Poemas inteligentes

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sou ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Qualquer um ensina a uma multidão o caminho do bem.
Poucos conseguem que uma única dessas pessoas cumpra esse caminho na prática.
Há sempre um abismo entre as palavras e os atos, entre o gesto e a graça que lhe faz brilhar.
Palavra, palavra, palavras, estou farta de todas elas.
A razão pode ter todas as regras e todas as leis, as mais claras e as mais distintas possíveis, para conter a paixão. Mas uma paixão ardente sempre saberá pular por cima dos limites e fazer a boca estourar em grito de desespero ou de alegria.
Não há pensamento, por mais sábio, que freie a natureza. O instinto é a única verdade que existe. Toda vida é instinto, segurá-lo é morrer. Só há movimento e desejo, gesto e realização. Todo o resto são fagulhas e miragens, linguagem vazia, passatempo de quem não sabe nada da vida.
O único objetivo da natureza é transbordar.

Eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata

(...)

É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mistérios de um sono

Estou dormindo. E embora pareça contradição, suavemente de repente o prazer de estar dormindo me acorda num sobressalto também suave. Estou acordada e ainda sinto o gosto daquela zona rural onde subsolarmente eu espalhava de minhas raízes os tentáculos de um sonho.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

E fala e ri e gesticula e grita.
(teus olhos)
entrava-nos alma adentro
e via esta lama podre
e com pesar nos fitava
e com ira amaldiçoava
e com doçura perdoava.

Soneto Inglês nº2

Aceitar o castigo imerecido
não por fraqueza, mas por altivez.
no tormento mais fundo o teu gemido
trocar num grito de ódio a que o fez.
As delícias da carne e pensamento
com que o instinto da espécie nos engana,
sobpor ao generoso sentimento
de uma afeição mais simplesmente humana.
Não tremer de esperança e nem de espanto.
Nada pedir nem desejar senão a coragem
De ser um novo santo. sem fé num mundo além do mundo.
E então morrer sem uma lágrima que a vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.

Manuel Bandeira
BANDEIRA, M, Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira

DA ANÁLISE

Eis um problema! E cada sábio nele aplica
As suas lentes abismais.
Mas quem com isso ganha é o problema, que fica
Sempre com um X a mais...

Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin...

Uns Versos Quaisquer

Vive um momento com saudade dele
Já ao vivê-lo . . .
Barcas vazias, sempre nos impele
Como a um solto cabelo
Um vento para longe, e não sabemos,
Ao viver, que sentimos ou queremos . . .

Demo-nos pois a consciência disto
Como de um lago
Posto em paisagens de torpor mortiço
Sob um céu ermo e vago,
E que nossa consciência de nós seja
Uma cousa que nada já deseja . . .

Assim idênticos à hora toda
Em seu pleno sabor,
Nossa vida será nossa anteboda:
Não nós, mas uma cor,
Um perfume, um meneio de arvoredo,
E a morte não virá nem tarde ou cedo . . .

Porque o que importa é que já nada importe . . .
Nada nos vale
Que se debruce sobre nós a Sorte,
Ou, tênue e longe, cale
Seus gestos . . .
Tudo é o mesmo . . .
Eis o momento . . .
Sejamo-lo . . .
Pra quê o pensamento?

Por isso creio
Cada noite no dia,
e quando tenho sede creio na água,
porque creio no homem.
Creio que vamos subindo
o último degrau.
Dali veremos
a verdade repartida,
A simplicidade implantada na terra,
O pão e o vinho para todos.

Uns dias, cheia de tédio, enervada e triste. Outros, lânguida como uma gata, embriagando-se com os menores acontecimentos. Uma folha caindo, um grito de criança, e pensava: mais um momento e não suportarei tanta felicidade.
(A bela e a fera – trecho da crônica Gertrudes pede um conselho)

E depois ando meio bonita, sem o menor pudor: vem do bem-estar.
(A descoberta do mundo – trecho da crônica Facilidade repentina)

Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...

Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...

Fernando Pessoa
PESSOA, F. O Guardador de Rebanhos, In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática. 1946 (10ª ed. 1993). p. 31
...Mais

Sei que nunca terei o que procuro
E que nem sei buscar o que desejo,
Mas busco, insciente, no silêncio escuro
E pasmo do que sei que não almejo.

DO ESPÍRITO E DO CORPO

O espírito é variável como o vento,
Mais coerente é o corpo, e mais discreto...
Mudaste muita vez de pensamento,
Mas nunca de teu vinho predileto...

Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.

Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.

Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são
Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.

Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.

Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.

-Soneto XLIII -
Quanto mais fecho os olhos melhor vejo;
o dia todo vi coisas vulgares;
mas quando durmo em sonho te revejo;
pondo no escuro luzes estrelares;
tu, cuja sombra faz brilhar as sombras;
pois tanto brilho no negror produzes.
Como podem meus olhos abençoados;
assim te ver brilhar em pleno dia;
quando na noite escura deslumbrados;
dentro de fundo sono eu já te via?
Meu dia é noite quando estás ausente;
e a noite eu vejo o sol se estás presente.

Porque é que um sono agita
Em vez de repousar
O que em minha alma habita
E a faz não descansar?

Que externa sonolência,
Que absurda confusão,
Me oprime sem violência
Me faz ver sem visão?

Entre o que vivo e a vida,
Entre quem estou e sou,
Durmo numa descida,
Descida em que não vou.

E, num infiel regresso
Ao que já era bruma,
Sonolento me apresso
Para coisa nenhuma.

Biografia

Entre o olhar suspeitoso da tia
E o olhar confiante do cão
O menino inventava a poesia...

Mario Quintana
Apontamentos de história sobrenatural. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

Ilusão Perdida

Florida ilusão que em mim deixaste
a lentidão duma inquietude
vibrando em meu sentir tu juntaste
todos os sonhos da minha juventude.

Depois dum amargor tu afastaste-te,
e a princípio não percebi. Tu partiras
tal como chegaste uma tarde
para alentar meu coração mergulhado

na profundidade dum desencanto.
Depois perfumaste-te com meu pranto,
fiz-te doçura do meu coração,

agora tens aridez de nó,
um novo desencanto, árvore nua
que amanhã se tornará germinação.

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