Poesia Amor Clarice Lispector
A incomunicabilidade de si para si mesmo é o grande vórtice do nada. Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador. Quero eu mesmo ter a chave do mundo e transpô-lo como quem se transpõe da vida para a morte e da morte para a vida.
Vida é o desejo de continuar vivendo e viva é aquela coisa que vai morrer. A vida serve é para se morrer dela.
Eu queria uma liberdade olímpica. Mas essa liberdade só é concedida aos seres imateriais. Enquanto eu tiver corpo ele me submeterá às suas exigências. Vejo a liberdade como uma forma de beleza e essa beleza me falta.
De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele.
Esta noite – é difícil te explicar – esta noite sonhei que estava sonhando. Será que depois da morte é assim? O sonho de um sonho de um sonho?
É preciso que você reze por mim. Ando desnorteada, sem compreender o que me acontece e sobretudo o que não me acontece.
Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão.
Quando tomei posse da vontade de escrever, vi-me de repente num vácuo. E nesse vácuo não havia quem pudesse me ajudar. Eu tinha que eu mesma me erguer de um nada, tinha eu mesma que me entender, eu mesma inventar por assim dizer a minha verdade.
Queria ver se o cinzento de suas palavras conseguia embaçar meus vinte e dois anos e a clara tarde de verão.
Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.
Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas – porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste.
Quando se trata de apaziguar os outros, transformo-me subitamente numa grande fonte de serenidade. E eu mesma bebo dessa fonte.
Eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.
Eu queria fazer uma história cheia de todos os instantes, mas isso sufocava o próprio personagem. Acho mesmo que meu mal é querer ter todos os instantes.
Resolvi não falar hoje em saudade, nem dar a entender “saudade” por carinhos... Senão me derramaria demais e perderia o equilíbrio que é tão necessário pelo menos para se dormir de noite.
Tudo o que eu tenho é a nostalgia que vem de uma vida errada, de um temperamento excessivamente sensível, de talvez uma vocação errada ou forçada etc.
Meus problemas são os de uma pessoa de alma doente e não podem ser compreendidos por pessoas, graças a Deus, sãs.
Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.
O problema para quem escreve é antes de tudo um problema literário – mas pergunto-lhe agora: é ainda um problema literário a falta de pés no chão ou é anterior a ele?
Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades – depois disso fica-se um pouco um trapo.
