Poesia de Pureza
Se formos cronometrar o somatório das nossas lembranças, teremos algumas dezenas de minutos.
Nossa memória é feita de décadas de esquecimentos.
Nunca me medi em centímetros ou metros.
Nunca me pesei em quilos ou gramas.
Mas meu pequeno
tem a leveza do tamanho de uma infância
No anteontem do retrato,
no sofá estou sentado com dois amigos.
No ontem do retrato,
no sofá estou sentando com um amigo.
No hoje do retrato,
no sofá estou sozinho.
No amanhã do retrato,
o sofá está vazio
Quando aqui cheguei
as crianças eram crianças
os adultos já eram adultos
os velhos eram sempre velhos
e o mundo estava pronto
concluído e imutável para se viver
Quando daqui me for
as crianças cresceram
os adultos são outros
todos os velhos morreram
o mundo havia tanto mudado
e eu não sou mais o mesmo
Vou deixar o agora de lado
ir para o amanhã do hoje
me encontrar com o ontem
e me banquetear junto
com meu menino
meu moço
e meu impartível velho rapaz
Do dilúvio onde se afoga o tempo
salvei o trigésimo minuto
da décima-primeira hora
do dia que já não me lembro
O calendário da memória
não é feito de algarismos ou datas
mas de machucados, feridas
e instantes arrebatados
Se hoje passei pela tarde
foi porque ela estava lá
Se depois de amanhã não morrer
foi porque eu não estava lá
Tenho mais lembranças do meu passado do que de ontem.
Talvez o ontem esteja perto demais para ser lembrado.
Se soubesse antes
que meu ontem hoje ia acabar
transformaria ele em memória
e me lembraria agora o que comi
no café da manhã
no almoço e no jantar
Que procura ouvido, deve manter a boca aberta.
Quem não precisa de ouvido, pode deixar a boca fechada.
Ouço com o ouvido direito, escuto com o ouvido esquerdo.
Todas as bocas têm sempre, no mínimo, duas falas.
Vou revisitar meu baú de ossos
explorar todas minhas lembranças
esmiuçar os cantos e recantos da memória
pois um dia até ela haverá de não existir
O HOJE ANTES DO AMANHÃ
Não vou esperar
as formigas em tua boca
carcomerem tua história,
hoje prefiro-te como agora:
incompleta imperfeita e inconcluída
Vivo no hiato entre quem fui e o que serei.
Sou um ininterrupto intervalo no meio da memória e o sonho.
Vou te comer pelas beiradas, amor,
até chegar ao fundo quente do teu coração.
Mas quando eu estiver lá, amor,
não adianta insistir,
pois não vou sair não.
Vou me fingir de morto
para você me notar,
pois o ausente dos retratos
é aquele que é mais lembrado.
Às vezes penso que a Lua Cheia é um buraco no breu espesso do Universo,
por onde Deus nos brecha e nos olha.
A COISA MAIS LINDA DO MUNDO
Acordo mais cedo
apenas para te ver dormindo
e saio em silêncio para não te acordar
Volto mais cedo
só para te encontrar sorrindo
e quando for a hora de me deitar
afasto para longe de mim o sono
somente para novamente te ver dormindo
São tão longas as horas
que se eu sobreviver ao atravessar delas
posso chegar até ao fim do Infinito
Tenho duas certezas na vida. A primeira que vou, como todos vamos, morrer.
A segunda, se ainda não morri é porque continuo vivo.
Por isso, até morrer, vou viver de Viver.
- Relacionados
- Poesia de amigas para sempre
- Poesia Felicidade de Fernando Pessoa
- Poemas de amizade verdadeira que falam dessa união de almas
- Poesias para o Dia dos Pais repletas de amor e carinho
- Poesia de Namorados Apaixonados
- Primavera: poemas e poesias que florescem no coração
- Poesia Felicidade de Machado de Assis