Poemas a um Poeta Olavo Bilac
"Minha esperança é que os meus alunos, com o tempo, consolidem um genuíno estilo brasileiro de alta cultura: inseparavelmente popular e erudito, engraçado até ao ponto de matar de rir, com clarões de lucidez escandalosa que parecem loucura à primeira vista. Sem folclorismos veados. Profundamente cristão sob uma aparência enganosamente obscena. Aristóteles no programa do Alborghetti. Cogito ergo Mussum. Isso há de acontecer, se Deus quiser."
Você só se torna um homem culto quando a cultura adquirida fecundou e moldou a sua personalidade, o seu modo interior de sentir e perceber — não quando ela apenas lhe deu alguns instrumentos de raciocínio, que você carrega como equipamento exterior.
Estudar filosofia, ciência política, direito, sociologia etc. jamais fará de você um homem culto, se você não consumir literatura em doses ainda maiores, e com aquela ânsia incontida de apreender novas e mais ricas maneiras de sentir, de perceber, de ouvir e de falar.
Na inveja de bens materiais resta sempre a esperança de obtê-los um dia, mas, se são bens intelectuais ou espirituais, quanto mais alguém os inveja, mais os perde, levando junto para o ralo o que possa restar de honra e moralidade. Esse tipo de inveja leva à degradação total, sem limites.
No Brasil, se um sujeito escreve bons livros, educa milhares de pessoas e desperta por toda parte vocações criadoras, não faltará quem acredite que falar mal dele é uma realização ainda mais grandiosa.
Um filósofo na mídia é um pregador 'in partibus infidelium' — um jesuíta entre antropófagos. Não entendem uma palavra do que ele diz e ele ainda se arrisca a ser comido vivo. Em outras épocas, filósofos-jornalistas como Ortega y Gasset, Gabriel Marcel e Raymond Aron podiam contar com um público habilitado, que compreendia seus argumentos. Hoje é preciso, ao mesmo tempo, argumentar e ensinar ao público o que é um argumento. Pior ainda: quanto mais despreparado, mais o público de hoje é arrogante e palpiteiro. O que recebo de cartas pretensiosas, sem pé nem cabeça, é uma grandeza.
A lição número um dos estudos filosóficos permanece totalmente desconhecida no Brasil: uma filosofia tem de ser compreendida nos seus próprios termos antes de ser comparada a qualquer outra coisa.
As opiniões comuns e correntes delineiam-se sobre um fundo de crenças gerais socialmente admitido. Uma filosofia JAMAIS pode ser compreendida com base nesse fundo porque ela não se move dentro dos limites dele, mas tenta, desde fora, reformá-lo e ampliá-lo.
Já expliquei, aparentemente em vão, que a 'liberdade' não é, logicamente, um princípio universal de aplicação óbvia e improblemática como a igualdade perante a lei ou a proibição do falso testemunho, e sim apenas uma conveniência prática que deve ser administrada com prudência, já que, como toda conveniência prática, inclui em si sua própria limitação e, estendida sem critério, se perverte automaticamente numa rede de limitações chamadas ironicamente de 'liberdade'. Essa advertência torna-se ainda mais importante no caso da 'liberdade religiosa' -- uma bolha de sabão verbal que estoura no ar à primeira tentativa de levá-la à prática. Estudei Hegel o suficiente para entender que ele tem razão ao dizer que todo preceito particular tomado como universal se converte automaticamente no seu oposto tão logo sai do papel para a realidade. Apenas, não vejo como explicar isso a nenhum político, militante ou eleitor apaixonado pelos 'valores ideais' que imagina defender. [...]
O mesmo aplica-se à 'expansão dos direitos democráticos', tão louvada por bocós como Marilena Chauí e até por homens supostamente inteligentes como Norberto Bobbio."
Todas as opiniões, com efeito, nascem de alguma reação à experiência vivida, mas muitas delas são uma reação de fuga, o fechamento neurótico numa redoma de palavras. São expressões de almas frágeis e vacilantes, que se apegam a opiniões como se fossem amuletos, para escapar ao terror da incerteza, ao thambos aristotélico, portanto à possibilidade mesma de acesso à verdade.
A doença política do Brasil é a condensação de um handicap cultural crônico, a pequenez da alma e o estreitamento do imaginário ante a complexidade da existência. Os brasileiros vivem citando Fernando Pessoa, mas não tiram de um de seus versos a conclusão mais necessária e urgente: Nada vale a pena quando a alma é pequena.
