Poesia de Filha Querida
Os rios
Os rios que eu encontro
vão seguindo comigo.
Rios são de água pouca,
em que a água sempre está por um fio.
Cortados no verão
que faz secar todos os rios.
Rios todos com nome
e que abraço como a amigos.
Uns com nome de gente,
outros com nome de bicho,
uns com nome de santo,
muitos só com apelido.
Mas todos como a gente
que por aqui tenho visto:
a gente cuja vida
se interrompe quando os rios.
Como aceitara ir
no meu destino de mar,
preferi essa estrada,
para lá chegar,
que dizem da ribeira
e à costa vai dar,
que deste mar de cinza
vai a um mar de mar;
preferi essa estrada
de muito dobrar,
estrada bem segura
que não tem errar
pois é a que toda a gente
costuma tomar
(na gente que regressa
sente-se cheiro de mar).
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu meus cartões de visita
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minha dieta
O amor comeu todos os meu livros de poesia
O amor comeu meu Estado, minha cidade
O amor comeu minha paz, minha guerra, meu dia e minha noite
Meu inverno, meu verão
Comeu meu silencio, minha dor de cabeça
O meu medo da morte
Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.
Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.
É tão absurdo dizer que um homem não pode amar a mesma mulher toda a vida, quanto dizer que um violinista precisa de diversos violinos para tocar a mesma música.
Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível.
Quem perde seus bens perde muito; quem perde um amigo perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo.
O senhor não daria banho a um leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não. Só por amor se pode dar banho a um leproso.
A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre, por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente.
Botas...as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de as descalçar.
A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas, por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.
O homem vangloria-se de ter imitado o voo das aves com uma complicação técnica que elas dispensam.
Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão.
Os homens compram tudo pronto nas lojas... Mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos.
Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.
Eu não sou homem que recuse elogios. Amo-os; eles fazem bem à alma e até ao corpo. As melhores digestões da minha vida são as dos jantares em que sou brindado.
Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira.
