Textos de Nietzsche
Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência.
E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio.
A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!" -
Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que responderias: "Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa:
"Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?"
Pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?
É chamado de espírito livre aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, seu meio, sua posição e função, ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo. Ele é exceção, os espíritos cativos, a regra; [...] De resto, não é próprio da essência do espírito livre ter opiniões mais corretas, mas sim ter se libertado da tradição, com felicidade ou com um fracasso. Normalmente, porém, ele terá ao seu lado a verdade, ou pelo menos o espírito da busca da verdade: ele exige razões; os outros, fé.
(Humano, Demasiado Humano)
Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão...
Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções.
Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar.
E quando vi meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo, solene. Era o espírito da gravidade. Ele é que faz cair todas as coisas.
Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem! Vamos matar o espírito da gravidade!
Eu aprendi a andar. Desde então, passei por mim a correr. Eu aprendi a voar. Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora voo, agora vejo por baixo de mim mesmo, agora um Deus dança em mim!
Estado, chamo eu, o lugar onde todos, bons ou malvados, são bebedores de veneno; Estado, o lugar onde todos, bons ou malvados, se perdem a si mesmos; Estado, o lugar onde o lento suicídio de todos chama-se – “vida”!
Olhai esses supérfluos! Roubam para si as obras dos inventores e os tesouros dos sábios; “culturas” chamam a seus furtos – e tudo se torna, neles, em doença e adversidade!
Olhai esses supérfluos! Estão sempre enfermos, vomitam fel e lhe chamam “jornal”. Devoram-se uns aos outros e não podem, sequer digerir-se.
Olhai esses supérfluos! Adquirem riquezas e, com elas, tornam-se mais pobres. Querem o poder e, para começar, a alavanca do poder, muito dinheiro – esses indigentes!
Olhai como sobem trepando, esses ágeis macacos! Sobem trepando uns por cima dos outros e atirando-se mutuamente, assim no lodo e no abismo.
Ao trono, querem todos, subir: é essa a sua loucura. Como se no trono estivesse sentada a felicidade! Muitas vezes, é o lodo que está no trono e, muitas vezes, também o trono no lodo.
Dementes, são todos eles, para mim, e macacos sobre excitados. Mau cheiro exala o seu ídolo, o monstro frio; mau cheiro exalam todos eles, esses servidores de ídolos!
Porventura, meus irmãos, quereis sufocar nas exalações de seus focinhos e de suas cobiças? Quebrai, de preferência, os vidros das janelas e pulai para o ar livre!
Fugi do mau cheiro! Fugi da idolatria dos supérfluos!
Fugi do mau cheiro! Fugi da fumaça desses sacrifícios humanos!
Também agora, ainda a terra está livre para as grandes almas. Vazios estão ainda para a solidão a um ou a dois, muitos sítios, em torno dos quais bafeja o cheiro de mares calmos.
Ainda está livre, para as grandes almas, uma vida livre. Na verdade, quem pouco possui, tanto menos pode tornar-se possuído. Louvado seja a pequena pobreza!
Onde cessa o Estado, somente ali começa o homem que não é supérfluo – ali começa o canto do necessário, essa melodia única e insubstituível.
Onde o Estado cessa – olhai para ali, meus irmãos! Não vedes o arco-íris e as pontes do super-homem?
Este livro pertence aos homens mais raros. Talvez nenhum deles sequer esteja vivo. É possível que se encontrem entre aqueles que compreendem o meu “Zaratustra”: como eu poderia misturar-me àqueles aos quais se presta ouvidos atualmente? — Somente os dias vindouros me pertencem. Alguns homens nascem póstumos.
As condições sob as quais sou compreendido, sob as quais sou necessariamente compreendido — conheço-as muito bem. Para suportar minha seriedade, minha paixão, é necessário possuir uma integridade intelectual levada aos limites extremos. Estar acostumado a viver no cimo das montanhas — e ver a imundície política e o nacionalismo abaixo de si. Ter se tornado indiferente; nunca perguntar se a verdade será útil ou prejudicial... Possuir uma inclinação — nascida da força — para questões que ninguém possui coragem de enfrentar; ousadia para o proibido; predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para música nova. Olhos novos para o mais distante. Uma consciência nova para verdades que até agora permaneceram mudas. E um desejo de economia em grande estilo — acumular sua força, seu entusiasmo... Auto-reverência, amor-próprio, absoluta liberdade para consigo...
Muito bem! Apenas esses são meus leitores, meus verdadeiros leitores, meus leitores predestinados: que importância tem o resto? — O resto é somente a humanidade. — É preciso tornar-se superior à humanidade em poder, em grandeza de alma — em desprezo...
Normalmente a pessoa deseja, com a opinião alheia, atestar e reforçar para si a opinião que tem de si mesma.
