Trechos Clarice Lispector
Para ela cada dia tem o futuro do amanhã. Cada momento do dia se futuriza para o momento seguinte em nuances, gradações, paulatino acréscimo de sutis qualificações da sensibilidade. Às vezes ela perde a coragem, desanima diante da constante mutabilidade da vida. Ela coexiste com o tempo.
Cada ser é um outro ser, indubitavelmente uno embora quebradiço, impressões digitais únicas ad secula seculorum.
Fui interrompida pelo silêncio da noite. O silêncio espaçoso me interrompe, me deixa o corpo num feixe de atenção intensa e muda. Fico à espreita de nada. O silêncio não é o vazio, é a plenitude.
Eu sempre esperava alguma coisa nova de mim, eu era um frisson de espera: algo estava sempre vindo de mim ou de fora de mim.
É que eu sou endêmica.
Não aguento muito tempo um sentimento porque passo a ter angústia e meu pensamento fica ocupado com o sentimento e eu me desvencilho dele de qualquer jeito para ganhar de novo a minha liberdade de espírito. Sou livre para sentir. Quero ser livre para raciocinar. Aspiro a uma fusão de corpo e alma.
Não consigo compreender para os outros. Só na desordem de meus sentimentos é que compreendo para mim mesma e é tão incompreensível o que eu sinto que me calo e medito sobre o nada.
Os livros verdadeiramente bons muito podem fazer pelos homens de nossos dias.
A leitura instrui e educa, eleva os pensamentos e faz com que as pessoas se irmanem melhor, compreendendo que vivem em comunidade, e como representante de um grupo devem proceder.
O pessimista está sempre arranjando um jeito de acomodar as coisas ao seu pessimismo.
Os jovens necessitam sentir o peso de uma responsabilidade para sentirem também o próprio valor e desenvolverem a personalidade. Impedir-lhes isso é prejudicá-los no seu desenvolvimento natural.
Eu, por mim, não aprendi muito – e é por isso que valorizo cada fiapo de ensinamento que os dias foram me dando.
Eu, por mim, não aprendi muito – e é por isso que valorizo cada fiapo de ensinamento que os dias foram me dando. E valorizo sobretudo o que aprendi à minha própria custa. Não é por vaidade, acho que é porque doeu mais aprender desse modo, custou mais caro, e a gente esquece menos.
Aprendi que ouvir quem tem um problema é quase mais importante que aconselhar.
Uma verdade óbvia é esta: enquanto você lamenta o passado, o presente lhe foge das mãos.
Não há outro modo de viver senão o de errar e corrigir-se, e depois errar de novo e corrigir-se de novo. O que não chega a ser trágico: trata-se do jogo da vida, e todos nós jogamos o mesmo jogo.
Mães e filhos se cansam mutuamente: vigiar e ser vigiado é relação que fatiga um pouco os nervos...
Precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la.
A incomunicabilidade de si para si mesmo é o grande vórtice do nada. Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida.
Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.
Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.
