Poema Filosofia e Arte
Meu amor
Seja tu o meu salvador
Beije-me com teu calor
Proteja-me do rancor
Ame com intensidade
Se aprofunde em minha verdade
Quero que de mim, você faça parte
Eu sou seu último pedaço de liberdade
Se apodere de tudo o que eu chamo de meu
Faça parte do meu novo eu
Tome para você o que jamais me pertenceu
Enalteça tudo aquilo que se perdeu
Me invada por dentro
Seja meu unguento
Não me traga arrependimentos
Você é o meu sentimento
Me coma
Me invada
Se aprecie
Se sacie
Me faça teu último ato de pecado
Por mim, você jamais será largado
Terceira pessoa
A noite escura recai
As estrelas iluminam as praças
E a boemia perfuma as ruas
Todos largados e abandonados
Mas não destoante da história
Escondida no declínio da saudade
vejo uma luz
Entre as garrafas de vinho que comigo compadecem
Vejo pessoas indo e vindo
Entradas e saídas
De grandes amores que nunca conhecerei
Conjuro versos feridos por ausência de amor
Com razão, prazer e saber
Procrastino
Reflito
Deixo o tempo passar
Vasculho lembranças do passado
Por tênue
Por iluminada
Por filosofia que sou
Entre amores e ressacas
Reergui-me
Nada sei
Nada perdi
Onde vou
Ou como sou
A noite é relativa nesses confins
Lá fora
Choram corações
Sofrem e mendigam amor
Eu não estou mais lá
Longínqua eu os observo
Apenas os observo.
"Saudade Que Fere"
Tá difícil esquecer,
Tirar você de mim,
Nos meus olhos posso ver
Seu adeus doendo assim.
Esse amor que me feriu,
Sem prometer machucar,
Deixou um vazio frio,
Que não sei como apagar.
Cada lembrança que invade,
Traz o seu riso em vão,
E essa saudade arde
No peito, feito prisão.
Lágrimas descem sozinhas,
No silêncio a soluçar,
E o adeus que me avinha,
Continua a me sangrar.
Eu não sabia, confesso,
Que um amor assim doía,
Agora em versos eu peço,
Que volte a minha alegria.
𝗔 𝗗𝗲𝘀𝗽𝗲𝗱𝗶𝗱𝗮
Quando eu falecer,
Quando eu tiver de morrer,
Não me deixem ao apodrecer,
Me deixem ao amanhecer.
Não me façam velório,
Pois não irei ver,
E nem conversar,
Com os que querem me visitar.
Não me tragam flores,
Não me façam funeral,
Para não derramar as lágrimas dos que me queriam bem,
E não tirar o sorriso dos que me queriam mal.
Não me façam lápides,
Nem túmulos,
Pois não demonstram,
Se importar quando estive nesse mundo.
Agosto no Cio
Nuvens vermelhas flutuam baixo. As circunstâncias atmosféricas do mês de agosto facilitam sua formação em níveis vulneráveis à sensualidade humana, absorvendo as gotículas de sangue lançadas ao ar enquanto vociferamos nossos temores, nossas aflições, paixões, fúrias e desejos, sangrando como fêmeas férteis cujos óvulos não foram fecundados.
Noites longas, frias e densas. Eis nossos corpos envoltos pela nebulosa encarniçada: entramos no cio e a grande fera sopra seu vapor sanguinário no deserto.,
Hei, Senhor Lupino! Abandone seu covil e venha me pegar!
[...]
Sinto seu hálito, seus beijos, sua língua úmida descendo por meu pescoço, minhas costas, meus seios, minha barriga, meu templo.
Gemidos, sussurros: a heresia de uma fase lunar personificada pela condensação de nossos instintos carnívoros.
Seus lábios macios sugam o fluido ferruginoso que verte de minhas nascentes em resposta à efervescência de suas carícias sinuosas.
Sua fera pulsa entre minhas coxas.
E eu sei: o Deus-homem nunca morreu.
Cifras
O grito veio do fundo mudo
e ecoou oco, aos poucos.
Não era um grito de susto,
não era um grito de raiva,
tampouco era um grito de empolgação ou de alegria.
Era, sim, um grito ressentido;
era, sim, um grito gritado para que todas as lágrimas fossem choradas.
O mais belo de todos os gritos,
feito de um fôlego só,
de uma só dor,
Ade uma dor só,
O PAREDÃO MARIANO
.
.
