Saudades da minha Avö
A avó e o Menino
A avó não tinha presente e tão pouco lhe vinha o futuro.
Vivia de si, num tempo em que os dias, só lhe prometiam o passado.
Pela manhã cantarolava cantigas de roda.
A tarde pedia chá e se ria sobre coisas desacontecidas.
Quando a noite lhe vinha, adormecia falando com invisíveis olhares.
Não tinha a estética da memória.
Seus ouvidos acordavam lembranças do sentir.
Suas mãos continham a fermentação das horas.
Seus braços acolhiam porções de vida refluídas.
E de si apenas se ouvia o balbuciar das palavras.
Assim, vivia sob o cuidado das crianças,
Que em certas ocasiões lhe contavam estórias.
Como aquela de uma sábia anciã,
Que para não morar com o tempo findo,
Decidiu torna-se novamente alguém para ser inventada.
Foi assim que numa fração, antes de partir, disse ao menino:
- Descobri que és tão grande, que não pude de ti, ausentar-me.
Há muito tempo, quando eu ainda era uma criança, perguntei para o meu avô qual o motivo de existir pessoas boas e pessoas ruins no mundo.
Ele deu um sorriso sarcástico que apenas ele sabia dar, e me deu um exemplo de duas pessoas vindo de encontro com a outra em uma calçada bem estreita, onde uma teria que parar para ceder algum espaço para a outra passar.
Meu avô disse que se as duas pessoas fossem ruins, ambas não passariam, pois nenhuma das duas pessoas estaria disposta a ceder algum espaço para a outra, e acabariam apenas brigando. Se as duas pessoas fossem boas, ambas também não passariam, pois as duas pessoas estariam dispostas a ceder o espaço para a outra passar, e dariam início a uma competição eterna de quem era a mais generosa. Se uma pessoa fosse boa e a outra pessoa fosse ruim, ambas passariam, pois a boa cederia o espaço e a ruim não hesitaria em passar.
E finalizando, ele me disse que é assim que o mundo segue, e que eu deveria aprender a conviver com isso, escolhendo um dos caminhos, o bem ou o mal.
A minha avó sempre separava um pouco de comida, pois caso algum mendigo viesse pedir alguma esmola na porta de sua casa, pelo menos alimento ela teria para doar. O meu avô mandava todo mundo para a cucuia quando lhe cabia esse direito. A diferença é que se as duas situações estivessem ocorrendo em nossa época, a minha avó seria vista como uma heroína e o meu avô, visto como um vilão, sendo que ambos estavam praticando o que já deveria ser considerado algo nada de mais. Sociedade doentia é assim mesmo, sobrevive de radicalismo sentimental!
Conversando com meu avô, percebi o quanto Salomão estava certo ao dizer que tudo na vida é vaidade. O tempo passa, os amores se vão, as alegrias se tornam saudade. Então, por que gastamos nosso tempo com coisas insignificantes?
Meu avô, que estudou até a quarta série, encontrou um grande amor, conquistou seus sonhos e sempre viveu com dignidade. Hoje, porém, esconde sua tristeza atrás de um sorriso amarelo e de piadas sem graça. Passa o tempo que lhe resta entre a TV, o rádio e conversas casuais, tentando preencher os dias.
Ele tem combatido o bom combate, tem guardado sua fé e, em breve, entregará sua carreira. Fez tudo o que pôde para ser um homem digno e honrado – e de fato é. Mas, no fundo, sabe que seus dias estão contados, e isso o impede de se sentir verdadeiramente feliz.
Como disse Salomão: "Na vida, tudo é vaidade."
das veias da minha
Avó que nasceu
no Piemonte
também vieram os laços
ciganos e do Oriente
para as minhas veias,
eu nasci brasileira
moro em Rodeio
nesta cidade bonita
do Médio Vale do Itajaí
onde as flores brancas
e azuis do tempo
dançam sobre as montanhas
escrevendo poemas
como a ninfa do Lago Carezza
cantava para si mesma,
e eu resolvi recordar as lendas
da ancestralidade
para que nos fortaleçam
com tudo aquilo
o quê nos faz saber com
quem somos de verdade
cada um vive o seu sábado
como bem entende,
eu prefiro viver celebrando isso.
O avo da eternidade foi colocado no coração de toda criança, porém, na fase adulta, Satanás retira esse alvo durante a sua vida, impondo-lhes dúvidas e dificuldades.
