Maria Almeida
Que eu possa sempre cuidar das amizades que me amam e me querem bem e que eu sempre possa entendê-las sem necessidade de nada falarem e de nada expressarem.
Se existe algo de que me orgulho, é nunca ter atrapalhado a vida fosse de quem fosse, e isso deixa-me franca e relaxadamente feliz.
A ousadia desagradável é sobre a verdade e sobre a mentira.
Chega uma hora em que é preciso fazer algo propositado que escandalize todos, mesmo que isso te custe, mesmo que isso te arranque lágrimas enquanto o fazes, mesmo que isso - à partida - te destrua, não ao que conservas dentro, mas ao que exteriormente não é habitual e não esperam de ti. Serás silenciosamente censurada e verbalmente condenada. Poderás ler nas linhas das tuas mãos a desilusão e a deceção que causaste. Esquecerão tudo o que és e passarás a ser o que não és. É o momento de todos aproveitarem para partir, porque é assim que o esperas. É o momento, porque o originaste, ainda que propositadamente, e facilitaste a partida de quem apenas quer o perfume da tua vida. E então saberás. Se só queres o que for verdadeiro, saberás. Nem que a única verdade seja a tua.
Sentirmo-nos responsáveis pelos outros parece, nos dias de hoje, uma coisa extremamente rara e desconexa. Sobretudo para o bem.
As pessoas de coração puro nunca se esquecem e vivem dentro de nós como anjos permanentes em nossas vidas, passe o tempo que passar.
E ela ficou a vê-lo, ao longe, sentindo dentro dele as suas várias reticências.
Olhá-lo nos olhos seria revelar-se, estendendo a felicidade à sua volta.
O frio surpreendeu-a ao sair do carro.
A claridade não chegou propriamente a verificar-se e a neve desembaraçava-se para além da invernal primavera.
Levantou a gola do casaco e puxou-a, tentando não sentir a temperatura que caía a pique.
Um homem olhou-a e fixou-a com as pupilas penetrantemente recortadas. Evitou o olhar ostensivo e apressou o passo com uma facilidade impressionante.
Sorriu à sua própria sombra.
Fizera bem em ir.
O canto dos anjos invadia e adensava o seu pensamento.