Os anjos libertadores,
incumbidos de trazer a chave da Sociedade Livre,
morreram todos no Paredão Mariano.
.
Não me lembro se foram fuzilados,
se fluíram por um corte na garganta,
ou se alguns morreram de gripe...
.
O que sei é que sua marca ficou nos muros
que foram pichados pelas cidades
de países passados e futuros.
.
Os anjos libertadores
morreram por uma venda
no Paredão Mariano.
.
O Paredão Mariano não existe.
Sua pedra e sua largura
são por conta da imaginação do poeta;
.
mas sua imagem me veio tão nítida,
como se fosse o sonho de um pesadelo vivo,
que herdei o desespero dos condenados.
.
O Paredão Mariano:
a dureza das suas paredes frias
... o horizonte de metralhadoras e fuzis
prestes a roubar a vida.
..
O Paredão Mariano não existe:
sua pedra e sua largura
são ficções de um poeta louco.
.
Não há registro histórico;
mas seus olhos me gritam tanto,
e sonhar é tão pouco...
.
O que foi feito dos anjos libertadores
diante do horizonte de metralhadoras?
Em forma de brilhos, terão sobrevivido?
.
Será que, em música, foram convertidos,
e hoje trilham no céu noturno
o leite alegre das estrelas?
.
E o Paredão Mariano, que não existe?
.
Existirá, por ventura,
em algum ponto da memória
de futuros torturadores?
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Sintonia Fina, 2022]]
TRISTEZA MARAVILHOSA
.
.
Rio de Janeiro,
sob teu corpo de concreto
teu santo padroeiro
dorme, como um feto.
.
Ainda não nasceu, teu santo,
ainda é cedo para o milagre;
e a lágrima doce do teu pranto
não é vinho, é só vinagre.
.
Baía de Guanabara,
como mente o teu postal.
Vejo fome em pau-de-arara
sob a camada social.
.
Queria entender teu segredo,
tua miséria, tua mentira;
mas o que vejo é o degredo
que escapa da tua mira.
.
Seres humanos migratórios
compelidos à mudança
cujos mortos compulsórios
são produtos da esperança.
.
Rio, Deus te abençoe,
e do alto do Corcovado
em pedra o Cristo nos perdoe
por teu índio dizimado.
.
Cidade Maravilhosa,
herança dos guaranis...
na tua culpa misteriosa
guarda a lembrança dos brasis.
.
Rio, cidade poesia,
olha teu negro na construção;
não lhe conceda alforria:
tu és a própria escravidão.
.
Rio, alguém que tardia
espreita em teu carnaval;
sobre a tua fantasia
jaz a beleza de um postal.
.
Rio de Janeiro,
teu caminho não é reto;
ao sul do teu cruzeiro,
um voto vira um veto.
.
Ainda não nasceu teu quebranto,
ainda é cedo para o céu;
e a cachaça do pai de santo,
não é néctar, é só mel.
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Insurgência, 2023]
MISTÉRIO DAS ESTRELAS
Se há mistério no mundo,
digo-lhe às estrelas,
que se mostram e se escondem.
Correm elas da alegria justa e
se entregam as tristezas vãs.
Ah quanto mistério, carregam as
estrelas... Ardem ao desprezo
e se enturvam ao regozijo verdadeiro.
De todo modo aos astros não se impõe regras, pois preferível
a liberdade é, de quem vai e vem. Do que se pode e do que se tem,
restam apenas o mistério da vida, qual se carrega alguém.
O REFUGIADO A NADO
.
.
O sal das lágrimas
misturava-se ao das águas:
só queria vida, só queria um chão.
.
Mas encontrou as armas, nas mãos de um guarda.
Encontrou o exército, de todos os países do mundo,
e a serviço de todas as burocracias do Universo.
.
Ele pedia um lugar, e implorava pão;
mas encontrou um muro,
para além dos muros
(não bastassem as águas
contra as quais nadava).
.
O Refugiado a Nado
construiu seu escafandro
com garrafas e boias de plástico.
Conseguiu quebrar a violência das ondas...
Mas não conseguiu derreter o coração das autoridades.
.
Duros, e como a um peixe, devolveram-no ao mar
– ao mar da morte, e da vida em morte –:
ao mar cinza dos apátridas
a quem não se quer.
.
Devolveram-no
– ao Refugiado a Nado –,
como se nunca o tivessem recebido.
