Poesia do Carlos Drumond - Queijo com Goiabada
É difícil explicar que um poema
não possui objeto como um navio
os recipientes desse uma estação as flores dela
Indivisível como um número primo
Ele foge do tempo como você
e acaba
quando você deixa de escrever deixa
de ler quando você não se
lembra mais do que você acabou de ser
há apenas um instante
durante um momento durante uma palavra
rampa do cais flama poeira cometa
que assobia para um bando
de pequenos pássaros cantando longe
sobre nós tudo afastado nada tangível
nem mesmo preto no branco
Este verão me ensina
que a solidão descansa
e se expande em um abraço
Este verão me ensina
a não confundir um corpo
disponível
com a ânsia pela alegria
Este verão me ensina
a ser um espelho de água para cada pedra
Este verão me ensina
a amar pequenas e grandes bolas de sabão
antes que rebentem
Este verão me ensina
que mesmo sem alguém
tudo continua
Este verão me ensina
que devo bater eu mesma os tambores
se quiser dançar
Este verão me ensina
a ser por alguns segundos sem felicidade sem tristeza
aliada de Deus
Este verão me ensina
a acordar de manhã. Grata. Sozinha.
Este verão me ensina
que a folha do limoeiro apenas exala seu aroma
quando esmagada entre os dedos.
Que amor que encanto faça favor
Ah pois a emancipação é um
chazinho-de-quinta-feira-à-tarde
Todas trazem qualquer coisa para mastigar
Podes invocar Safo, Cavafy ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de eternidade
Ao Espelho
E de repente chegas aos
quarenta e tal anos
e palavras como colesterol
hipertensão astigmatismo
começam a invadir a tua
vida... Olhas para trás e
o que vês? Uma pomba
com uma das asas ferida
condenada ao mais terrí-
vel pedestrianismo
Mãe
Não consigo adormecer
Já experimentei tudo. Até contar carneirinhos
Não consigo adormecer
Nem chorar
(Que maior tragédia poderá acontecer a um homem do que a de já não ser
capaz de chorar?)
Quando me levantei já as minhas sandálias andavam a passear lá fora na relva
Esta noite até os atacadores dos sapatos floriram
As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.
E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».
É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
O perdão está dado;
O traidor está curado;
O amor sentou-se
de pernas abertas
diante de mim.
Vem cá, morena.
Ele é brega.
Vá, são todos iguais,
mas uns são mais.
Lamento,
mas, se virar poema,
já é vantagem.
Melhor que virar
pura bobagem.
Peças de madeira em pau-marfim
A linha dos olhos
faz flechas da cor de futuros
As mãos formam conchas
de pegar contentamentos
Os pés são grandes como
as telas holandesas realistas
O corpo inteiro é um tabuleiro
de jogar jogos de azar
As costas quadriculadas
As coxas quadriculadas
A boca quadriculada
Onde eu me finjo
de dama
Trágica
meu galego
não conhecia minha ira
era dono do meu corpo
meu espírito de porco
sabia minha ginga
minha pletora, minha míngua
conhecia cada fresta
cada trinca, cada aresta
cada vinco, furo, fissura,
mau humor, amargura
mas da minha ira
condenada ira
ira da maldita
ira de mulher
fêmea exata
ana saliente
uterina, enfezada
ele não sabia nada
(meu galego dorme esta noite num cemitério improvisado)
EU NÃO TENHO A ALMA DE UM CORRIMÃO
Eu sou mais elo, de liga e do laço.
Respeito para mim é coisa fina,
assim como o abraço.
Mais do que as transas e os beijos,
as mãos dadas me parecem mais sinceras.
Tão ruins quanto as promessas
são as esperas.
Somos a terra e a semente
carne de aluguel em alma de rainha
as submissas as bacantes
as que procriam e as que não
Somos as que evitam o desastre
as que inventam a vida
as que adiam o fim
mulher
multidão
Todo corpo é uma casa
cada corpo é um frasco onde se lê: frágil
onde se lê: força
onde se lê: entre sem bater
Há entre nós silêncios confortáveis
e conversas transparentes
palavras feitas de dedo e vapor
palavras que só acordam com o calor
Netuno
Crê em trilhas,
insólitos anéis,
luas diversas.
Adagas sustentam
frágeis
estalactites.
Entre o gélido
e os ventos
o corpo filtra:
o meio.
Nem grande,
nem pequeno,
Nem perto,
nem longe,
o mais pesado:
o centro.
Tracionada a ferrugem dos ferrolhos
reage ao sol
e rescende o cheiro dos carvalhos
no escorrer das ocras:
o ferro a menstruar no tempo.
Transversa
a luz revela o desenho das teias:
colcha prateada de neurônios
– esses nervos da vida.
Firmes ali sem mais estar
mãos invisíveis no ensaio do tear.
Cachimbo de domingo
Cadê o gado?
Buscar na Índia.
E o pasto?
Derrubar árvore, plantar capim.
E o capim?
Braquiária: buscar na África.
E a fome?
Come carne, toma leite.
Vila verde
fome saciada.
Escorre água,
mareja areia.
Pasto pisado de gado.
Casa de capim.
Rio doce assoreado.
Calores!
O coração como engrenagem
Uma passarinha voava
Um passarinho olhava
A gravidade do ar acabou
Passarinho ficou flutuando
Passarinha caiu de amor.
✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.
Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.
Entrar no canal do Whatsapp- Relacionados
- Poesias de Carlos Drummond de Andrade
- Poesia de amigas para sempre
- Poesia Felicidade de Fernando Pessoa
- Poemas de amizade verdadeira que falam dessa união de almas
- Poemas de Carlos Drummond de Andrade
- Poesias para o Dia dos Pais repletas de amor e carinho
- Poesia de Namorados Apaixonados