Poemas de Fernando Pessoa -Salazar
MALÍCIA ÉTICA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Sempre fale bem daquela pessoa que você sabe que fala mal de você. Não faça isso por bondade, mas por malícia, mesmo. Malícia ética de quem sabe que o tempo e as comparações de comportamentos desenharão seu prestígio; sua boa imagem. Ao mesmo tempo a maledicência, por si só, corroerá por completo a falsa fina estampa de quem a exerce. Você não precisa fazer nada para se defender. A própria convivência de seus afetos com os maledicentes derrubará todas as máscaras.
HIPOCRISIAS
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quando era membro de uma igreja cristã, fui a pessoa mais hipócrita sobre a face da terra. Para mim, o mundo estava completamente nas trevas; ninguém prestava, se não fosse convertido... em outras palavras, se não fosse como eu. Foi assim que aprendi com o meio, naquele tempo e lugar; foi assim que fui orientado a pensar e agir.
Faz muitos anos que não sou membro de qualquer comunidade religiosa. Mesmo assim, continuo sendo a pessoa mais hipócrita sobre a terra. Entre outros motivos, por me julgar melhor do que os convertidos, mesmo sabendo e não desejando fazê-lo. Sobretudo, por cair na tentação de me julgar a pessoa menos hipócrita sobre a terra.
POR QUEM SE FOI
Demétrio Sena, Magé - RJ.
A vida que segue
seja uma doce homenagem
à pessoa querida
que se despiu deste mundo,
se libertou das amarras
desta vida.
DA VIDA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Um velho conhecido - pessoa muito religiosa e atenta em questões alheias - me avisou para ter cuidado com uma nova amizade. Matar o mal pela raiz, pois aquela mulher espontânea, bem humorada, espirituosa e sagaz era da vida. Uma mulher da vida.
O aviso cheio de boas intenções daquele homem que tentou me afastar da suposta má companhia, na verdade me aproximou ainda mais de minha boa e recente amiga, por identificação definitiva... eu também sou da vida... um homem da vida.
Por ser da vida, quero cada vez mais distância de mulheres e homens da morte... pessoas sempre dispostas a julgar, condenar e matar pela raiz.
CIDADÃO
Demétrio Sena, Magé – RJ.
Seja menos ovelha e mais pessoa,
cidadão de vontades bem mais suas,
ande à toa e milite quando queira,
vá pras ruas e volte alheio às ordens...
Use todos os traços do seu ser;
são o mapa da sua natureza;
não se perca dos próprios desencontros
na beleza de sua imperfeição...
Tenha fé natural, não incutida,
sua vida foi dada pra você,
cada um tem a própria por cuidar...
Multidões não desenhem nossos passos
e senhores não tracem nossos prismas;
nossos laços de afeto, crença e luta...
A MESMA PESSOA
Demétrio Sena, Magé - RJ.
Quero em cada pessoa, realmente uma;
não importa o momento que atravesse agora,
seu outrora, o futuro que faz cara incerta
ou a mágoa recente (que não provoquei)...
Venha triste ou feliz, mas a mesma pessoa
no sorrir, no chorar e dizer o que dói,
na peleja e na loa, seja enferma ou sã,
caçarei o seu eu nos desvãos de su'alma...
Prezo cada verdade como veio a mim;
não as formas diversas, as conveniências,
a má fé ou doença do próprio caráter...
Vejo em todos os seres o que se mostrou
nos instantes da faixa de apresentação
e do show na versão que se vendeu pra mim...
VIRTUDEZINHA
Demétrio Sena - Magé
É possível me qualificar como pessoa profundamente sem vergonha, por várias razões. Mas acredito que a maior prova disso está na minha insistência em gostar de pessoas que há muito me deram um gelo. Não insisto em procurar, ficar perto nem conviver, necessariamente, ao notar que deixei de ser interessante. Mas por dentro, não consigo vencer a psicopatia do não deixar de gostar, e quando as vejo, puxar inadvertidamente um assunto qualquer.
Aí tenho de volta um monossílabo, aquele olhar enviesado e o sorriso sépia, como quem ganha um presente ou recupera o tesouro perdido. Em meu lugar, muitos diriam: "Meu maior defeito é não deixar de gostar de quem não tá nem aí pra mim.". Mas me permitam dizer que isso, mesmo sendo meu, é uma pequena virtude; não é? Tenho muitos defeitos, entre eles outras sem-vergonhices, que são sem-vergonhices mesmo, mas tenho essa virtudezinha, para salvaguardar minha natureza.
HUMANIDADE VENAL
Demétrio Sena - Magé
Dizer que alguém é "uma pessoa muito boa" quase sempre se baseia no que ela dá, no quanto socorre, atende, favorece, "dá status" ou, em última instância (quando não tem posses) obedece; bajula; serve... lambe as botas... cultua(...).
A sociedade é cada vez mais vazia de pessoas que admiram e gostam de graça... da companhia, o sorriso, a cumplicidade, o apoio. Desaprendemos cada vez mais de valorizar os ouvidos nos quais desaguamos... os braços, nos contextos do abraço e do acolhimento... os olhos sinceros, a voz franca e firme (sem escoar na grosseria ou na soberba, em nome da franqueza)... um ombro amigo... um silêncio mais eloquente que mil palavras ditas.
Não valorizamos o de graça. Tem que ter posses para dar vantagem ou servilismo para cultuar quem tem posses. No que tange os conceitos de amor e humanidade, nós estamos muito longe do tempo da graça... ou do tempo do de graça.
