
E ela pediu-me para tomar cuidado com os instrumentos, marcar os passos, ouvir a sinfonia.
E asseverou: Veras na vida aparências e essências.
Mas não tenha receio de vislumbrar.
No fim o que fica é o que se olha para dentro.
Antes de saber ler e escrever compreendi a ver poesia.
Carlos Daniel Dojja
In Poemas para Crianças Crescidas
É leveza sobre aspereza
É paciência sobre aspereza
É acalanto sobre aspereza
É vida sobre aspereza
Os corações ásperos carecem
de leveza, paciência, acalanto e vida.
Falta-lhes poesia...
Infância
Sonhos
enormes como cedros
que é preciso
trazer de longe
aos ombros
para achar
no inverno da memória
este rumor
de lume:
o teu perfume,
lenha
da melancolia.
Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.
Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.
Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.
Cantiga do Ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Lágrima
A cada hora
o frio
que o sangue leva ao coração
nos gela como o rio
do tempo aos derradeiros glaciares
quando a espuma dos mares
se transformar em pedra.
Ah no deserto
do próprio céu gelado
pudesses tu suster ao menos na descida
uma estrela qualquer
e ao seu calor fundir a neve que bastasse
à lágrima pedida
pela nossa morte.
Minuto sublime.
Por um minuto, já quis lhe dar o mundo.
Por um minuto, tu mudaste meu mundo.
Por um minuto, toda reciprocidade era verdadeira.
Por um minuto, aquela paixão era derradeira.
Por um minuto, tudo mudou...
Por um minuto, você se foi e um coração em lamento ficou.
Dias de intensidade.
Foram dias que jamais serão esquecidos.
Foram dias, talvez os melhores dias vividos.
Foram dias em que nada podia se explicar.
Foram dias em que lado a lado bastava estar.
Foram dias em que nada fazia sentido.
Foram dias em que apenas um sentimento era permitido.
Foram dias que não podia se entender.
Foram dias que o sentir era sinônimo de viver.
Foram dias cúmplices de um amor.
Foram dias em que o medo de amar jamais causaria dor.
Foram dias em que um simples olhar me atirava à cama.
Foram dias só entendidos por quem ama.
Foram dias, dias de intensidade.
VELHICE
Aos poucos a velhinha foi sendo jogada par um canto do mundo
e foi se apequenando cada vez mais
humilde
para caber nele
e não incomodar a ninguém
com o que resta da sua presença.
TARUMÃ
Não me sangrem
por favor
as sangas
da minha infância.
Deixem que sigam
seu rumo
vadio e vário
de rio avulso.
Que ora esparrama
por sobre as pedras
espuma branca
e ora em derramas
de sede ardente
ao sol se entrega.
Vai sanga avulsa
vai rio menino
ao teu destino.
O Quintal
Pegue as rédeas de seu destino
e dome o animal arisco.
Olhe o horizonte com valentia
e chame de casa a terna figura do amanhã.
Regue o jardim, abra as janelas
e escolha as melhores cores para as paredes,
já que o futuro é o quintal dos nossos sonhos.
Dona do Mundo Inteiro
Ela pintava seus dias com todas as cores
e não guardava ódio ou rancores.
Nem remorso ou arrependimentos sentia,
pois sabia o que queria.
Rezava suas preces e novenas
com os mais belos poemas.
Não lhe tentava o dinheiro:
era dona do mundo inteiro.
Talvez fosse melhor sair de fininho, desejando baixinho, continue assim sempre linda, bela sorridente, menina de ouro, um verdadeiro presente.
Talvez fosse melhor sair de fininho, lembrando baixinho todas as fragrâncias, perfumes mágicos, lindas lembranças.
Talvez fosse melhor sair de fininho, desejando baixinho, aqueles olhos lindos não despertam nenhum sentimento, a cabeça finge que é verdade, o coração não faz questão de estar em consenso.
Talvez fosse melhor sair de fininho desejando baixinho, esse ciúmes tolo não vire uma bobeira a beça, uma bobeira de um tolo, um coração que está bobo.
Talvez fosse melhor sair de fininho, desejando baixinho, aqueles momentos singelos se tornem momentos eternos, brincadeiras, sorrisos, marcas para uma mente, para um coração um elo.
Talvez fosse melhor sair de fininho, talvez fosse melhor ficar onde está quietinho, de longe se fazer presente, de perto transformar tudo em carinho, talvez fosse melhor aceitar uma força maior, talvez fosse melhor sumir e ficar só.
Talvez...
Carlos Alexandre C. Pereira.
Amar é ter as cortinas e as janelas abertas
e a casa iluminada de luar.
