Poemas a um Poeta Olavo Bilac
"É utópico. A única alternativa possível é a economia liberal com uma população cristã." [Sobre a alternativa distributista, ou distributivista, de Chesterton e Belloc]
O método brasileiro de leitura consiste em impressionar-se positiva ou negativamente com algumas palavras e enxergar nelas o sentido do texto; ou em adivinhar esse sentido por meio de conjeturas sobre as ligações do autor com grupos, partidos e interesses que ele na maior parte dos casos desconhece.
O individualismo, em si, não tem sentido, porque a individualidade humana não é causa sui: ela depende de um quadro cultural e político que, justamente, só as tradições podem criar. Vocês podem averiguar, historicamente, que a consciência de individualidade humana, como a conhecemos hoje, esteve ausente em toda a humanidade anterior ao cristianismo. Um primeiro vislumbre surge na Grécia, mas só entre intelectuais (é o assunto do livro maravilhoso de Bruno Snell: A Descoberta do Espírito). Solta a si mesma, a individualidade se decompõe em fragmentos cada vez menores e se dissolve atomisticamente nas forças ambientes. O máximo de liberdade aparente conduz aí à total escravização.
O mais grosseiro vício de pensamento – e o efeito mais visível do analfabetismo funcional – é a 'ignoratio elenchi': a incapacidade de perceber qual o ponto em discussão. Seu sinal mais patente é a dissolução do específico no genérico. Por exemplo, se estamos discutindo a questão da Eucaristia nas doutrinas de Lutero e Calvino, o analfabeto funcional transforma isso logo num confronto geral de protestantismo e catolicismo, e dispara contra a igreja adversária todas as acusações mais disparatadas que lhe vêm à cabeça, sem notar que cada uma delas não apenas é incapaz de resolver a questão inicial, mas levanta, por si mesma, uma discussão em separado, em geral tão difícil e complicada quanto a primeira. [...] É evidente que nenhuma discussão racional sobrevive a essa operação, a qual dissolve todas as questões num confronto geral de torcidas – uma disputa 'política' no sentido de Carl Schmitt, impossível de ser arbitrada senão pelo recenseamento do número de gritos.
O Fábio Salgado de Carvalho, assim como o Raphael De Paola e mais meia dúzia, está entre os alunos mais qualificados para prosseguir o meu trabalho -- e até dar-lhe um 'upgrade' -- quando eu bater as botas ou ficar gagá.
No Brasil, quando o sujeito aprendeu a comparar uma frase com outra frase para ver se concordam ou discordam, acha que chegou ao cume do desenvolvimento humano.
Mas eu me lembro de que o primeiro feito intelectual que me impressionou, quando eu tinha uns dezoito anos de idade, foi a similaridade que Georg Lukacs encontrou entre o gênero romance e a ordem capitalista -- uma comparação entre duas estruturas invisíveis, escondidas no fundo de um longo processo histórico. Ainda acho essa descoberta um momento de brilho incomum na história dos estudos literários.
Todo o espírito da esquerda universal se condensa e se revela num único episódio exemplar: Stalin ajudando Hitler a construir o seu exército -- fazendo de um partideco provinciano um flagelo mundial -- e depois posando de heroizinho antifascista.
Vencer os comunolarápios não basta. É preciso bani-los da vida pública PARA SEMPRE. Entenderam? PARA SEMPRE. E só há um meio de fazer isso: Não deixar que a velha geração esqueça e as novas gerações ignorem o que eles fizeram. Os crimes inumeráveis que eles cometeram -- e os muitos outros que preparavam -- garantiram para eles o direito à imortalidade: a imortalidade da vergonha, do opróbrio e da desonra. Negar-lhes isso é fazer-lhes uma tremenda injustiça.
É claro que, para cada domínio especial do conhecimento e da vida, uma faculdade em particular se destaca, ainda que sem se desligar das outras: o raciocínio lógico nas ciências, a imaginação na arte, o sentimento e a memória no conhecimento de si, a fé e a vontade na busca de Deus. Mas, sem a inteligência, que é cada uma dessas funções, ou a justaposição mecânica de todas elas, senão uma forma requintada de fetichismo? Que é uma imaginação que não intelige o que concebe, um sentimento que não se enxerga a si mesmo, uma razão que raciocina sem compreender, uma fé que aposta às cegas, sem a visão clara dos motivos de crer? São cacos de humanidade, jogados num porão escuro onde cegos tateiam em busca de vestígios de si mesmos. Toda “cultura” que se construa em cima disso não será jamais senão um monumento à miséria humana, um macabro sacrifício diante dos ídolos.
"Entre o 'Jesus histórico' e o 'Jesus da fé' -- isto é, aquele que os documentos antigos atestam e aquele que aparece no imaginário das épocas posteriores --, há um elemento mediador, sem o qual a unidade dos dois se torna invisível: o Jesus operador de milagres, cuja presença e ação tem mais provas do que a existência de qualquer personagem histórico de qualquer época. Ignorando esse terceiro elemento, o pateta compara duas abstrações e acha que fez um grande trabalho histórico."
"Os sentimentos pessoais estão proibidos. Você só pode sentir de acordo com o que o grupo de pressão manda. O caso da Claudia Jimenez é exemplar. Se ela sente que era lésbica só por timidez de arranjar homem, ela não pode dizer isso em público, pois será acusada de 'trair-se a si mesma', como se a autenticidade dos sentimentos dela não fosse matéria de foro íntimo, mas de decisão alheia."
