Quem Sou Eu Clarice Lispector
Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.
(...) sinto de vez em quando que sou o personagem de alguém.
Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.
Sou imatura bastante para não suportar bem um prazer frustrado.
Eu sou sim. Eu sou não. Aguardo com paciência a harmonia dos contrários. Serei um eu, o que significa também vós.
Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.
Acontece que sou tão ávida da vida, tanto quero dela e aproveito-a tanto e tudo é tanto – que me torno imoral. Isso mesmo: sou imoral.
Sou terrivelmente, essencialmente mortal.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.
Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