O interesse em si mesmo, o desejo de dar satisfação a si mesmo atinge no vaidoso um tal nível, que ele induz os outros a uma avaliação falsa e muito elevada de si e depois se atém a autoridade dos outros: ou seja, introduz o erro e acredita nele.
Amar os próprios inimigos? Parece-me que se o tenha
apreendido muito bem: percebemo-lo em mil circunstâncias, no
pequeno e no grande; sim, quiçá bem melhor agora —
chegamos a desprezar enquanto amamos, e precisamente
quanto mais intensamente amamos: mas tudo isto
inconscientemente, sem fazer caso, com o pudor e o segredo da
bondade que gelam os lábios às palavras solenes e virtuosas
Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida – ninguém, exceto tu, só tu. Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar. Onde leva? Não perguntes, segue-o!
Conheço a minha sina. Um dia, meu nome será ligado à lembrança de algo tremendo - de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda colisão de consciência, de uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado, santificado, querido. Eu não sou um homem, sou dinamite.
Se o cristianismo tivesse razão em suas teses acerca de um Deus vingador, da pecaminosidade universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna, seria um indício de imbecilidade e falta de caráter não se tornar padre, apóstolo ou eremita e trabalhar, com temor e tremor, unicamente pela própria salvação; pois seria absurdo perder assim o benefício eterno, em troca de comodidade temporal. Supondo que se creia realmente nessas coisas, o cristão comum é uma figura deplorável, um ser que não sabe contar até três, e que, justamente por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão duramente quanto promete o cristianismo.
Verdadeiro eu chamo àquele que entra nos desertos vazios de deuses... Nas areias amarelas, queimadas de sol, sedento, ele vê as ilhas cheias de fontes, onde as coisas vivas descansam debaixo das árvores. Não obstante, a sua sede não o convence a tornar-se como um destes, habitantes do conforto; pois onde há oásis aí também se encontram os ídolos
Mudei-me da casa dos eruditos e bati a porta ao sair. Por muito tempo, a minha alma assentou-se faminta à sua mesa. Não sou como eles, treinados a buscar o conhecimento como especialistas em rachar fios de cabelo ao meio. Amo a liberdade. Amo o ar sobre a terra fresca. É melhor dormir em meios às vacas, que em meio às suas etiquetas e respeitabilidades.
Chamo desgraçados todos aqueles que só podem escolher entre duas coisas: tornarem-se animais ferozes ou ferozes domadores de animais. Eu os denomino pastores, mas eles a si mesmos se consideram os fiéis da verdadeira crença! Vede os bons e os justos! A quem odeiam mais? A quem lhes despedaça as tábuas de valores, ao infrator, ao destruidor. É este, porém, o criador.
O homem é uma corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar; perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar. O que é de grande valor no homem é ele ser uma ponte e não um fim: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um ocaso.
O eterno retorno é uma ideia misteriosa e, com elas, Nietzsche pôs muitos filósofos em dificuldades: pensar que um dia tudo vai se repetir como foi vivido e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?
O mito do eterno retorno afirma, por negação, que a vida que desaparece de uma vez por todas, que não volta mais, é semelhante a uma sombra, não tem peso, está morta por antecipação, e por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa atrocidade, essa beleza, esse esplendor não têm o menor sentido. Essa vida é tão importante quanto uma entre dois reinos africanos do século XIV, que não alterou em nada a face do mundo, embora trezentos mil negros tenham encontrado nela a morte depois de suplícios indescritíveis.
Será que essa guerra entre dois reinos africanos do século XIV se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de vezes no eterno retorno?
Sim: ela se tornará um bloco que se forma e perdura, e sua brutalidade não terá remissão.
Se a Revolução Francesa devesse se repetir eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas como ele trata de algo que não voltará, os anos sangrentos não passam de palavras, teorias, discussões, são mais leves que uma pluma, já não provocam medo. Existe uma diferença infinita entre um Robespierre que apareceu uma só vez na história e um Robespierre que voltaria eternamente para cortar a cabeça dos franceses.
Digamos, portanto, que a ideia do eterno retorno designa uma perspectiva em que as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas aparecem para nós sem a circunstância atenuante de sua fugacidade. Com efeito, essa circunstância atenuante nos impede de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia: até mesmo a guilhotina.
Não faz muito tempo, surpreendi-me experimentando uma sensação incrível: folheando um livro sobre Hitler, fiquei emocionado com algumas fotos dele; lembravam-me o tempo de minha infância; eu a vivi durante a guerra; diversos membros da minha família foram mortos nos campos de concentração nazistas; mas o que era a sua morte diante dessa fotografia Hitler que me lembrava um tempo passado da minha vida, um tempo que não voltaria mais?
Essa reconciliação com Hitler trai a profunda perversão, moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente permitido.
(A Insustentável Leveza do Ser)
Você está preparado para ter sabedoria?
