Um Estranho Impar Poesia

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O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma.

Troco-me por ti
Na brasa da fogueira mal ardida
renovo o fogo que perdi,
acendo, ascendo, ao lume, ao leme, à vida.

E só trocado, parece, por não ser
na verdade conjugo o velho verbo
e sou, remido esquartejado,
o retrato perfeito em que exacerbo
os passos recolhidos pelo tempo andado.

Devagar te amo, e devagar assomo
os dedos à altura dos olhos, do cabelo
dos anéis de outro turno, que é só meu
por querê-lo, meu amor, como a ti mesma quero
nos tempos de passado e sem futuro.
Devagar avanço um dealbar de dias
que vida seriam - mesmo que morto, à noite,
eu voltasse amargurado mas presente,
calado e quedo, e devagar amando.

Não tenho para ti quotidiano
mais que a polpa seca ou vento grosso,
ter existido e existir ainda,
querer a mais a mola que tu sejas,
saber que te conheço e vai chegar
a mão rasa de lona para amar.

Não tenho braço livre mais que olhar
para ele, e o que faz que tu não queiras.
Tenho um tremido leito em vala aberta,
olhos maduros, cartas e certezas.

Neste comboio longo, surdo e quente,
vou lá ao fundo, marco o Ocupado.
Penso em ti, meu amor, em qualquer lado.
Batem-me à porta e digo que está gente.

Não quero essa mudez de condolências
a mim, a ti, ou só à terra
que tu e eu pisamos — e comemos.
Pergunto simplesmente se tu eras,
quem eras, e onde foste
depois que se fizeram quatro horas.

Disforia

Quando olho no espelho, não encontro bailarina, o sorriso de menina, desta alma feminina...
Refletir me entristece!
O que vejo é masculino.
Quero encontrar no externo.
O que vive no interno.
No inverno ou no verão cantará meu coracão.
Emoção, satisfação , chuva de interrogação.
O espelho só reflete o brilho do meu coração.
Agora preste atenção!
Não se prenda na ilusão!
Que o externo é verdadeiro separado do interno...
Quando olho para o espelho eu não vejo o interno.
Não me prendo no externo.
E fica a interrogacão??
Se o que vejo e um reflexo...
Onde está meu universo?

Há a mulher que me ama e eu não amo.
Há as mulheres que me acamam e eu acamo.
Há a mulher que eu amo e não me ama nem acama.

Nos teus olhos
altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensangüentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não
podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não
podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não
podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não
mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não
tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

SOU….

Sou a calmaria da onda que me afaga o rosto.
Sou as decepções que passei, dos amores que amei.
Sou as lições que aprendi das bofetadas da vida que levei .
Sou os beijos que dei nas faces que acarinhei e dos sorrisos que recebi.
Sou os lugares por onde estive, e as pessoas que conheci.
Sou a fé que carrego dentro de mim.
Sou o alicerce de quem de mim precisa.
Sou a muralha do mais fraco.
Sou os olhos cansados dos livros que estudei.
Sou a sabedoria do que aprendi.
Sou a lágrima que rola ao sabor da emoção.
Sou o coração que chora quando vê o sofrimento daqueles que nada têm.
Sou os abraços aconchegantes do amor que dei.
Sou as viagens que fiz, e as culturas dos países que conheci.
Sou os sonhos realizados, e irrealizados.
Sou a criança que habita na mulher.
Sou o coração que chora com a mesma intensidade que ri.

Amei-te? Sim. Doidamente!
Amei-te com esse amor
Que traz vida e foi doente...

À beira de ti, as horas
Não eram horas: paravam.
E, longe de ti, o tempo
Era tempo, infelizmente...

Ai! esse amor que traz vida,
Cor, saúde... e foi doente!

Porém, voltavas e, então,
Os cardos davam camélias,
Os alecrins, açucenas,
As aves, brancos lilases,
E as ruas, todas morenas,
Eram tapetes de flores
Onde havia musgo, apenas...

E, enquanto subia a Lua,
Nas asas do vento brando,
O meu sangue ia passando
Da minha mão para a tua!

Por que te amei?
— Ninguém sabe
A causa daquele amor
Que traz vida e foi doente.

