Poemas a um Poeta Olavo Bilac
Desde o início da minha aventura de estudioso, estou persuadido de que a sabedoria – ideal a um tempo móvel e derradeiro da filosofia – não consiste em verdades gerais cristalizadas em formulas doutrinais repetíveis, mas na apreensão do sentido universal das situações particulares, únicas e concretas vividas pelos seres humanos reais.
Um professor tem de concentrar-se de tal modo no OBJETO da sua exposição, que não precise nem possa pensar na impressão que está dando à platéia. Um professor não é um pregador em busca de conversões, nem um ator empenhado em produzir emoções, nem um advogado ansioso para obter uma sentença favorável.
O estudante que acompanha regularmente as minhas aulas e faz um esforço sério para apreender as estruturas profundas do meu pensamento, ainda que sem aderir a todas as minhas opiniões sobre pontos particulares, especialmente da política atual, torna-se um continuador e um intérprete qualificado da minha obra. Se, em vez disso, o cidadão apenas adere a algumas opiniões minhas que chegaram ao seu conhecimento, fazendo ou não delas a inspiração principal e o polo orientador da sua militância cultural ou política, isso não faz dele, evidentemente, um 'discípulo' nem representante do meu pensamento, por mais simpático que ele seja à minha pessoa e aos meus esforços.
Opor-se a um discurso ideológico, sem fazer nada contra o esquema político concreto que se utiliza dele, é o mesmo que discursar contra o roubo para não ter de prender os ladrões.
Os filósofos existem por um só motivo: a hipótese de um discurso coletivo e uniformemente repetível alcançar a verdade das situações humanas reais e concretas é praticamente nula. Só a consciência individual tem mobilidade e autocontrole crítico para isso. Mesmo a Palavra de Deus, se repetida com automatismo e não reavivada em cada consciência -- com todo o risco que isto envolve --, perde significado ou se perverte no seu oposto. As almas covardes têm medo da solidão cognitiva e buscam apoio num consenso grupal ou coletivo. Essa segurança NÃO EXISTE. Ela é "o mundo", no sentido bíblico: um dos inimigos da alma. O dever de conhecer é individual e intransferível. Toda a nossa civilização começa no alto da Cruz, onde a Verdade, encarnada num só, era achincalhada por todos e negada até pelo chefe dos seus apóstolos. Não há Imitação de Cristo onde não se aceita a carga da verdade solitária.
Nossa consciência tem um centro vital, localizado no miolo do coração, inalcançável pelo mero 'pensamento'. Ele domina os opostos como o jovem Mercúrio segurando as duas cobras e, entre as contradições e perplexidades da vida, orienta o pensamento que, em vez de se afirmar como soberano, consente em obedecê-lo docilmente.
O Bem não é um universal abstrato. O Bem é uma Pessoa, é Deus. Só se assimila o Bem por contato pessoal e impregnação no amor divino. O resto é filosofice uspiana. Só a prece infunde nas almas o amor ao Bem, na medida em que O vão conhecendo aos poucos, muito acima do que podem pensar ou expressar. Estudar Ética só é bom para ludibriar os trouxas.
"Quanto menos prática da religião um sujeito tem, mais se crê habilitado a diagnosticar a hipocrisia na prática religiosa dos outros."
"'influência dos astros' é um fenômeno objetivo que existe ou não existe. 'Astrologia' é um conjunto inabarcável de idéias, práticas, mitos, especulações, fantasias, tradições culturais, intuições, tudo misturado numa mixórdia indeslindável que NINGUÉM poderá jamais reduzir a uma teoria unificada passível de ser discutida. Por que sei isso? Porque estudei os dois assuntos e sei que são dois — coisa que os palpiteiros 'científicos' não percebem nem mesmo em sonhos.
Quando todos os argumentos de um lado e do outro me parecem igualmente persuasivos, há duas conclusões possíveis: (a) a solução do problema escapa à minha compreensão; (b) ela não existe, ao menos por enquanto. Isto basta para acalmar ao menos provisoriamente a minha inquietação, por dois motivos: (a) Por que raios deveria eu saber a solução de todos os problemas? (b) Por que raios todos os problemas deveriam ter alguma solução?
A verdade JAMAIS coincide com o discurso pronto de um partido, facção ou moda. Mesmo quando este tem alguma razão, é só em partes cuidadosamente selecionadas da realidade. Coerência ideológica é um compromisso de não acertar nunca.