No livro de Friedrich Nietzsche: Assim falou Zaratustra. Em determinado momento ele compara o homem a uma árvore. Ele afirma que: Quanto mais a árvore deseja crescer para o alto e para a luz, mais vigorosamente suas raízes se mergulham no solo, na escuridão e nas profundezas para o mal.
Essa afirmação de Nietzsche, mostra o antagonismo que existe dentro de nós.
Ora, quando você toma conhecimento de algo, logo, você descobre o quão estulto era acerca daquele assunto. E talvez, o quão errado já tenha agido em relação ao fato agora aprendido.
Você somente poderá reconhecer na outra pessoa os seus próprios defeitos ou qualidades que você possui.
Para saber o que é o belo, você deve saber o que é o feio. Se a outra pessoa possui qualidades ímpares e você as reconhece, isso é um sinal de que você também possui essas qualidades.
Ninguém dá o que não tem, e ninguém enxerga o que já não tenha visto.
Quanto mais conhecimento e sabedoria tiver, maior será seu conhecimento sobre o oposto.
Pergunto: Você está preparado para ter conhecimento? Para ter sabedoria?
Quem já caminhou nas chamas conhece o calor e certamente se queimou. Este andante tem o conhecimento e a sabedoria através da vivência e da experiência.
Podemos distinguir o certo do errado, mas, vivenciar o certo e o errado, não é tarefa fácil.
Se eu lhe disser que saltar de paraquedas é uma experiência ímpar. Você pode até acreditar que sim ou que não, você pode imaginar a adrenalina, o vento em seu corpo, o vazio sob seus pés, o medo, o euforismo, enfim... Você pode apenas imaginar, terá conhecimento, mas, não terá a experiência que poderá lhe proporcionar uma sabedoria mais elevada.
Concluo dizendo com pesar que: Sim, as pessoas puras nada sabem. Os puros, não foram tocados pelas impurezas da vida, logo, são abençoados pois pouco sabem, pouco vêem.
Quanto mais conhecimento, maior será o seu sofrimento e, maior será sua sabedoria.
Pense e reflita.
Paz e bem.
Seja luz.
Albert Camus, que com Nietzsche e Dostoiévski, formavam uma trindade de existencialistas (ou pré) que, estudantes, gostávamos de ler ou de dizer que líamos, nasceu no dia 7 de Novembro de 1913, um dia depois de Gandhi ter sido preso na África do Sul, quatro anos precisos antes de Lenine depor Kerenski, na Revolução que para o calendário ortodoxo (juliano) foi em Outubro.
Camus, no estudo da Filosofia/Teologia, era um existencialista aberto, não-cristão, ao contrário de Gabriel Marcel ou Karl Jaspers, mas representando um humanismo ateu dialogante, diferente do de Sartre.
A tese de doutoramento de Camus foi sobre Santo Agostinho. Nobel da Literatura em 1957 (três anos antes de morrer), escreveu “O estrangeiro”, “O mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo”, “A peste”, “O homem revoltado”, entre outras obras.
Como isto anda tudo ligado, li ontem em “A Vertigem das Listas” (p. 309-310):
Eu lembro-me de que o protagonista de “O Estrangeiro” é Antoine (?) Meursault: foi frequentemente observado que ninguém se recorda do seu nome.
“Tudo o que não me mata torna-me mais forte”, — disse Nietzsche, antes de morrer.
É uma frase bonita, mas não é verdade. Tudo o que não me mata na hora, vai-me matando aos bocados e devagar.
Mentiras, traições, faltas de respeito, de amor ou atitudes que comprometem o nosso bem estar — matam aos bocadinhos. Levamos tempo e vivemos auto reconstruções, para que essa ferida feche. E vamo-nos lembrando dela pela marca e pela pele, — que fica muito mais dura e forte a volta do lugar.
Vai se matando a bondade, a confiança, a honestidade e um saco cheio de coisas que nos fazem bem.
Quando nos magoam demasiado — cobrimo-nos igualmente de pele mais dura e mais forte, para que nada nos possa afectar.
Dá para se aliviar: fiquei mais forte - sim, verdade.
Mas lá no fundo, alguma coisa partiu e não é fácil de a consertar.
E, até, podes saber como e quando defender-te, se for preciso e, como também, fazer aprender. Já não te admiras nem te surpreendes pela negativa. Mas continuas a perder alguma coisa demasiado importante, cada vez que alguém te comprova que não devias confiar.
Perdes e vincas o sentimento de não poderes recuperá-lo. Algo teu, que começa e acaba na fé e na bondade.
Tornas-te mais forte, sim, mas graças às tuas outras qualidades, não graças às pessoas, nem atitudes, que contribuíram para a tua pequena revolução.
Porque tudo o que não te mata, só não te mata logo, mas, eventualmente, pode acabar por matar.
Então mais vale limitar logo as coisas e as pessoas que te vão matando aos lentos bocados, em vez de os ir deixando continuar.
E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência’ – [...] Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal em que lhe responderias: ‘Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!’.