É com o que foge aos olhos ter compromisso
com razão
de ter a fé como chão
pois o amor faz palpável o infinito.
DIA A DIA II
Queria toda aventura, toda emoção, toda fartura.
Queria esquecer meu nome,
viver de música, saciar minha fome.
Queria nascer todo dia
na Tailândia, no Tibet, na Bahia.
Eu queria...
velar minha ignorância que doí como uma azia:
falta vírgula, falta acento, falta rima na poesia.
Eu queria ter paciência, eu queria ter ciência.
Eu queria saber viver o dia a dia
(bastava saber viver o dia a dia),
mas não adianta, não me encanta,
eu queimo como um diabo, ardo em fogo,
e não é um jogo:
percorro caminhos de morte e cavalgo ventos da sorte.
Sou pura bebedeira, caso queira
divertimento,
crio morcegos e educo vampiros
no apartamento.
Meu QI médio não conhece o tédio:
esse é meu mundo, meu remédio.
Basta abrir os olhos, basta sair à janela,
basta uma brisa, basta uma viela...
E quando dormir o sol seu sono mais profundo,
permanecendo só na festa um último moribundo,
sussurrarei bem baixinho: _ Não tenha pressa,
eu volto outro dia pra beijar-Lhe à testa.
Lembra que houve um tempo
em que era tudo imaginação?
E agora é real.
Imagine.
Quantas coisas lindas
começamos a tornar reais
no momento em que as ousamos
imaginar.
Ah! se algumas coisas
pudesse desdizer e outras tantas acrescentar ao que já disse,
jaz na garganta ainda
aquele pedido de desculpas,
o grito libertador,um enorme palavrão
e uma quantidade incomensurável de silêncios, estes ainda estão aqui.
não sei se tudo isso ainda me serve, mas que importa!
faz parte de mim
@machado_ac
O POEMA ERRADO
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Drummond
Vou ao reino das palavras com a tranquilidade de quem trouxe de lá uma ou duas páginas valorosas. São minha permissão. Entro quando quero, extraio as palavras de onde repousam em estado de dicionário, e as acomodo para viagem na forma de poemas perfeitos. Todos se corrompem na passagem, alguns irremediavelmente. É por esse motivo que tantas linhas imprecisas são escritas. Tenho impulsos de retornar ao reino das palavras e vasculhar incansavelmente pelo poema certo. Ele ainda está lá. Mas desse já não tenho a chave, e ninguém mais a poderá ter. Perdeu-se. Olho para o poema embaralhado que possuo, sentenciado à inexistência, e me compadeço do seu destino. Sorrio. A inexistência é uma condenação impossível.
O poema errado
Com a vida diante dos olhos
Escrevi minha história
Manchei os campos com meus passos
Maculei a água com minha sede
Julguei merecer que me sorrissem
Um sorriso puro e ingênuo
Que já não sorri sem tristeza
Fui amado com um amor perfeito
Que hoje tem a marca da minha estupidez
Quisera ter entendido o que é ser humano
O que é ser imperfeito
Quisera ter entendido o propósito de todas as coisas
Segundo o qual nada existe em vão
Não se vive sem culpa
Mas não se existe sem razão
Se em tudo eu tivesse errado
Não choraria por não ter tocado
A flor que deixei morrer no jardim
A flor não temia a morte
A vida era o seu fim
Impreciso
Os navegadores modernos já não temem a viagem:
não é sobre mar que navegam.
E ainda que existam os piratas, os monstros e os abismos,
não há glória em demovê-los da aventura.
Queria para mim o espírito do grande poeta,
reduzida a forma para caber em quem eu sou,
para explicar esse temor que eu sinto
de uma evolução em que não haja a essência anímica do sangue
e cujo combustível seja o meu corpo e a minha alma.
Não conto gozar a minha vida;
só temo torná-la pequena
em um mundo sem o calor das afeições humanas,
onde não haja piedade, não haja paixão.
Cada vez mais assim penso:
Nas estranhas águas que nos levam adiante
e anunciam a obsolescência da nossa Raça,
navegar é impreciso, e viver é uma necessidade.
Seguir em frente
É preciso seguir em frente
Não há outro modo de acontecer
Qualquer coisa que se faça
Resulta em seguir em frente
Desistir
Ainda é seguir em frente
Voltar atrás
Ainda é seguir em frente
Estagnar
Ainda é seguir em frente
Desesperar-se
Ainda é seguir em frente
É preciso portanto
Fazer a escolha inteligente
De todas as formas de seguir em frente
Apenas escolha
Seguir em frente
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