Coleção pessoal de TiagoScheimann
E o grande amor, que de mim ganhasse, meu coração maravilhado, tão grande para mim, e seu amor, como as estrelas, tão de mim distante, não vejo a brilhar, com vivido esplendor.
Embora, em algum momento do meu breve existir, eu tenha buscado a morte, amo, inexplicavelmente, a minha vida.
Lembranças são gatilhos, não apenas disparam, mas insistem em recarregar. As minhas martelam sem trégua, provocam, testam, dilaceram.
Elas se infiltram, adicionam raiva gota a gota, semeiam pensamentos que corroem por dentro. E eu, silenciosamente, vou me desfazendo.
Assim como disse Heráclito, "nenhum homem entra duas vezes no mesmo rio" pois, na segunda vez, nem o rio guarda as mesmas águas, nem o homem conserva o mesmo ser. Tudo é fluxo, impermanência, transformação. A água que escorre já não é a de antes, e aquele que retorna traz no corpo e na alma as marcas do tempo, as cicatrizes do caminho, os ecos do que aprendeu e do que perdeu. A vida é esse eterno vir-a-ser, uma travessia por instantes únicos, que se esvaem como a correnteza, deixando apenas a memória breve do toque, do passo, do olhar. Somos feitos de passagens e nunca mais seremos os mesmos de um momento atrás.
A ciência busca o saber do mundo, mas é a consciência que nos revela o saber de nós mesmos. Reduzir o ser humano à matéria ou ao espírito é limitar sua complexidade. O dualismo é um eco de nossa ignorância, pois a mente e o corpo, o mundo e o eu, não são entidades separadas, mas expressões distintas de uma mesma realidade integrada.
O amor, em sua natureza mais crua, é um paradoxo temporal e emocional, sua verdadeira dimensão só se revela na experiência da perda. Enquanto presente, é banalizado pela rotina, negligenciado pela falsa segurança da permanência. Somente na ausência é que suas camadas mais profundas se tornam perceptíveis, como uma arquitetura invisível que só se desenha no vazio.
O tempo é um mestre tardio, só entrega respostas quando já não há perguntas, cura quando a dor já foi assimilada e oferece lições quando já não há mais como aplicá-las. Sua sabedoria chega sempre depois da necessidade.
O paradoxo revela a dor de existir sabendo que a própria presença ou ausência não altera o curso do mundo. É a consciência da própria irrelevância diante de um universo indiferente, onde o desejo de significado colide com a certeza do esquecimento. A ferida nasce do conflito entre querer importar e perceber que, no fundo, o vazio permanece o mesmo.
Como uma criança, anseio por sentir com verdade, falar com leveza e desconhecer a mentira, pois nela, nada há de natural. A criança não finge, apenas existe, inteira e sincera no que sente.
Cruzamos pontes invisíveis todos os dias, guiados por decisões que brotam do inconsciente, enquanto o corpo opera em silêncio, obediente a um roteiro que raramente questionamos. Atravessamos, sem saber que escolhemos.
Diante de uma esfera que reflete o mundo ao redor, não me reconheço no reflexo. Ainda vejo o menino assustado, encolhido na própria pele. Vejo o covarde que, apesar dos anos, não encontrou força para enterrar seus próprios demônios e talvez nem tenha decidido se quer viver sem eles.
A tempestade que se forma no fundo de um copo de uísque, após algumas doses, não é efeito da embriaguez, é o desbloqueio silencioso de lembranças mal enterradas, de amores antigos e mal resolvidos. Não necessariamente são meus, mas ainda assim doem como se fossem.
Num canto repousa um violão silenciado, ansiando por mãos que o façam lembrar do que é ser música. Eu, a poucos metros dele, também espero: que alguém me toque com a mesma delicadeza que se dedica a um som prestes a nascer.
Esses meus sentimentos confusos, nascidos de batalhas esquecidas e águas escuras, não clama por atenção, apenas permanecem. Vai de geração em geração, cruzando limites, sustentados pela força discreta daquilo que é verdadeiro demais para morrer.
Sou como um riacho humilde que, entre pedras e barreiras, traça seu curso sinuoso; nunca estanco, apenas me desvio, impelido por uma força invisível que me arrasta para o mar infinito, um destino maior que me orienta e transcende meu próprio ser.
O fulgor do teu olhar incendeia minha alma, e rendido a ti, desvencilho-me do tempo, tornando-me criança outra vez, entregue ao espanto da descoberta.
A terra treme e não é o chão, sou eu. Cada rachadura no solo parece ecoar uma falha em mim, somos feitos da mesma matéria instável.
O mundo range como madeira antiga prestes a ruir. Há algo no ar que pressagia desabamento, como se tudo ao redor estivesse sustentado apenas pela memória do que já foi sólido.
O vento lá fora não sopra, fere, ele vem cortante, como se quisesse arrancar da pele os nomes que o tempo tatuou em silêncio.