Poemas de José Saramago

Cerca de 230 poemas de José Saramago

A vida tem me ensinado que nenhuma coisa é simples, que só às vezes o parece, e que é justamente quando mais o parecer que mais nos convirá duvidar.
(O homem duplicado)

Toda a obra literária leva uma pessoa dentro, que é o autor. O autor é um pequeno mundo entre outros pequenos mundos

"Lembra-se de ali estar sentado em outros tempos, tão distantes que pode duvidar se os viveu ele mesmo; ou alguém por mim, talvez com igual rosto e nome"

Nós estamos a assistir ao que eu chamaria a morte do cidadão e, no seu lugar, o que temos e, cada vez mais, é o cliente. Agora já ninguém nos pergunta o que é que pensamos, agora perguntam-nos qual a marca do carro, de fato, de gravata que temos, quanto ganhamos.

Não se pode exigir a toda a gente que seja sensata. Por isso o mundo está como está. (O homem duplicado)

A única e autêntica liberdade do ser humano é a do espírito, de um espírito não contaminado por crenças irracionais e por superstições talvez poéticas em algum caso, mas que deformam a percepção da realidade e deveriam ofender a razão mais elementar...

Quando a igreja inventou o pecado, inventou um instrumento de controle, não tanto das almas, porque à igreja não importam as almas, mas dos corpos.

Pode-se sempre pôr a palavra boa sobre a má palavra, mas nem uma nem outra poderão ser retiradas.

José Saramago
Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

(...) que os homens são anjos nascidos sem asas, é o que há de mais bonito, nascer sem asas e fazê-las crescer, isso mesmo fizemos com o cérebro, se a ele fizemos, a elas faremos (...)

De fato, nunca se sabe muito bem para que servem as vitórias, suspirou o professor de matemática. Mas as derrotas sabe-se muito bem para que servem.
(O homem duplicado)

...o seu pensar não foi assim tão claro, o pensamento, afinal de contas, já por outros, ou o mesmo, foi dito, é como um grosso novelo de fio enrolado sobre si mesmo, frouxo nuns pontos, noutros apertado até a sufocação e ao estrangulamento, está aqui, dentro da cabeça, mas é impossível conhecer-lhe a extensão toda, seria preciso desenrolá-lo, estendê-lo, e finalmente medi-lo, mas isto, por mais que se intente, ou finja intentar, parece que não o pode fazer o próprio sem ajudas, alguém tem que vir um dia dizer por onde se deve cortar o cordão que liga o homem ao seu umbigo, atar o pensamento à sua causa.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)

"Como também vai sendo costume, foi muito louvada a minha sinceridade, mas, creio que pela primeira vez, esta insistência e esta unanimidade fizeram-me pensar se realmente existirá isso a que damos o nome de sinceridade, se a sinceridade não será apenas a última das máscaras que usamos, e, justamente por última ser, aquela que afinal mais esconde."
José Saramago, in Cadernos de Lanzarote

⁠O que chamamos democracia começa a assemelhar-se tristemente ao pano solene que cobre a urna onde já está apodrecendo o cadáver

Tendo subido a uma montanha para alcançar as paisagens de além, resiste a regressar ao vale enquanto não sentir que nos seus olhos deslumbrados já não cabem mais vastidões.

José Saramago
Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

"É uma impressão estranha, esta de me olhar num espelho e não me ver nele, Não se vê, Não, não me vejo, sei que estou a olhar-me, mas não me vejo, No entanto, tem sombra, É só o que tenho."

"Também no interior do corpo a treva é profunda, e contudo o sangue chega ao coração, o cérebro é cego e pode ver, é surdo e ouve, não tem mãos e alcança, o homem, claro está, é o labirinto de si mesmo"

«Você bem sabe que eu não tenho princípios,hoje defendo uma coisa, amanhã outra, não creio no que defendo hoje, nem amanhã terei fé no que defenderei»

«...ter de viver em algum lugar, compreender que não existe lugar que não seja lugar, que a vida não pode ser não vida».

O egoísmo pessoal, o comodismo, a falta de generosidade, as pequenas covardias do cotidiano, tudo isso contribui para essa perniciosa forma de cegueira mental que consiste em estar no mundo e não ver o mundo, ou só ver dele o que, em cada momento, for suscetível de servir os nossos interesses.

José Saramago
África. Diário de Notícias, 11 ago. 2009.

Nada começa que não tenha que acabar, tudo o que começa nasce do que acabou.
(O Evangelho Segundo Jesus Cristo)