Talvez viesse da terra,
Quando a terra lembra a carne.
Talvez viesse da carne
Quando a carne lembra a alma!
Talvez viesse da noite
Quando a noite lembra o dia.

— Talvez viesse de mim.
E da minha poesia...

À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
... E foi a vida o seu jogo!

Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!

Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade...

— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!

Para te amar ensaiei os meus lábios...
Deixei de pronunciar palavras duras.
Para te amar ensaiei os meus lábios!

Para tocar-te ensaiei os meus dedos...
Banhei-os na água límpida das fontes.
Para tocar-te ensaiei os meus dedos!

Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!
Pus-me a escutar as vozes do silêncio...
Para te ouvir ensaiei meus ouvidos!

E a vida foi passando, foi passando...
E, à força de esperar a tua vinda,
De cada braço fiz mudo cipreste.

A vida foi passando, foi passando...
E nunca mais vieste!

Escultura

Seu corpo é como uma escultura grega
Formulado por seus lindos jovens seios
Seu rosto oval brilha como reluzente mármore molhado
Seu cabelo negro, escuro como a noite
Dança suavemente como uma folha ao ser açoitando levemente pelo vento frio
O calor do seu corpo é como o fogo inflamável em volta do combustível
Seus olhos castanhos é como casca seca de um esbelta e Formosa árvore do verão, ou como o puro e doce mel
A brancura reluzente em torno das pupilas escuras e abundantes pestanas sedosas
Suas sobrancelhas suaves e arqueadas como as penas de um pássaro
Seus lábios moldurado e macios como a pele de uma criança
E sua maravilhosa pele negra filha da mãe África.

Das palavras mais sinceras, te desejo os meus mais profundos desejos a ti, meu caro irmão. Do fundo das galáxias, te desejo todo o amor que o planeta possa suportar. Do fundo do oceano, te desejo toda a paz que as marés possa remar. Do fundo dos céus, te desejo todas as portas que o mundo possa abrir. Do fundo das chamas, te desejo todo fogo que possa virar luz no seu caminho.
E do fundo do meu coração, te desejo todo meu amor, e de minha alma te dedico todas minhas canções.

MORFINA


Embora, eu seja maior que todo esse "nada" existencial em mim,
desatino a ficar preso nos mesmos entulhos que o passado me criou.
Nenhuma morfina poderia fazer passar tudo que se criou,
e de certa forma, fui eu, o culpado de toda essa dor.

Embora você roubasse todas as cenas,
nunca imaginei que apagaria a minha preferida: nossa história.

Sinto o que não sentia
Quero o que não queria
Penso no que não podia
Desejo o que não devia

Eu sei

Uma noite. Uma única noite. Será que foi só isso? Talvez para você tenha sido, mas para mim não. Ah... pra mim significou muito mais. Aquela taça de vinho, aquela lua cheia (de vida), aquele olhar que sorria, as palavras que voavam... detalhes assim não saem da minha retina. Ficam cravados.
Eu ainda posso sentir o cheiro, a mão na nuca, sua boca na minha, o gosto de álcool e de desejo. Ainda posso sentir o coração pulsando acelerado, os pelos arrepiados e a cabeça perdida em pensamentos. Eu ainda posso sentir você aqui porque a intensidade de uma noite dura muito mais que doze horas. Foram toques que dançaram ao som de sussurros, beijos que gritaram em liberdade, sorrisos genuínos. Ainda que breve, foi real. E não posso acreditar que tenha sido unilateral. Seus olhos me contaram, seu corpo comprovou, as palavras não mentiram e um sorriso se abriu. Confessa, vai, você também sentiu.
Foi um espetáculo. Não, talvez só um ensaio, mas no palco da sorte. Não gosto de falar em sorte, mas não sou capaz de dizer o que aconteceu ali. Sorte, azar, acaso, destino, loucura... É foi uma loucura, mas não foi só uma noite. E ainda que não se repita, não foi só uma noite. Não foi.

Os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas, acreditas?
e temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

José Tolentino Mendonça
Baldios. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010.

Nota: Trecho do poema Murmúrios do mar.

...Mais

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos. E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.