Maria Almeida
Ninguém imagina como é doloroso descer ao fundo do poço e, de coragem molhada, sair dele sempre a sorrir.
A delícia de me sentir solta, sem amarras â sociedade e sem palmilhar os protótipos fixados, torna-me uma borboleta esvoaçando por cima de um campo minado.
A vida bate sempre forte. São poucos os lapsos do tempo em que o não faz. A cada um cabe a destreza de se deixar ficar ou de se encher de força para continuar.
A minha consciência tem-me salvado e protegido, colocando-me no meu devido lugar e naquilo que sou, quando aquilo que não sou irrompe negativamente e obscurece os meus sentidos.
Saí do carro e vi o Sol rasar o topo das árvores. A tarde volatizava-se morna. Sacudi a cabeça, com a luz a ferir-me os olhos, e, sem querer, recordei uma velha canção. Uma sensação estranha percorreu-me o corpo, como se o meu coração adormecesse numa espécie de formigueiro, num daqueles segundos em que se sabe que não há retorno. Os meus lábios sorriram. De tanto perder, a verdade iluminada impede-nos de errar. Senti-me o extremo, querendo, de alguma forma surpreendente e nova, a seiva das árvores e o percurso da terra.
Deixe acontecer aquela vontade que surge em certas manhãs, em que nada lhe apetece fazer, nem mesmo sair da cama. Seja flexível. Todos temos preguiça. Todos somos humanos.
Ainda não fiz nem vivi tudo. Muito longe disso. Mas a minha vontade não é cinzenta e não deambulo. Caminho de mãos dadas comigo, sem mágoas ou ressentimentos, caminho para a vida, orientada por poderosos objetivos, com os meus sonhos nas mãos e os meus desejos no coração. Posso até parecer ridícula ou tocar o exagero, mas os olhos dos outros não são os meus e os meus vêem a essência, o fundamento e a existência.
A noite é o descanso da alma preparando-se para o dia seguinte, é o perdão verbalizado em emoções e o sonho fazendo cócegas no coração.