"O gênero só é 'superior' às suas espécies no sentido puramente lógico-formal, porque as abrange no seu conceito sem ser abrangido por nenhuma delas, mas, ontológica e substancialmente, não é ele próprio uma espécie que possa ser comparada às outras e julgada 'melhor' que esta ou aquela dentre elas ou -- muito menos -- a elas todas. Só as espécies entre si podem ser comparadas e hierarquizadas. Na escala dos seres vivos, o leão é superior à pulga, mas o gênero 'animal' não é ele próprio um animal, não sendo portanto zoologicamente superior a um nem à outra.
É numa grotesca falácia lógica que se baseia, portanto, TODA E QUALQUER idéia de uma 'religião universal' da qual as religiões específicas não seriam senão símbolos historicamente condicionados. Esse prestigioso mito, que hoje anda na boca de todo mundo, só prova, no seu porta-voz, uma INFERIORIDADE INTELECTUAL MONSTRUOSA, quase um retardo mental."
"Se futebol, carnaval e samba são as coisas mais tipicamente brasileiras, então o Duguin tem razão: ele é mais brasileiro do que eu. Mas não custa lembrar que quem fez dessas três porcarias os símbolos do Brasil não foi o povo: foi o Departamento de Imprensa e Propaganda da ditadura Vargas."
Discussão pública não é mera troca de opiniões pessoais, nem torneio de auto-imagens embelezadas: é eminentemente intercâmbio de altos valores culturais válidos para toda uma comunidade humana considerada na totalidade da sua herança histórica e não só num momento e lugar.
O direito de cada um à atenção pública é proporcional ao seu esforço de dialogar com essa herança, de falar em nome dela e de lhe acrescentar, com as palavras que dirige à audiência, alguma contribuição significativa. O resto, por 'bem intencionado' que pareça, é presunção vaidosa e vigarice.
A idéia mais cretina que já passou pela cabeça humana foi a de que a ciência e a tecnologia iriam aumentar a liberdade humana. Elas só aumentam o poder dos que têm sobre os que não têm.
Da minha própria definição da filosofia como 'unidade do conhecimento na unidade da consciência e vice-versa', decorre que a primeira obrigação do filósofo é abrir-se a todas as correntes de pensamento, a todos os valores que estejam em luta no seu tempo, deixar-se impregnar por eles sem nenhum julgamento prévio e, aos poucos, ir buscando alcançar uma atitude intelectual de conjunto que faça justiça aos vários pontos de vista, baseando nisso a construção da sua personalidade e o seu senso de orientação na vida e no conhecimento. Isso implica que ele só deve começar a expor publicamente os seus pontos de vista quando alcançar um certo nível de maturidade intelectual (foi por isso mesmo que só publiquei meu primeiro livro aos 48 anos de idade, uma das estréias mais tardias da literatura nacional). E é óbvio que qualquer investigação dos capítulos da sua vida anteriores a esse momento revelarão aspectos da sua formação que depois se integraram num quadro maior com novo significado, e que isoladamente NÃO SÃO provas de 'adesão' a esta ou àquela idéia. Só à luz da sua filosofia atual se pode compreender esses capítulos, mas o observador ignorante ou malicioso pode fazer aí uma confusão dos diabos, tomando etapas de um aprendizado como se fossem dogmas de uma crença. No Brasil, onde tantos, em compensação da insignificância das suas vidas, gostariam de posar de detentores de 'inside informations' escandalosas e demolidores de reputações, a tentação de fazer isso é quase irresistível.
"A fé sem as obras é morta" não quer dizer apenas que a fé sem obras é uma fé diminuída, incapaz de salvar. Quer dizer que ela NÃO OPERA como verdadeira fé, que é mera crença ou idéia e não fé, isto é, que ela não existe de maneira alguma. Se a fé mesma já não é em si um agir, um trabalho, uma OBRA no interior da alma, ela não existe exceto como hipótese.
O princípio de TODA compreensão histórica e sociológica é o amor ao próximo, incluindo a preocupação pessoal com o seu destino eterno. Ignorando isso, o estudioso não se coloca na posição real de indivíduo humano concreto, mas na de um observador divino hipotético, na qual toda a sua visão da realidade histórico-social se reduz a uma dança de estereótipos.
"Uma criança pequena pode aprender matemática, gramática, ciências naturais, desenho, música, dança e esportes sem grande dificuldade. Mas a História e sobretudo a filosofia dependem de uma compreensão mais madura da vida."
É no mínimo curioso, para não dizer cômico, que alguém se considere filósofo por ter cursado uma faculdade de filosofia. Pela lógica, o que o sujeito é se define pelo que ele faz e não pelo que recebeu pronto dos outros. A qualificação numa atividade profissional prova-se no seu exercício e não na mera autorização recebida para exercê-la. Um diploma de letras não faz de você um escritor, um diploma de Direito não faz de você um advogado. Tudo depende do que você faz depois de recebê-lo. Isso é tão óbvio que ter de explicá-lo já prova que o nosso interlocutor é um jumento. Escreva pelo menos três livros de filosofia que os outros filósofos considerem importantes, ou dê cursos onde as pessoas sintam encontrar algum ensinamento filosófico valioso, e aí sim diga que é filósofo. Um diploma prova apenas que seus professores o consideraram apto a tornar-se filósofo, e não que você já o seja efetivamente.
