Poemas a um Poeta Olavo Bilac
Sou católico há 68 anos (com intervalos de indiferença) e, depois de tudo o que aprendi a respeito, embora saiba defender perfeitamente o catolicismo contra a militância ateística e contra os inimigos do cristianismo em geral não me considero qualificado para defendê-lo com argumentos teológicos adequados numa polêmica com protestantes. Prefiro deixar isso para quando eu estiver mais crescidinho, e sugiro que meus alunos façam o mesmo.
"O antipetismo e mesmo o anticomunismo são apenas desenvolvimentos laterais do meu trabalho, cujo objetivo essencial é a formação de INTELECTUAIS CAPAZES E HONESTOS. Se, em nome do antipetismo e do anticomunismo, devo sacrificar o objetivo essencial, consentindo em endossar lendas urbanas em lugar dos fatos e da honradez intelectual, toda a minha obra e a minha vida se tornam automaticamente desprovidas de sentido. Quem me exige isso não é, decerto, meu amigo."
Se ferir brutalmente os sentimentos dos cristãos fosse crime -- como hoje em dia é crime incomodar um pouquinho os membros de qualquer grupo minoritário queridinho das esquerdas --, todos os jornalistas estariam na cadeia junto com um monte de professores universitários.
Se o cristianismo fosse apenas uma doutrina, não haveria problema em reinterpretá-lo mil vezes até que se transformasse, como ocorreu com o marxismo, até mesmo no seu oposto dialético.
Mas a Ressurreição de Cristo é um fato único e imutável, de modo que, para mudar o sentido da fé cristã que esse fato determina, será preciso esperar pela ressurreição do Leonardo Boff.
Tudo o que eu quis na vida foi ampliar o horizonte de consciência de alguns milhares de pessoas de modo a que isso pudesse ter efeitos benéficos na sociedade brasileira, mas sem nenhuma presunção de controlar ou dirigir esses efeitos.
Foi isso o que eu quis fazer, e foi exatamente o que fiz. Já deu certo, e agora ninguém mais déte.
REALIDADE é aquilo que existe fora e independentemente de nós e que minuto a minuto nos impõe algo que não desejaríamos saber, algo que preferiríamos que não existisse. A filosofia busca a unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa, mas se aproxima dessa meta como numa assíntota, sem poder alcançá-la jamais, porque a noção mesma de 'conhecimento' pressupõe a de 'realidade', isto é, a de algo que continuamente transcende as suas fronteiras e as dissolve, alargando-as mas também desorganizando o que está dentro delas. Ninguém apreende a dimensão de REALIDADE sem abrir-se vezes sem conta a um mar de contradições e perplexidades. A facilidade, a desenvoltura pueril e auto-satisfeita com que no Brasil se fabricam opiniões sem a menor atenção àquilo que as contradiz – mesmo quando a contradição está gritando do alto dos telhados –, mostra que a dimensão de realidade foi perdida na nossa cultura há tempos. Sobrou só a dimensão do desejo e da frustração. Quando um 'formador de opinião' brasileiro nos diz que as coisas são assim ou assado ele não quer dizer que elas o são realmente, apenas que sua personalidade é mais bonita que a nossa, que ele é o gostosão e a encarnação do bem. Inversa e complementarmente, se você busca a realidade com todas as suas forças e tenta expressá-la, dificilmente conseguirá fazer alguém abrir os olhos para ela. Em geral a platéia entenderá apenas que você obteve sucesso em impor a sua personalidade.
A morte é uma das poucas certezas empíricas que temos. Uma idéia se avalia pela sua capacidade de se defrontar com a morte. Só importa aquilo que para nós é mortalmente importante, as verdades pelas quais morreríamos, e que valem mais que a vida. Noventa e nove por cento do que pensamos não têm importância nenhuma. Livrar-se da vaidade e adotar a morte como critério é um bom começo em filosofia.
Quando uma pessoa perdeu o senso natural das formas e proporções, é inútil discutir com ela: argumentos não corrigem erros de percepção.
Mas o fato mesmo de alguém aí tentar argumentar já denota um começo de perda -- culturalmente institucionalizado --, de modo que a discussão se desenrola entre um gravemente incapacitado e um totalmente incapacitado.
A realidade é matemática, a realidade é música, a realidade é linguagem... Todas essas lindas afirmações são pensamento metonímico, fruto do desejo histérico de reduzir a um fator controlável algo que nem mesmo conseguimos apreender no todo. Seus autores são índios botocudos buscando nas formas geométricas de potes e panelas um refúgio contra o temor da floresta. Essas sentenças tornam-se verdadeiras quando as invertemos: matemática é realidade, música é realidade, linguagem é realidade. A realidade nos transcende e abarca, contém tudo e não se reduzirá jamais a nada que possamos 'pensar'.
O mundo é sempre mais complexo do que você pensa, e você tem de ficar permanentemente aberto a ele; tem de deixar que a realidade te ensine. A pressa em chegar a conclusões só serve para que você feche o círculo, e é por isso que eu sugiro aos meus alunos o voto de pobreza em matéria de opiniões. É melhor você ter um monte de contradições na cabeça do que ter opiniões. Deixe para ter opiniões quando elas valerem alguma coisa. Como é que você sabe o que a sua opinião vale? Vale o trabalho que você teve para obtê-la. Quanto esforço custou essa opinião? Por exemplo, quantos livros você leu para ter essa opinião? Um?
