Rejeitar Alguem
Alguém consegue imaginar um jogo de xadrez composto só por reis, ou apenas por peões? Cada qual tem seu papel fundamental no tabuleiro, e é justamente do entendimento do papel que possui, e da importância de haver outros diferentes do seu, é que o jogo se torna possível.
Já se viu assediado por alguém que já chega com um perfil definido pra você e não lhe deixa opção além da distância? Seu passatempo predileto é discutir a relação até antes que exista uma; se você responde ela contesta ou ironiza, se tenta falar de outro assunto ela reclama que está “escorregando”, e se não disser nada vai ser taxado de mal-educado ou de ficar “em cima do muro”. Você acaba procurando a etiqueta para checar se lhe colocaram um preço baixo demais na vitrine em que foi encontrado.
Não confie em alguém cujo sorriso se mostre apenas uma contração labial em que os demais músculos da face não revelem o mais leve traço de sincera alegria.
Apenas porque alguém não sabe a diferença entre o certo e o errado não torna legais os seus ilícitos, nem faz dele uma pessoa honesta.
Como identificar alguém que se permitiu manipular? Basta atentar para o lema da bandeira levantada. Observando-a, é visível e consistente a sensação proporcionada de dejavú em cada novo integrante em ponto tal que as mesmas frases se repetem uniformes, sem a esperada variação de pessoas que pensam por si. Ouvida a última, vem a convicção de que há um padrão impresso em seus cérebros, desde a primeira.
Já vi pessoas até escolhendo a quem amar. Mas jamais descobri alguém que tenha escolhido em quem confiar. Uma vez perdida, a confiança nunca voltará a se instalar por mera decisão. Nem mesmo o perdão tem poder para resgatá-la, pois se o primeiro é concedido, a confiança que oferecemos precisa ser conquistada.
Ser indiferente ao final triste alcançado por alguém pode não estar associado a nenhuma espécie de maldade ou sentimento de vingança, mas tão somente o de preservar a fé, acreditando que a vida é justa o bastante para não deixar que quem viveu para tornar pior a de todos não saia dela sem ter descoberto que tal escolha não vale à pena.
O que legitima a posição de alguém como representante de um povo não é o tamanho do grupo construído para dar-lhe apoio, mas o número de indivíduos que o fazem de forma autônoma por um processo de escolha consciente entre diferentes possibilidades.
Não é dinheiro nem celebridade que torna alguém notável. Sua não-conformidade interna é que o impele a romper a fronteira do medíocre.
Falar a convertidos contrários é tão inútil quanto bater na porta de alguém que está lá dentro decidido a não abri-la; e para convertidos favoráveis é tão desnecessário quanto usar chave para passar por uma porta que já encontramos escancarada.
O que me impele a “deletar” alguém do meu contexto de vida não é sua limitação cognitiva, mas quando exibe sua ignorância como um tributo à imbecilidade deliberada e, pior ainda, quando se orgulha dela como se fosse a consagração vista pela ótica de um asno.
Eventualmente alguém me procura na expectativa de que eu seja tudo o que escrevo, e então repito a resposta de que estou sempre em busca de ser o que penso e sei que devo, embora nem sempre o consiga. Acalmo meu espírito, no entanto, com a lembrança de que jamais desisto de tentar novamente e a consciência de, a cada nova tentativa, haver dado um passo a mais, por menor que seja, em direção ao objetivo.
– Eu não estaria aqui agora não fosse alguém se ter posicionado contra os seus para livrar-me do abismo em que eu mergulhara.
– Alguém que se coloca contra a própria família para defender um estranho não me parece uma pessoa confiável!
– E você supõe confiável quem se apóia no sangue para fechar-se à constatação da ignomínia?
Passei muito tempo me culpando por não conseguir devolver o gostar de alguém que demonstrava me colocar acima de qualquer outra pessoa, até me perceber preferindo aquelas que estendiam seu amor a todas as outras, pois quando o direcionam apenas a mim não é porque sejam realmente boas, mas por querer exercer egoisticamente o seu direito de preferência.
Sempre que alguém se referir a mim como “ético” irei receber aquilo como uma expressão de carinho entre duas pessoas que se estimam, mas nunca como elogio. É como esperar ser exaltado por estar dotado de cabeça, tronco e membros já que ética não é qualidade mas, em tese, algo inerente à toda a espécie humana. O dia que todos entendermos isso teremos priorizado a consciência, em lugar de sermos tidos como virtuosos.
A esperança num Brasil real reacende todas as vezes que escutamos alguém exibindo um lado que é o mesmo de qualquer ângulo que se olhe, seja pela ótica pública quanto na privada!
Por mais livre, desconexo e movediço que se mostre o meu legado nas letras, alguém virá depois para juntar tudo o que escrevi num único balaio e me encaixar num “ismo” qualquer com aquele ar professoral e incontestável de quem foi “luizbodsteinista” desde criancinha.
Alguém já teve notícia de santo de casa que fez milagre? A história geralmente os descreve como gemas descobertas em porta-jóias alheios, e das quais os seus se apropriam depois como os mais devotados “herdeiros in memorian”.
Toda vez que compartilhamos com alguém algo que nos é vital delegamos a terceiros o poder de decisão sobre o nosso futuro. O preço da liberdade, porém, é alto, pois impõe o enfrentamento de situações terríveis sem nenhuma ajuda e a consciência de que optar por ela será sempre um ato de extrema coragem.
Acreditar em toda narrativa que lhe trazem pode não revelar nada sobre a verdade de alguém, mas apenas que você não é tão esperto quanto imagina!