Coleção pessoal de lulimap

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Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamente o inesperado

Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada por uma risada!

Sábio é quem monotoniza a existência, pois então cada pequeno incidente tem um privilégio de maravilha. O caçador de leões não tem aventura para além do terceiro leão. Para o meu cozinheiro monótono uma cena de bofetadas na rua tem sempre qualquer coisa de apocalipse modesto. Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte. O viajante que percorreu toda a terra não encontra de cinco mil milhas em diante novidade, porque encontra só coisas novas; outra vez a novidade, a velhice do eterno novo, mas o conceito abstracto de novidade ficou no mar com a segunda delas.

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu?

A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos, em os libertar deles mesmos, propondo-lhes a nossa personalidade para especial libertação.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Tudo em nós está em nosso conceito do mundo; modificar o nosso conceito do mundo é modificar o mundo para nós, isto é, é modificar o mundo, pois ele nunca será, para nós, senão o que é para nós.

O mundo é de quem não sente. A condição essencial para se ser um homem prático é a ausência de sensibilidade.

Amar é cansar-se de estar só: é uma covardia portanto, e uma traição a nós próprios (importa soberanamente que não amemos).

Sentir é criar. Sentir é pensar sem ideias, e por isso sentir é compreender, visto que o Universo não tem ideias.

Agir, eis a inteligência verdadeira. Serei o que quiser. Mas tenho que querer o que for. O êxito está em ter êxito, e não em ter condições de êxito. Condições de palácio tem qualquer terra larga, mas onde estará o palácio se não o fizerem ali?

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.

A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo.

[O sentido da minha vida] é inventado a cada momento, mas é claro que eu necessito da poesia, eu necessito da arte, eu necessito de estar discutindo essas coisas, de estar pensando nessas coisas que dão transcendência à vida. Eu não tenho dúvida alguma de que a arte é necessária porque a vida não é suficiente, porque senão qual era a necessidade de inventar a arte? A necessidade é essa: as pessoas necessitam dela, por mais que aconteça coisa no mundo, a arte sobrevive, como uma forma de acordo com o momento, com a época, ela é uma coisa necessária, como a ciência é necessária, como a filosofia é necessária, como a religião é necessária, como a política é necessária.

Mau Despertar

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum

Não sei na madrugada
se estou ferido
se o corpo
tenho
riscado
de hematomas

Zonzo lavo
na pia
os olhos donde
ainda escorre
uns restos de treva.

Aprendizado

Do mesmo modo que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta.

Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei.

é domingo
o carro que dá partida é o mesmo há alguns anos
o caminho é quase o mesmo
a mesma estrada
os mesmos lamaçais
os mesmos vira-latas nas calçadas
as mesmas bicicletas
talvez sejam os mesmos os homens que ali vendem abacaxis
a senhorinha da barraca de verduras
ainda é a mesma

O paradoxo da pobreza material
e da riqueza
daquele ar romântico
e meio bucólico
são os mesmos

as mesmas galinhas nos quintais
o cavalo que puxa a carroça
o pasto
o curral
o Sol que reflete na vegetação
o trem que anuncia passagem
todos ainda são os mesmos

entro pela mesma porta
encontro ali
a mesma poltrona
a TV ligada no mesmo canal
o mesmo café
o mesmo bolo de fim de tarde

a rotina é a mesma
um passeio pelas plantinhas da varanda antes de pôr a mesa
uma indicação de um remedinho pra tosse antes de partir
exatamente a mesma Helena
exatamente o mesmo João

eu, que há muito já não sou a mesma
minha cor preferida já é outra
já não leio a mesma coleção de livros do Pedro Bandeira
já não vejo mais os filmes de antes
e a cada instante mudo um pouco mais

conservo exatamente a mesma vontade
de que aquilo contrarie o tempo e a natureza
e permaneça
naquele mesmo vazio de grandes construções
atrás daquele mesmo trilho de trem
e que a cada domingo que a vida guarde
baste atravessar a mesma estrada
o mesmo lamaçal
e aquele amor continuará ali
exatamente o mesmo
desde o meu primeiro abrir e fechar de olhos
há vinte e dois anos atrás

querer estar mais perto de quem me traz pra mais perto de mim.

O que a galera não entende é que faz tempo que a minha militância é contra mim mesmo. Meu maior opressor sou eu e é o fim dele que eu quero. Na militância dessa vida virtual, não existe espaço pra imperfeição. A ditadura da performance reina no tribunal do Feicibuqui e os seus juízes esqueceram que a militância da vida real é feita de seres humanos, seres falhos.
"Vou descobrir o que me faz sentir. Eu, caçador de mim..."