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#respeiteautorias É lei.
FEITO PESSOA
Demétrio Sena - Magé
Ando mais fingidor que o poeta que sou;
que a pessoa, o Pessoa, que todo poeta
sobre a face tão sonsa do chão em que piso
como quem se completa no próprio vazio...
Finjo crer que não fingem que sou invisível,
que deixei de contar nos espaços de afetos,
me tornei muito crível, fiquei muito à mão,
feito insetos que agora não podem voar...
A pessoa, os anseios que habitam meus ares
não encontram mais pares, mas finjo que sim
e não deixo saberem o quanto não mais...
O Pessoa que atua na minha ribalta,
sente falta infinita daquelas pessoas
que fingiam em mim, no meu eu, meu olhar...
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Respeite autorias. É lei
Se você,
espera algo grande de uma pessoa pequena,
espera algo profundo de uma pessoa vazia,
espera algo feliz de uma pessoa triste,
espera algo de luz de uma pessoa que vive nas trevas,
espera amor de uma pessoa que só tem ódio e rancor,
espera gratidão de uma pessoa ingrata,
espera protagonismo de uma pessoa que nasceu para ser coadjuvante,
espera atitude de uma pessoa que vive à margem,
Sinto ser o mensageiro das más notícias, mas vai continuar esperando, para sempre.
"O gênio moderno não sabe trocar uma lâmpada, o antigo morava em uma e ainda ajudava as pessoas com três pedidos."
"O sábio moderno não sabe todas as funções do smartphone, o sábio antigo inventou o smartphone."
Você foi a pessoa mas gentil que conheci.
Você foi a pessoa que me fazia sorrir todos os dias.
Você foi a pessoa que me fazia esquecer o mundo.
Você foi a pessoa mas alegri que eu já conheci.
Você foi a pessoa que me fazia bem.
Você foi a pessoa que mostrava os lados bons da vida.
Você foi a pessoa por que eu faria tudo.
Você foi a pessoa mas louca que já conheci.
Você foi embora, silenciosamente como o vento.
A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira.
A. impossibilidade de participar de todas as combinações em desenvolvimento a qualquer instante numa grande cidade tem sido uma das dores de minha vida. Sofro como se sentisse em mim, como se houvesse em mim uma capacidade desmesurada de agir. Entretanto, na parte de ação que a vida me reserva, muitas vezes me abstenho e outras me confundo. […] A ideia de que diariamente, a cada hora, a cada minuto e em cada lugar se realizam milhares de ações que me teriam profundamente interessado, de que eu certamente deveria tomar conhecimento e que entretanto jamais me serão comunicadas — basta para tirar o sabor a todas as perspectivas de ação que encontro à minha frente. O pouco que eu pudesse obter não compensaria jamais esse infinito perdido. Nem me consola o pensamento de que, entrando na confrontação simultânea de tantos acontecimentos, eu não pudesse sequer registrá-los, quanto mais dirigi-los à minha maneira ou mesmo tomar de cada um o aspecto singular, o tom e o desenho próprios, uma porção, mínima que fosse, de sua peculiar substância.
Para demonstrar o erro era preciso alguma coisa mais do que arruaças e clamores.
Entre pernas, passos e tropeços a gente vai deixando algumas coisas pelo caminho e encontrando outras... O que não pode é se subtrair. O processo tem que ser de acréscimo, sempre. Nada é tão definitivo assim e a gente nunca É, a gente ESTÁ...
Sempre digo que quem se aprofunda nas coisas, quem mergulha, sabe exatamente o gosto que tem o alimento cru porque não se contenta com o que está pronto, posto sobre a mesa. A gente vai experimentando aqui e acolá, vai sentindo o ritmo, o tempo, tendo cuidado com algumas coisas e desrespeitando as placas de aviso de perigo de outras. A gente cai, levanta, chora, celebra. A gente vive. A gente se conhece através das reações dos outros a nós mesmos. A gente se trabalha ou estagna, regride ou evolui. A escolha é sempre nossa. Tal como as consequências. A gente resolve se entregar quando é tarde pra descobrir que pra respeitar o nosso próprio tempo, é preciso lembrar e ter o mesmo respeito pelo tempo do outro. E que muitas vezes, pra ser honesto, é preciso se correr um risco o qual não queremos. Mas a gente corre. Que o medo não tenha tanto poder sobre nós... E que não fiquemos condicionados por experiências anteriores - há sempre uma oportunidade de surpresa, mas teremos que estar abertos a isso. Nada é tão definitivo.
A maioria dos dramas está nas ideias que formamos das coisas. Os acontecimentos que nos parecem dramáticos são apenas assuntos que a nossa alma converte em tragédia ou em comédia, à mercê do nosso carácter.
Jamais os moralistas conseguirão fazer compreender toda a influência que os sentimentos exercem sobre os interesses. Essa influência é tão poderosa como a dos interesses sobre os sentimentos. Todas as leis da natureza têm um duplo efeito, em sentido inverso um do outro.
Libertar uma pedra nada significa se não existir gravidade. Porque a pedra, depois de liberta, não iria a parte nenhuma.
Jamais essa mulher nascerá. Só de uma rede de laços se pode nascer. Ela continuará a ser semente abortada, poder por empregar, alma e coração secos. Ela há-de envelhecer funebremente, entregue à vaidade das suas capturas.
Tu não podes atribuir nada a ti próprio. Não és cofre nenhum. És o nó da diversidade. O templo, também é sentido das pedras.