Entregaram-no àquela vasta extensão de oceano
– desoladora, fria, e muito mais implacável –
para além do Mediterrâneo,
e de todos os mares:
para aquém da Terra.
.
Depois que ele se foi,
como se não tivesse chegado,
rasgaram sua presença como uma foto incômoda.
No fim, os noticiários o deglutiram ao avesso
como uma fome indigesta...
qual mera curiosidade
para sessão da tarde
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Crioula, nª31, 2023]
DEUS É BRASILEIRO
.
.
Dizem que Deus é brasileiro
(que se desespera,
que também não mora,
que também tem fome,
que a si mesmo come).
.
Dizem que Deus é brasileiro:
que gosta de samba,
que gosta de praia
(que também não fala,
que também se cala).
.
Dizem que Deus (foi) brasileiro...
Morreu aos cinco anos de idade,
quando era uma criança retirante
– cumprindo a taxa de mortalidade.
.
.
[[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Insurgência, 2021]
PEIXE NO AQUÁRIO
.
.
Um peixe no aquário
é um peixe-encerrado,
é um peixe-impedido,
é um peixe-cercado
por todos os lados.
.
Um peixe levado
para um aquário maior,
ainda assim é um peixe
neste aquário maior.
E se lhe dermos uma represa
com proporções oceânicas,
teremos agora um peixe
no aquário da Terra.
.
Ah... cruel infelicidade aquática!
Um peixe, onde for que esteja,
depara-se com seus limites,
defronta-se com a sua parede,
debate-se... contra o seu vidro.
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Poetizar, vol.1, nª5, 2024]
A BOMBA
.
.
Despencou sobre a vida
com suas inúmeras ogivas.
Europeia, era russo-americana.
Como cobra, vinha em fila indiana,
paquistanesa, chinesa, inglesa, coreana!
.
A Bomba... era apátrida,
e julgava-se democrática
ao cair sobre os viventes.
Não quis poupar formigas,
bactérias, fungos ou entes
(muito menos os humanos
escondidos qual toupeiras
nos abrigos tão dementes).
.
A Bomba... destruiu a Vida.
Não deixou célula sobre pedra,
extinguiu o único grão de milagre
nascido em um universo improvável.
.
A Bomba... traz-me pesadelos à noite,
como este, que me assombrou há pouco.
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Intransitiva, vol.6, nº1. 2022]
Saudade é uma magrela
Com uma fome sem limite.
Sedenta, com apetite
Fita quem serve a ela.
No centro da mesa dela,
Vê-se a bandeja vazia:
Sequer escapou a vela.
Como nada mais servia,
O garçom, em agonia,
Foi devorado por ela.
Nasci e me criei no Ceará.
E tendo alma de poeta,
A dor não me afeta
Pois a sina é superar.
E se vejo alguém rimar
Sobre chuva no Sertão
Dou graças pelo feijão,
A canjica e o bovino.
Eu também sou Nordestino
Do jeito que vocês são.
Cante a beleza da ave
Que desconhece gaiola
E, bem que a viola,
Canta sem nenhum entrave.
Fale de um erro grave
Que é pra memória gravar
De quem vive a maltratar
O que a natureza projeta.
Cante o que eu sinto, poeta,
Que eu sinto e não sei cantar.
PREMONIÇÃO
.
.
Em um dia de meio dia,
meus olhos, somente os olhos,
tiveram uma visão.
.
Lembro-me que a luz me doía
como uma ponta de sabre
no corpo do coração.
.
Lembro-me, sem muito assombro,
que tudo quedava incompleto,
como se as luzes buscassem em vão
o preenchimento das coisas.
.
Na sintonia das imagens
dissecavam-se as paisagens
sem mistificação:
.
Não obstante o colorido,
ficavam os homens repartidos
como se feitos de pão.
A uns: o ouro e a prata;
a outros: a fome e a crença;
a esses: a esperança;
para aqueles: quitutes em lata.
.
Tanto sol doía
nos ombros da nação
(talvez não houvesse justiça
em sua distribuição).
.
E talvez por ser evidente,
ficavam doídas e claras
as sombras dos coqueiros.
Ali, onde outrora era verde
espreitam crianças no desamparo.
.
Desamparadas, porém livres,
querem construir a nação
– mas faltam-lhe os instrumentos:
os braços, e as mãos...
.
.
Igualmente iluminados,
os andarilhos nas estradas:
pés descalços, chapéus de palha,
– ou capacetes e mãos de graxa –.
Todos, embora cansados,
querendo correr o chão.
