Poemas de José Saramago
Cala-te, […] calemo-nos todos, há ocasiões em que as palavras não servem de nada, quem me dera a mim poder também chorar, dizer tudo com lágrimas, não ter de falar para ser entendida.
(...) de que adiantaria falar de motivos, às vezes basta um só, outras vezes nem juntando todos, se as vidas de cada um de vocês não vos ensinaram isto, coitados, e digo vidas, não vida, porque temos várias, felizmente vão-se matando umas às outras, senão não poderíamos viver.
“...não há diferença nenhuma entre cem homens e cem formigas, leva-se isso daqui para ali porque as forças não dão para mais, e depois vem outro homem que transportará a carga até a próxima formiga, até que, como de costume, tudo termina num buraco, no caso das formigas lugar de vida, no caso dos homens lugar de morte, como se vê não há diferença nenhuma.”
O que tem de ser, tem de ser, e tem muita força, não se pode resistir-lhe, mil vezes o ouvi à gente mais velha, Acredita na fatalidade, Acredito no que tem de ser.
«... e depois aconteceu aquele longo diálogo diante do espelho, árvore do conhecimento do bem e do mal, não tem nada que aprender, basta olhar, que palavras extraordinárias teriam trocado os seus reflexos».
«...é como viver, nascemos, vemos os outros a viverem, pomo-nos a viver também, a imitá-los, sem sabermos porquê nem para quê»
«elas não são, as palavras, aquilo que declaram, estar só (...) é muito mais que conseguir dizê-lo e tê-lo dito».
Simplesmente não calar.
Há uma regra fundamental quando se vive como nós estamos a viver – em sociedade, porque somos uns animais gregários – que é simplesmente não calar. Não calar! Que isso possa custar em comunidades várias a perda de emprego ou más interpretações já o sabemos, mas também não estamos aqui para agradar a toda a gente. Primeiro, porque é impossível, e segundo, porque se a consciência nos diz que o caminho é este então sigamo-lo e quanto às consequências logo veremos.
Quando a preocupação é cada vez mais ter, ter e ter, as pessoas se preocuparão cada vez menos em ser, ser e ser.
Há duas palavras que não se podem usar: uma é “sempre”, outra é “nunca”.
É de todos conhecidos, porém, que a enorme carga de tradição, hábitos e costumes que ocupa a maior parte do nosso cérebro lastram sem piedade as idéias mais brilhantes e inovadoras de que a parte restante ainda é capaz...
(O homem duplicado)
Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de contrição, quis mudar o seu nome e para um outro mais humano. Falando a multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça”. E a multidão respondeu-lhe: “Justiça, já nós a temos, e não nos atende”. Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito”. E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece”. E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”. Disse a multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite.”
A maior dificuldade para chegar a viver razoavelmente no inferno é o cheiro que lá há.
A cegueira também é isto, viver num mundo onde se tenha acabado a esperança.
A vida, que parece uma linha reta, não o é. Construímos somente uns cinco por cento da nossa vida, o resto fazem os outros, porque vivemos com os outros e às vezes contra os outros. Mas essa pequena porcentagem, esses cinco por cento, é o resultado da sinceridade consigo mesmo.
O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta.
A nossa vida é feita do que nós fazemos por ela, e do que temos que aceitar dos outros.
Utopia é uma coisa que não se sabe onde está, nem quando virá nem como se chegará a ela. A utopia é como a linha do horizonte: sabemos que, embora a persigamos, nunca chegaremos a ela, pois a cada passo ela se distancia mais, colocando-se fora, não do alcance dos olhos, mas do nosso alcance.
Não há nenhum caminho tranquilizador à nossa espera. Se o queremos, teremos de construí-lo com as nossas mãos.
Incutiu-se em nossas mentes essa nova ideia segundo a qual, se você não consome, você não é nada. E é tão mais quanto mais for capaz de consumir. Se o ser humano vê a si mesmo como um consumidor, todas as suas capacidades diminuem, pois todas serão colocadas a serviço de uma possibilidade cada vez maior de consumir.