Murilo Melo
Falta a voz ao pé d’ouvido causando-me arrepios na espinha e risos inesperados quando chega de surpresa com uma rosa vermelha recém-colhida no jardim. Falta o cheiro do perfume forte, marcante, preso no algodão da roupa que usa apenas para me agradar. A tristeza mal disfarçada, os soluços fora de hora, a ansiedade causando frio no estômago. Falta a dor por amar demais e a confusão por não saber se abraça ou afugenta o sentir
Ainda sinto falta da ponta do teu nariz frio mesmo em dias de verão, e do seu pescoço sempre quente e pronto para esquentar minhas pernas no inverno. As tardes ainda esperam as gargalhadas despreocupadas com sorvetes, e as noites aguardam ansiosas pelo cheiro da pizza de calabresa e a admiração como meninos bobos por céu estrelado
Eu soletro teu nome no escuro. Treino textos sem sentido para me declarar depois. Ouço sua voz ecoar pelos cômodos da casa. Ascendo a luz, mas não há ninguém.
Nunca tinha vivido uma história tão intensa, nem tão bonita, de arrepiar. Nunca havia me doado tanto, acreditado tanto, como essa agora.
Então eu banquei o sincero e te disse que o que me sufocava era essa demora, esse seu medo de iniciar o que já havia começado.
Eu pediria você. Se papai noel existisse, se estrelas cadentes realizassem sonhos, e se moedas na fonte funcionassem como nos filmes, eu pediria você para sempre.
Sofria de uma doença grave e sem cura chamada romantismo-sem-endereço. Amava quem ainda não se fazia presente, inventava planos, falava ao telefone sem ter ninguém na linha. Sonhava com um sujeito sem rosto, sem tato e sem voz. Criava uma vida, uma personalidade, umas histórias conturbadas, e vivia disso. Vivia das manias, dos defeitos e de umas brigas que nunca existiram. Admirava gravatas nas vitrines. Dizia um sobrenome de casamento. Guardava presentes na gaveta, colecionava cartas que mandava para si próprio. Nunca trancava a porta do quarto antes de dormir. Escrevia para ninguém. Chamava e esperava o futuro para que assim fosse.
E eu fico lembrando do seu jeito sério e suas palavras cuidadosamente escolhidas no momento em que o silêncio prevalece entre nós. Eu dou risada dessa sua cara porque essa coisa de melhor amigo, no nosso caso, nunca fez sentido dentro da minha cabeça.
Havia um pouco da gente em cada canto. Havia a gente. Era tanto, que eu não sabia distinguir você de mim.
Ainda sinto meus cílios dormentes, porque forço meus olhos, para que eu não adormeça, para não deixar de pensar em você.
E para que não doesse demais, deixei que o tempo resolvesse por si só. Não fazia mais o mínimo esforço para dar certo.
Às vezes passa só um pouquinho. Mas aí volta mais pesada, dolorosa, sem dosagem. Nenhum ser humano é capaz de aguentar. É uma dor desocupada, amargurada, infeliz. Me mata todos os dias.
Daí depois veio com aquele papo que eu apareci na hora errada, que eu era especial demais, que não queria me fazer sofrer. Mal sabia que eu já havia me entregado tanto, e que, a essa altura, não tinha mais volta.
Demorou, mas os ventos de maio chegaram. Espero que levem o que for contrário, desde sonhos quebrados até o que já se foi, mas insiste ficar. É preciso escancarar portas e janelas, reaprender a viver, a amar, a se doar com cuidado, com fé, sem angústia. É preciso aproveitar os ventos para se buscar, se renovar de alguma forma, ignorar quem não acrescenta. E, se não for pedir demais, é preciso comandar completamente a própria vida, começar esses dias se amando insaciavelmente.
A mulher mais linda da cidade
Minha mãe não entende o porquê eu não mudo mesmo depois dela ter me dado tantas broncas, mesmo depois de ter crescido, mesmo depois de passar a bancar o garoto maduro. Não entende que, mesmo depois dos vinte, eu nunca vou conseguir tomar sorvete ou comer macarrão sem me lambuzar feito uma criança de quatro anos, e ela vai sempre como uma boba ter que tirar às pressas a mancha da camisa branca, porque eu sempre digo que aquela é a minha preferida. Não entende que eu nunca vou me acostumar em acordar cedo, que eu vou sempre estar atrasado, correndo, atropelando os horários das refeições. E vai passar a vida reclamando que eu como coxinha de padaria, e que logo pegarei uma fraqueza e vou parar num hospital. Acho que ela não vai entender que eu nunca vou aprender a colocar água na forminha de gelo sem derramar, nem conseguir soltar uma gargalhada um pouco mais baixa, seguindo os bons modos que ela sempre me ensinou. Ela vai continuar reclamando que eu meto a mão na panela, que eu abro o forno antes do bolo ficar pronto. Não entende que eu nunca vou conseguir deixar de bater o dedinho do pé na quina, muito menos parar de ralar meus joelhos. Que volta e meia vou aparecer com um corte, mas não vou conseguir explicar como foi. E ela vai sempre como uma boba, com a testa vincada, preocupada ao ver o ferimento. Ela nunca vai entender que, ainda que eu tenha crescido, eu nunca vou aprender a descascar laranja, como também nunca vou aprender a fazer um bom suco, arrumar as malas para uma viagem sem colocar todo o meu guarda roupa lá dentro. Nunca vou trocar as meias por vontade própria, nem parar de colocar besteira na lista de compras. Minha mãe nunca vai entender meu armário desarrumado, minha gritaria no chuveiro, minhas cenas no celular. Nem as batidas de porta pra chamar atenção. Não adianta, ela sempre vai achar que é imaturidade, que essas atitudes são coisas de filho que não cresceu, e ainda vai pedir a Deus que um dia eu aprenda. Minha mãe não sabe, mas eu tenho um medo absurdo de um dia deixar de ser filho.
Depois apareceu dizendo que tinha arranjado um namorado novo, que estava cheio de planos, que nunca tinha sido feliz como agora. E eu pedia por dentro pra que esse não sofresse tanto quanto eu.
Às vezes eu penso que você deve ler as coisas que eu escrevo, ao lado de alguém, e deve ficar rindo da minha cara.
E era quando estavam juntos que todos desconfiavam que aquilo era mais do que amizade. Todo mundo via uma química explícita e absurda naqueles dois. No toque, nos gostos, no abraço, no olhar. Os dois sabiam que era amor, mas cansaram fácil de tentar entender o motivo de não dar certo. Teve uma vez que, juntinhos e a sós, um deles fechou os olhos, para depois abri-los devagarzinho, na esperança que houvesse um beijo doce. Mas não tinha acontecido nada. Parecia que nunca iria acontecer. Alguém precisava urgentemente tomar atitude.