Segundo Zubiri, não existe aquela coisa kantiana de dados sensíveis brutos, caóticos, colhidos pelo corpo e sintetizados na mente segundo padrões a priori. A percepção humana é, inerentemente, percepção intelectiva ou, na fórmula zubiriana, 'inteligência senciente'. Isto tapava, de um só golpe, o abismo que três século de idealismo filosófico haviam cavado entre conhecimento e realidade. 'Realidade', diz Zubiri, é o aspecto formal que o ser oferece à percepção humana. Não há uma 'coisa em si' a ser apreendida para além da percepção, porque, precisamente, o que o ser oferece à nossa percepção é o seu 'em si' e nada mais, ou, como diria Zubiri, aquilo que ele é 'de suyo', de seu, de próprio, de real.
Nas circunstâncias específicas da sociedade brasileira atual, restaurar a vida intelectual é sem dúvida a tarefa mais urgente. Muitos se esquivam dessa tarefa mediante o expediente de fazer da repetição da Doutrina da Igreja o sucedâneo do esforço intelectual genuíno. Outros caem no erro de apostar na mera vida intelectual a salvação das suas almas. Outros, ainda, se enredam em altas discussões teológicas sem perceber que nelas o mero preparo intelectual é insuficiente, que sem anos de prática ascética e 'Imitação de Cristo' a teologia se torna a mais elegante armadilha do diabo.
Tenho a certeza de que não ensinei ninguém a cometer esses erros, nem dei o mau exemplo de cometê-los eu mesmo.
Aprendi com o Éric Weil, e nunca esqueci: Em política, ou você se coloca na posição do governante e julga as coisas nessa escala, ou cala a boca e não enche o saco.
Só o livre debate entre intelectuais independentes pode criar uma atmosfera na qual a verdade tenha alguma chance de prevalecer, mas esse tipo de debate tornou-se impossível a partir do momento em que, na segunda metade do século XX, toda atividade intelectual foi cada vez mais monopolizada pelas universidades. A classe acadêmica tem muita consciência de que o seu poder de pressão sobre a sociedade depende da existência de um consenso acadêmico, de uma opinião dominante que possa ser apresentada em público não como convicção pessoal deste ou daquele indivíduo, mas como convicção geral da classe. Todo debate, dentro dessa comunidade, torna-se assim apenas um momento dialético na formação do consenso destinado a absorver as opiniões divergentes numa conclusão final representativa da classe acadêmica como um todo e investida, portanto, de 'autoridade científica'. O critério, aí, só pode ser o mesmo do 'centralismo democrático' leninista, no qual a troca de opiniões é livre somente até o momento em que se forma o consenso; a partir daí, cada participante do debate tem de abdicar da sua opinião própria e tornar-se um porta-voz do consenso.
NÃO HÁ autonomia de pensamento contra a lógica e o método científico. A divergência de opiniões é pura frescura quando não há critérios estáveis de julgamento, os quais, precisamente, têm de permanecer imunes ao jogo de opiniões. Quem acha que impor esses critérios é o mesmo que 'impor opiniões' não conhece a diferença entre o jogo e a regra do jogo. Vocês me desculpem, mas isso é um erro primário e grosseiro que não tenho NENHUMA obrigação de tolerar.
Na infância eu me achava muito burro, o que acabou me ensinando a fazer algo que tantos brasileiros não sabem fazer: admitir claramente que não estou entendendo aquilo que não estou entendendo.
É uma cretinice rejeitar, 'a priori', o legado das antigas tradições esotéricas, porém ainda mais cretino é aceitá-las como 'revelações', isto é, como conhecimentos de origem divina superiores à razão e à filosofia. O que é superior não teme o inferior. Em noventa por cento dos casos, a alegação de superioridade é apenas uma fuga ao confronto racional. Tudo o haja de valioso no esoterismo tem de provar-se capaz de sobreviver à análise filosófica tal como a ensinaram Platão, Aristóteles e Sto. Tomás.
O mais velho e constante chavão anti-olaviano é: 'Os alunos dele obedecem-no servilmente.' Aquele que emite essa opinião oferece-se, automaticamente, como modelo de pensamento independente e busca desapaixonada da verdade, qualidades que ele comprova ao julgar com tal segurança um curso que jamais frequentou e cinco mil pessoas que jamais viu.
É óbvio que ninguém pode praticar semelhante atividade mental sem grave incompreensão das suas próprias palavras, num paroxismo de impropriedade vocabular em que o uso do idioma mal se distingue dos grunhidos pré-verbais. Por exemplo, que significa o verbo 'obedecer' quando aplicado a uma exposição teórica? ou que significa o termo 'servilismo' quando aplicado a uma situação pedagógica em que o professor não dá ordens a ninguém e, se as desse, não poderia, pela distância, averiguar jamais se foram obedecidas?
Se todos somos de certo modo produtos da sociedade em que estamos, nossas opiniões, incluindo as negativas que [temos] sobre a própria sociedade, são criações dela mesma e fazem parte do mesmo mal que denunciam. A única possibilidade de haver uma crítica social legítima, que funcione, é a de que o indivíduo humano de algum modo se coloque acima da sociedade e consiga ver nela algo que ela mesma não vê. É necessário que a consciência dele esteja acima do nível de consciência que aparece nas próprias discussões públicas. Para criticar minha sociedade como um conjunto, preciso me colocar numa perspectiva que me permita vê-la como objeto, e daí já não sou mais um personagem ou um participante da coisa, mas um observador superior; consegui uma posição acima da confusão, de onde posso ver o que está acontecendo e julgar o sentido geral das coisas. (palestra, 2001)
