Chico Xavier Poesia de Amizade
Quem escreve
é
um visitante
Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome
Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome
Sentença
Convém nos
iniciarmos
cedo
As coisas são demoradas
E não é bom
colher os frutos
quando a boca não
conseguir mais
saboreá-los
Propósito
Viver pouco mas
viver muito
Ser todo pensamento
Toda esperança
Toda alegria
ou angústia — mas ser
Nunca morrer
enquanto viver
Predição
Fazer da
busca o
ideal
Rasgar o ventre de
todas as noites
para encontrar
aurora
O que não somos hoje
é o que há de nos
esmagar
amanhã
O tempo
Os olhos se resguardam
sob as pálpebras
mas o tempo passa
Junto de nossos passos cautelosos
que ultrapassam mas retornam
sempre
o tempo caminha
Na superfície calma dos retratos
inscreve seu itinerário
e passeia com cautela em nosso rosto
fala pela boca das crianças
murmura no cansaço nossas mortes
Em vão
se preenchem as horas
O tempo carrega em seu rio nossas sementes
para um mar.
pena
não mudamos
o tempo
escorreu
água entre
os dedos
pena
pássaros coloridos alcançam as nuvens
todos os dias
ficamos
Raízes.
Sempre achei que falta de amor no mundo
No fundo... Não é no mundo... É na gente...
Eu vejo fomes e carnavais... E ensejo poesia...
Eu faço versos num inverso abstrato...
Descrevo em letras o que não pode ser dito.
Acredito muito mais no amor real
Destes que não nos fazem nenhum mal.
E eu, bem mais do que ninguém...
...Sei bem do que gente é capaz...
No mais? Aprendam mais com os animais.
É um querer nato e profundo
Desejo todo do mundo
Uma leveza quando avança o tempo
Um pé de vento de felicidade
Vontade é feito bicho com asas
Por cima das casas sobrevoa altivo
Não tem nem motivo pra não se fazer
Anoitecer nos teus braços feito passarinho
Feito bicho que vive em vão desalinho
E retorna pro ninho ao entardecer.
Querer nato e profundo...
Desejo maior do mundo...
APRENDIZADO
para meu pai
Caiu no mar tem que nadar
murmurava meu pai marinheiro
tirando um bagre do anzol
um cigarro do bolso traseiro
Eu, sabedor de nada,
azeitava o eixo do sol
sonhando um dia conquistar
o meu lugar à sombra
E o mar era tão grande!
E a minha imaginação, tamanha,
quebrava além da arrebentação
no redemoinho de uma música estranha
Anda moleque, recolhe a rede
carrega o peixe pra tua mãe cozinhar
Era o pai me fisgando com o olhar
E eu seguia suas pegadas
pelos caminhos de areia
ouvindo as ondas a murmurar
como o canto de uma sereia:
Caiu no mar tem que nadar...
Caiu no mar tem que nadar...
Escreva sua história
na areia da praia
para que as ondas a levem
através dos sete mares
até tornar-se lenda
na boca de estrelas cadentes.
Conte sua história ao vento
cante-a nos bares
para os rudes marujos
olhos de faróis sujos.
Escreva no asfalto, com sangue,
grite bem alto a sua história
antes que ela seja varrida
na manhã seguinte
pelos garis.
Abra o peito na direção dos canhões
derrube os muros de Berlim
destrua as catedrais de Paris.
Defenda sua palavra
a vida não vale nada
se você não tem uma boa história
pra contar.
Onde tudo começa?,
pergunta a noiva impaciente
ao esquivo poeta:
no branco ou no preto,
em que letra do alfabeto?
O astronauta procura nas estrelas;
a musa, na maré triste.
Eu, que amo as manhãs
sem compreende-las,
creio que tudo começa
onde nada existe.
Meus filhos, meus heróis...
São noites insones, mas não são noites vãs...
E quando vocês forem fortes como uma tora
E os dedos das mãos tocarem os céus,
E seus lábios encontrarem outros lábios
Entenderão de outro modo o que agora
Já sabem mais do que os sábios.
"Como o tempo nos muda"
comenta a velha senhora, velha poetisa,
mirando a foto antiga na orelha da obra.
Estação após estação
ela amou o viço das cores, o sabor das rosas,
a graça dos movimentos, o passar dos rios,
as nuvens douradas tangidas pelo vento.
Ano a ano alimentou-se de lírios e livros
e amores poucos, porém intensos.
O sol já não banha sua face com a juventude da brisa
a mão erra pelas páginas, tocando paisagens mudas
as letras tornaram-se miúdas,
os amores se foram,
os sonhos se incorporaram ao céu azul-negrume.
Somos só perfume.
As estações despertam sem pressa
nascem todas por igual
na muda do tempo que não muda
sob terra e cal.
Sei que te bastam minhas mãos.
Nelas podes ler as linhas do destino
mover as estações do ano,
alinhavar em língua de espanto
a vertigem das manhãs.
Minhas mãos, poderosas mãos,
tão grandes que tocam as nuvens,
tão fortes que calam os lábios
tão ligeiras que podem tudo.
Tão delicadas, e tão rudes.
Minhas mãos, escravas mãos,
de tuas vontades e virtudes.
Sei que em alguma cidade deste planeta em ruínas
uma pequena me ama de verdade.
Posso sentir seu bafo no meu cangote
quando saio pra tomar um trago.
Pecados da língua portuguesa.
Transformar baronesa em Barão.
Chamando em vão, no masculino...
Aquilo que por essência é feminino.
Um erro chamar de O MAR...
(Aquilo, que com efeito)
Deveria ser chamado, com jeito...
... de A MAR.
Alvorecer
Não menospreze a doçura do seu trilar
Faça florescer a ternura oculta
Regue noites perfumadas,
e enterneça dias nublados
Cuide das dores,
plante silêncios em florestas feridas
Que os velhos e surrados medos
não ofusquem a beleza do seu cuidar
Não deixe migalhas no caminho,
tampouco desatinos
Que transborde amor por toda sua alma deserta
Flutue por vales e sinta a "brisa gentil"
E eu?
Ah, eu estarei aos pés da poderosa montanha colhendo frutos proibidos...
ESSÊNCIAS DO AMOR
(24.10.2018).
Entro em mim, e tento compreender
As flores plantadas no meu jardim!
Entretanto, vejo bem mais do que isso.
Consigo perceber as essências do amor.
E não tenho medo de contar que,
Ainda necessito de transformação humana,
Para bem poder vivenciar toda as alegrias,
De não esquecer do lugar a qual nasci.
“SPLEEN”
O céu do cerrado, hoje, amanheceu plúmbeo
Sobre o espírito meditabundo, só e chuvoso
E, ungido toda a reta do horizonte, nebuloso
O dia virou noite, e o meu fausto olhar, ateu
Neste temporal escuro tal calabouço lodoso
Onde a vontade quer encontrar o êxito seu
Espavorido, o acaso coloca asas de fariseu
Em um voo infeliz, tão enfado e impetuoso
A chuva a escorrer as traças da melancolia
Imita as aranhas tecendo sua espessa teia
No beiral do vazio, numa angústia sombria
O trovão dobra, de repente, e furibundo
E a alma encarcerada em lúgubre cadeia
Chora o verso, suspirando e gemebundo
© Luciano Spagnol
poeta do cerrado
Outubro, de 2018
Cerrado goiano
"Aproveite o meu verbo-salivo,
pois ainda há pulso
mesmo anêmico e frio
parece vivo
este meu discurso
sobre a pedra
sobre o rio...."
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