Já dizia minha avó: _ Pau que nasce torto, morre torto, até a cinza é torta! Não costumo crê em coisas do tipo. Mas quando me deparo com "o incorrigível, o irreparável do comportamento humano ... "
Centenas de histórias se entrelaçam.
De duzentos e cinquenta e seis
até os avós do avô.
Quinhentos e doze, mil e vinte e quatro,
em cada ramificação, a origem de nossa vida,
em cada detalhe, em cada ação.
Nessa complexa teia,
ressoa o valor da vida, tão singular.
Cada ancestral, um elo,
um tesouro a se guardar.
Livro: O respiro da inspiração
E se a Annabelle fosse a chapeuzinho e a sua Avó fosse a Freira, quem era o herói dessa história?
Atenciosamente: Lobo dos três porquinhos
AVÓ ESPERA
Eu já me ia esquecendo
Na voracidade do tempo
De te lembrar, estremecendo,
Neste nevoeiro tão tenso.
Tudo o que pediste, eu cumpri:
"quando fosses velhinha,
Que te desse ao menos, uma sopinha.
E eu dei-ta e muito mais
Que o que me pedias, avó.
Fui teu confidente,
Tua companhia no só,
Teu neto, sempre de frente.
"Põe-me, quando eu morrer,
Florzinhas no meu jardim,
Uma luz para eu ver,
Quem é que gosta de mim..."
Disso, avó, não me esqueci
E tu sabes bem que não,
Os que sempre gostam de ti,
São flores vivas em botão.
(Carlos De Castro, in Há um Livro Por Escrever, em 15-03-2023)
QUE SOSSEGO
Era só a minha avó.
E em tardes de calmaria
Debaixo da velha ramada
Das folhas do morangueiro
O corriqueiro,
Americano,
Ela, aos botões, dizia:
- Que sossego! Bendito ano!
Ela não sabia
Que eu estava
Com ela,
Mirando-a de uma janela
Pequenita que havia
Logo atrás dela.
E eu ouvia tudo naquela viagem
Feita miragem
Que minha avó fazia,
De consciência apurada,
Sem precisar de andar
Ou sola dos chinelos gastar
Em qualquer estrada...
Foi ela que me ensinou,
Aqui onde vou,
Que para sonhar,
Só basta estar!
(Carlos De Castro, in Há Um Livro Por Escrever, em 29-05-2023)
Marido Dedicado, Pai Presente
Avô Amado,
Feliz por ser um Crente
Que Sabe que é Falho
E que é dependente de Deus,
sua Família, seu maior legado,
uma divina benevolência,
Feliz aniversário,
Sr. Ricardo José de Freitas.
Na Terna Brandura do Cárcere
O Último Avo de um Amor Extinto
Em qual formato desconexo,
Depositamos desta vez,
Encharcadas expectativas ?
Quão afastados de nós mesmos
Pudemos chegar, sem ferimentos
Graves ou pesares terminais ?
Vislumbres precisamente balizados,
Experimentos da farta engrenagem,
Tudo estaria certo, exceto por nossa
Irrecuperável disposição à auto sabotagem.
Falências agendadas
Com antecedência,
Decompostos em
Nossa compostura célebre.
Resta-nos septos pútridos,
Hábitos promíscuos
E a terna brandura do cárcere.
Arrepios raivosos percorrem
Cada processo das vértebras,
Pálpebras aplaudem frenéticas,
Cãibras confirmam o torpor faminto.
O Encontro no Ônibus
Estava eu, mais uma vez, indo para a casa de minha avó. Para tanto, preciso pegar dois ônibus ou ir a pé até o ponto do segundo. Com muita cautela, vou. Passo atenciosamente de rua em rua, esquivando-me das esquinas como quem evita lembranças indesejadas.
Decido ir a pé. Chego ao segundo ponto um pouco cansado, o corpo denunciando a caminhada, e logo vejo meu ônibus se aproximar. Entro, pago e me assento. Como em qualquer outro dia, encaro a janela como uma tela em branco, onde os cenários passam rápido demais para serem compreendidos. Imagino tudo, porém nada de importância.
Um bairro se passou quando sinto um toque no braço, leve como o roçar de um galho ao vento. Vinha de alguém que se assentava do meu lado direito. Penso que foi apenas um esbarro casual e volto ao meu devaneio, mas novamente sinto. Dessa vez, decido me virar e entender o que estava acontecendo.