Cada um que adere a uma política acredita piamente que ela representa o bem, a verdade e a justiça. Mas é só por uma coincidência momentânea e por uma conjunção de fatores instáveis que os ideais políticos podem, em certas circunstâncias, encarnar fielmente algum valor moral genuíno. Há políticas melhores e piores, mas não há política santa.
A coisa mais difícil e arriscada, na vida intelectual, é apreender um sistema, uma ordem, uma rede de conexões por trás de dados fragmentários e inconexos. No mínimo é preciso experimentar muitas hipóteses contraditórias até encontrar a que seja menos inviável, e essas hipóteses só acabam se revelando bastante tempo depois dos fatos transcorridos, quando várias tentativas já falharam (as famosas 'opiniões dos sábios', que segundo Aristóteles são o começo de toda investigação). Mas, no Brasil, as coisas mal acabam de acontecer e já aparecem mil espertinhos desvendando as conexões mais espetaculares por trás de tudo, sem nem mesmo cogitar de outras hipóteses possíveis.
Se aparece um cidadão que dá ordens à tempestade e ela obedece, manda os peixes caírem na rede e eles caem, manda as doenças sumirem e elas somem, manda um morto voltar à vida e ele volta, é mais sensato acreditar nesse cidadão ou numa comunidade de profissionais que estão a todo momento cavando verbas colossais, disputando prestígio e se desmentindo uns aos outros? Só um cretino acha que a comunidade científica é mais confiável do que Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por que meditar a Paixão de Cristo? Porque o padre mandou? Para se fazer de santinho? Para fazer um bonito sermão? Para sofrer sem motivo? Nada disso. Meditá-la porque ela é o centro, o eixo em torno do qual tudo gira, o único acontecimento, desde a Criação do Mundo, que se passou sem jamais passar; que está sucedendo eternamente a todo instante quer você pense nele ou não.
Eu não poderia jamais ser um filósofo universitário. Não há praticamente debate universitário de filosofia que não me pareça errado desde a base, porque não parte da 'presença total' e sim da divisão universitária das disciplinas. E estou falando das universidades sérias.
Se a consciência que tenho de mim mesmo — a identidade do meu “eu”– fosse um efeito da continuidade corporal, ela seria inconstante e mutável como os sucessivos estados do meu corpo, e não haveria por trás destes uma consciência constante capaz de registrar, comparar e unificar num conceito geral estável as mudanças que o meu corpo sofre. Se fosse um produto da impregnação linguística, um simulacro de identidade introjetado pelo uso repetido do nome e do pronome, como faria eu para saber que o nome pelo qual me chamam e o pronome pelo qual me designo se referem a mim? Se, por fim, fosse um resultado da abstração que por trás dos estados apreende a unidade da substância, QUEM, pergunto eu, operaria o mecanismo abstrativo? Conclusão: a identidade do meu eu é independente e transcendente em face do meu corpo, da linguagem e das operações da minha inteligência abstrativa. É uma condição prévia sem a qual não pode haver identidade corporal, nem linguagem, nem pensamento. A identidade do “eu” é a própria unidade do real que se manifesta na existência de uma substância em particular que sou eu. Nenhuma explicação causal tem o poder de reduzi-la a qualquer fator, pois é ela que unifica todos os fatores. A existência do “eu” é o inexplicável por trás de tudo o que é explicável.
NADA estupidifica mais perfeitamente um ser humano do que o uso habitual do vocabulário das ciências naturais em contextos que escapam ao horizonte cognitivo próprio delas. O sujeito tem a impressão de que está nomeando a realidade das realidades, quando está apenas fazendo metáforas e metonímias muito vagabundas.
Há anos eu descobri que isto é um princípio: jamais aceite explicações sociológicas quando elas estão ali para substituir a verdadeira explicação histórica, que é a narrativa real do que aconteceu, efetivamente como se passou.
O que faz de um corpo animal vivente um corpo animal vivente não é o simples fato de mover-se no espaço, é ter um centro sensitivo e consciente que está em comunicação instantânea com todas as partes e ações do seu corpo e, no caso dos animais superiores, sobretudo o homem, com todo um universo de signos à sua volta. É nesse centro que reside a sua unidade, e ele é totalmente inacessível à percepção sensorial desde fora. O filósofo francês (nascido no Vietnam) Michel Henry enfatiza, com razão, que a realidade dos animais viventes está toda na sua SUBJETIVIDADE, e esta, como o Deus de Sto. Tomás de Aquino, só é cognoscível por analogia.