Desde que o mundo é mundo, há um conflito insolúvel entre a busca do conhecimento e a busca do prestígio, da respeitabilidade, da aceitação na 'boa sociedade'. O saber avança contra todo bom-mocismo, contra todo convencionalismo, contra todo conformismo bem-pensante. Hoje em dia, porém, a ciência, especialmente sob a forma do 'consenso acadêmico', tornou-se um dos pilares do convencionalismo e o guardião do portal da 'boa sociedade'. Você pode matar sua mãe sem deixar de ser uma pessoa respeitável, mas conteste algum artigo-de-fé do consenso acadêmico e imediatamente fazem de você um réprobo, um monstro, um inimigo da humanidade.
Se não há nada de novo a dizer sobre um filosofo de antigamente, escrever sobre ele é só uma frescura acadêmica, uma exibição de cultura para fazer currículo. Nunca escrevi sobre Platão porque Paul Friedländer, Eric Voegelin e Giovanni Reale descobriram mais coisas sobre ele do que o meu pobre cérebro conseguiu processar até agora. Mas creio ter descoberto umas coisinhas sobre Aristóteles, Descartes, Maquiavel e Karl Marx.
O que genuinamente desejamos da vida, o nosso sonho mais profundo e verdadeiro, é um segredo que Deus só nos revela aos poucos. Enquanto não o vislumbramos, vamos confundindo-o com toda sorte de desejos copiados – os desejos miméticos como os chamava René Girard, coisas, sensações e situações que mal conhecemos, das quais em geral não sabemos é nada, e que só nos parecem desejáveis porque vimos que outras pessoas as desejavam e, desprezando-nos a nós mesmos no fundo obscuro do nosso coração, imaginamos que nos sentiríamos um pouco menos miseráveis se nos tornássemos iguais a essas pessoas. Não há nada mais triste do que uma vida consagrada inteiramente à busca dessas miragens, que, quanto mais as adoramos, mais nos decepcionam.
A razão é, eminentemente, senso das proporções. Quando ele falta, a incerteza resultante busca um alívio postiço imitando símbolos convencionais de equilíbrio, moderação, justiça e até bondade. Aí o fosso entre o sentimento subjetivo e a realidade objetiva pode aprofundar-se até dimensões abissais, tornando-se tanto mais intransponível quanto mais a alma se sente segura de poder atravessá-lo com a ajuda das muletas simbólicas que lhe dão a impressão enganosa de estar de acordo com o senso comum da humanidade.
Um intelectual público é, por definição, o sujeito capaz de apreender e articular num relance a multiplicidade de perspectivas de qualquer fenômeno social em vez de impor a ele as limitações da sua própria formação profissional e ainda se achar, por isso, o mais qualificado dos opinadores.
Nunca fui tímido por natureza, mas entre os vinte e os vinte e poucos anos tive um período de timidez porque estava com todos os dentes estragados, não tinha dinheiro para consertá-los, parecia um mendigo e julgava que a coisa mais sensata a fazer com a minha cara era escondê-la. Por isso compreendo perfeitamente o fenômeno da timidez Ela tira você da corrente da vida e o espreme num canto escuro onde tudo só acontece em pensamento e nada se realiza. Ela esmigalha oportunidades como se fossem minhocas em que você pisa no caminho. Ela afasta você do que você quer e povoa a sua vida de tudo o que você não quer. Da timidez à depressão e da depressão ao ressentimento o caminho é bem curto. Os tímidos estão entre os alimentos preferidos do diabo. Ele os mastiga como chicletes e joga fora a borrachinha insossa que sobra no fim. Se você tem a tentação da timidez, largue disso imediatamente. Comece a fazer tudo o que você teme que vai cobri-lo de ridículo. É melhor pagar mico do que ser um mico.
Um dos sinais mais visíveis da imaturidade presunçosa é exigir constância no julgamento que fazemos de pessoas, como se reconhecer mudanças, incoerências e ambiguidades fosse um pecado intelectual mortal.
Excluídos o heroísmo e a santidade, ser um escritor -- um escritor de verdade -- é a mais alta glória humana. Dar voz a quem não tem, dizer em palavras claras o que todos sentem no fundo obscuro de uma consciência muda, e assim devolver a cada um o domínio do seu próprio destino, é o mais belo serviço que alguém pode prestar aos seus semelhantes. Que cargo público pode significar alguma coisa em comparação com isso?
A compreensão de todo simbolismo mitológico ou religioso depende de um certo senso das inversões. Um símbolo, por definição, não tem sentido unívoco, podendo sempre transfigurar-se em seu contrário, conforme a esfera de ser a que se aplique num contexto dado. Por isto e só por isto tem força evocativa e geradora, não cabendo aprisionar na moldura de um conceito fixo aquilo que é antes, na feliz expressão de Susanne K. Langer, uma 'matriz de intelecções possíveis'.
O vigor cultural de um país depende de um e um só fator: a liderança intelectual tem de pertencer aos melhores e mais capacitados, não àqueles cuja fraqueza e inépcia buscam proteção no apoio grupal, na solidariedade corporativa e na mobilização de exércitos de mexeriqueiros.
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