Fuga
IV. A lucidez que enlouquece
Nem toda loucura é fuga. Algumas são excesso de lucidez. Quando se vê demais, sente-se demais. Quando se compreende além do que é possível suportar, a mente busca rotas que a consciência não escolhe. Há dores que não cabem na razão, e há verdades tão nuas que dilaceram.
A lucidez, quando absoluta, é um risco. Porque ver tudo sem véus é também ver o absurdo, a finitude, o vão das promessas humanas. E nem sempre se está pronto para permanecer são dentro desse deserto.
A loucura, por sua vez, aparece como véu restaurador. Ela recobre o intolerável, inventa símbolos, reinventa a lógica. Cria sistemas próprios onde o indivíduo pode ainda ser deus, vítima, redentor, qualquer coisa que impeça o colapso. É nesse sentido que a loucura pode ser também criação, não destruição. A reconstrução de um universo interno, com regras próprias, para que o ser não se desintegre.
E no entanto, mesmo no delírio, há beleza. Porque onde há linguagem, ainda que dissonante, há desejo de expressão. Onde há construção, ainda que simbólica, há instinto de permanência. E onde há dor, há humanidade.
Compreender esse ponto é recusar a dicotomia. É não separar em rótulos estanques o que, na verdade, se entrelaça em ondas. Todos os que pensam profundamente já roçaram a margem da loucura. Todos os que criam com intensidade já sentiram a vertigem do descontrole. O equilíbrio é uma dança. E a lucidez verdadeira não exclui o delírio, apenas o traduz.
Liberdade ou fuga eu não sei qual é mais perigoso, só sei que ambos são oferecidos como uma recompensa.
Ilha de pedra
Desesperou-se em fuga e remou forte, com muito peso de bagagem em tempestade naufragou
Flutuava sobre as águas inconstantes, adormeceu, o que sonhava em paz por instantes acordou
Não sabia onde estava, era frio incessante, doía nos ossos, sua alma amedrontou
O nascer do sol levava calor, sede, fome e esperança a quem se perguntava “quem sou?”
Não cessou seu inferno solitário, era muito quente, sua intensidade rugia e se desfazia
Não se pode ficar tanto tempo exposto ao sol, garganta seca, pouco gritava, pouco dizia
Neste mar de pedra não há abrigo que resfria, que agonia
Ali adiante haviam as águas e um vasto precipício de onde saltar
O medo das pedras afiadas exaltavam o grande risco de se detonar, machucar
O quão profundo e seguro seriam aquelas águas pra se mergulhar?
Quanto tempo sobreviveria ao sol a desidratar e queimar?
O impiedoso tempo indagava e obrigava uma escolha sábia tomar
Não se sabe como partiu
No fim desta história sabe-se apenas que foi o sol ou mar
Se não somos competentes para blindar as metas que nós mesmos estabelecemos. Só nos resta a fuga e até o isolamento se necessário, como opção!
Eu vejo o mundo cair.
De onde irei partir?
Eu vejo o mundo girar.
Aonde irei parar?
Eu vejo o mundo ruir.
Para onde irei fugir?
Eu pressinto a morte chegar.
Como irei escapar?
As estações mudaram e nosso amor esfriou
Alimentamos a chama porque não conseguimos abrir mão disso
Fugimos, só que estamos correndo em círculos
Às vezes a dor é tanta que a alma quer sair correndo do corpo... Fugir para um lugar, não necessariamente o Paraíso, mas qualquer lugar que sejam teus abraços....
No fim eu era infantil.
E já estava na hora de abandonar isso, o tempo passa, a vida pede para que nos tornemos pessoas maduras.
A vida pede.
As pessoas pedem.
E chega um momento em que a vida exige.
As pessoas exigem.
Então eu começo a me questionar.
Questionar e questionar.
Essa infantilidade faz parte de quem eu sou?
Faz parte dessa parte não aceitar isso?
Eu peço.
Eu exijo.
É difícil passar pelas portas desse caminho estreito, então estou parada sobre ela.
Parada no meio do caminho.
Eu peço.
Eu exijo.
Caminhe!
Meus pés não se movem, então peço mais uma vez.
Caminhe!
E continuo na mesma.
Já que a passagem está bloqueada, acabo saindo da porta e retornando ao conforto da casa.
Retorno ao conforto das paredes coloridas e me deito na cama.
-Há um jeito de passar?
Enquanto estiver próxima a essas paredes, essa pergunta não será levada a sério.
Então,
Eu peço!
Eu imploro!
Alguém me tire daqui!
Mesmo que eu me isole do mundo, ainda assim terei problemas pela frente para resolver. Ninguém pode fugir de problemas, nem evitá-los.
O recomeço após um desconforto significativo da vida, aparenta querer fugir de nosso vocabulário, porém quem pode autorizar esta fuga ou não, somos nós, através da nossa força interior que deve desejar o nosso restabelecimento, combatendo os nossos desprazeres, medos e angústias.