Era uma senhora, pequena e franzina, de mãos trêmulas e olhar perdido. Tentava, com delicadeza, chamar minha atenção. Algo havia de diferente em seu olhar — um brilho úmido que parecia conter todo o peso do mundo. O marejar de seus olhos já me inundava, e antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela segurou minha mão com firmeza, como quem busca âncora na tempestade.
Sem dizer uma palavra, ela apenas suspirou fundo, como se aquele gesto contivesse anos de histórias acumuladas. Seus dedos enrugados e frágeis envolviam minha mão como se segurassem um último pedaço de esperança. Por um instante, o mundo se reduziu àquele toque, e o barulho do ônibus se tornou um murmúrio distante.
Aos poucos, seus lábios se abriram, e num sussurro quase inaudível, ela disse:
— Você se parece com meu filho...
Houve um silêncio denso, como se o universo contivesse o fôlego. Não sabia o que responder, e talvez ela nem esperasse uma resposta. Apenas segurava minha mão, fixando o olhar num ponto indefinido do corredor.
— Ele partiu faz tanto tempo... — murmurou, com a voz quebrada pela saudade.
Um nó se formou na minha garganta. Respirei fundo, sentindo o peso daquele instante. Então, num gesto instintivo, apertei a mão dela com carinho e disse:
— Eu estou aqui... Pode me contar sobre ele, se quiser.
Ela pareceu surpresa, como se aquela simples oferta fosse um presente inesperado. Seus olhos marejados se voltaram para mim, e um sorriso tímido despontou, como um raio de sol por entre nuvens carregadas.
— Ele tinha esse jeito quieto... sempre olhava pela janela, pensativo. Gostava de imaginar histórias. E quando eu estava triste, ele só segurava minha mão, como você está fazendo agora.
Senti meu coração pulsar mais forte. Eu não era apenas eu — naquele instante, eu era um fragmento de memória viva. Ela continuou falando, e a cada palavra seu rosto se iluminava, como se a lembrança trouxesse o calor de um reencontro.
— Ele dizia que as nuvens eram mapas de terras mágicas — disse ela, sorrindo leve.
— Sempre acreditava que, se prestássemos atenção, descobriríamos um caminho que só os sonhadores enxergam.
Sorri também, e sem perceber, comecei a compartilhar minhas próprias memórias de viagens e pensamentos perdidos olhando pela janela. Ela escutava atenta, como quem encontra companhia na dor e na saudade.
Quando o ônibus freou bruscamente, ela soltou minha mão com delicadeza, como se devolvesse à realidade o que fora apenas um breve consolo. Antes de descer, olhou para mim com um sorriso pequeno, mas sincero, carregado de um agradecimento mudo.
— Obrigada... Você me fez lembrar que o amor não morre... Só se transforma em saudade.
Olhei para ela e, com um sorriso sincero, respondi:
— Talvez ele ainda segure sua mão... de algum jeito, através de quem traz um pouco dele no olhar.
Ela desviou o olhar por um momento, tentando conter as lágrimas. Mas quando voltou a me encarar, havia uma serenidade nova ali, como se minhas palavras tivessem encontrado um canto acolhedor dentro dela.
Fiquei observando-a partir, pequena e delicada, desaparecendo na multidão. O ônibus seguiu viagem, mas aquela sensação permaneceu em mim — uma mistura de melancolia e gratidão por ter sido, ainda que por poucos minutos, um porto seguro para alguém que precisava ancorar suas lembranças.
No caminho até a casa de minha avó, pensei sobre a força que existe em simplesmente estar ali para alguém. Às vezes, somos chamados a ser companhia em meio ao tumulto da cidade, como se a vida nos empurrasse para encontros que não esperávamos, mas que, de alguma forma, precisávamos viver.
E ali, entre a dor e o alívio, aprendi que às vezes somos porto, outras vezes somos naufrágio — e, no intervalo entre os dois, a vida nos permite tocar o coração de um desconhecido, deixando nele um pouco de calma, e levando conosco a certeza de que a humanidade sobrevive nos detalhes.
✨ Às vezes, tudo que precisamos é de uma frase certa, no momento certo.
Receba no seu WhatsApp mensagens diárias para nutrir sua mente e fortalecer sua jornada de transformação.
Entrar no canal do Whatsapp