.
Mas falta-lhes segmento:
as pernas da multidão.
.
Arre!
Tanto sol
arde como uma tarde
de Verão...
.
.
BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Insurgências, 2024]
O ANJO
.
.
Enquanto bebia seus drinques, um antes do outro,
começaram a lhe crescer asas cada vez maiores:
bem desenhadas, cheirosas... brancas e polidas.
O sorriso verteu-se puro, sincero, acolhedor.
Falava agora a deliciosa língua dos anjos
com suas palavras estranhas e belas
a soar qual música nos ouvintes
e a reluzir como imagens
no pleno espaço.
Puro êxtase
profano
e sacro
de quem via.
.
As cores do paraíso a ele se abriram, como se misturadas em um crisol.
A inteligência, não mais em greve, discorria sobre todos os arranjos:
cinema, viagens, lares e lugares... filosofia, arte, sabores e amores.
Com a luz que de si emana... contava piadas de cair o siso!
Iluminava, fundo e profundo, as jovens rosas no gineceu...
.
Até que a noite, por fim, se pôs... cedendo caminho ao sol.
O sono chegou leve, pois Deus viera buscar seus anjos
espalhados pelos bares, festas e casas de flores...
Fechou cada pestana, junto ao sutil sorriso.
Depois, na paz do mundo, adormeceu.
.
Na tarde seguinte, ao despertar,
as asas tinham regredido.
Transfiguraram-se
em uma ressaca
confusa e cinza.
.
.
BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Ipotesi, 2023]
NO CÔNCAVO DA MÃO MORTA
.
.
No côncavo da mão morta
havia uma chave...
não sei para que castelos.
.
Para qual porta, oh Deus Entranhas,
tal chave – tão triste chave –
em certo dia foi forjada?
.
Havia aquela chave
não como uma pedra
no meio do bom caminho,
mas no côncavo da mão morta.
.
E essa mão,
tão inerte e já bem morta,
cujo corpo era seu mero apêndice,
ao mesmo tempo oferecia
e segurava a chave.
.
O gesto, embora pálido,
tinha a cor dos desesperos!
Parecia dizer, nos entrededos:
.
Pega esta chave,
se tu és digno dela,
e cuida do seu metal
como se fosse cristal
precioso, de tão frágil.
.
Antes de tudo o mais,
colhe-a como uma fruta
já por mais do que madura.
A ela recebe – tão suculenta –
entre teus próprios cinco dedos.
.
A chave, no côncavo da mão morta,
parecia a mim implorar-assim:
“Leva-me... a meu destino,
que para isso nasci”.
.
E a mão côncava
acrescentava:
“Leva-a, que somente por isso
insisto em me entreabrir”
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Ipotesi, 2021]
O INVENTOR
DE IDIOMAS
,
,
Ainda adolescente,
inventou duas ou três palavras
que não se achavam em quaisquer idiomas.
Não faziam sentido em inglês, bielorrusso, javanês!
A bem dizer de todos os dizeres, não faziam sequer sentido
mesmo neste código mais do que secreto: o português.
.
Depois percebeu que as duas ou três palavras,
que àquela altura já eram quatro ou cinco,
não eram irmãs, nem distantes primas.
Estranhavam-se, umas às outras,
como se não fossem feitas
da mesma alma-carne.
.
Por causa disso
– da solidão de suas palavras –
demoradamente dedicou a sua vida
a inventar os idiomas que pudessem acolhê-las.
Fundou ainda uma escola de tradutores,
para traí-las umas nas outras.
.
Mais cedo do que mais tarde,
alguns ociosos fundaram cátedras
especializadas em ensiná-las e estudá-las
muito solenemente, com leveza ou gravidade.
Assim, ele ganhou o seu primeiro – e único – Nobel,
em uma nova categoria que não era a Literatura,
recém-inventada, especialmente para ele.
.
Quando por fim morresse
– do que dois ou três seguidores duvidavam –
alguém haveria de escrever na lápide, à maneira de epitáfio:
“gênio da humanidade”, “inventor de palavras”.
Mas um outro, ao perceber a injustiça,
certamente iria logo corrigir,
depois de um risco
no falso dito:
“Inventor
de
Idiomas”.
.
E o mundo
ficaria em paz...
– tal qual sagrado cálice –
como nunca esteve depois do Verbo.
.
.
[BARROS, José D'Assunção. Publicado na revista Decifrar, 2022]
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