Fernando Pessoa Desanimo
Há uma porção de coisas minhas que você não sabe, e que precisaria saber para compreender todas as vezes que fugi de você e voltei e tornei a fugir. São coisas difíceis de serem contadas, mais difíceis talvez de serem compreendidas.
Tinha desejos violentos, pequenas gulas, ciúmes que doíam, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, chorava excessivamente, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos.
- Mas porque gosta "às vezes" dele ainda?
- Por gostar. Me apeguei à ele como nunca me apeguei a ninguém... Prendi e não quis mais soltar.
Suponha que um anjo bata à sua porta. Não se espante: é final de ano e tradicionalmente (...) esta data é propícia ao aparecimento de anjos.
Por Dentro
Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência. E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar.
(...)Nessa trajetória também há lagos vermelhos preenchidos com gotas de sangue, todas minhas que derramei quando arranquei meu coração e o trancafiei num baú que só pode ser aberto por meu grande amor desconhecido. Há também o lago transparente, de lágrimas do pranto que chorei agradecendo a mim mesma por não ter colecionado gotas de sangue inimigo no rio vermelho!
Eu conheci razoavelmente bem Clarice Lispector. Ela era infelicíssima, Zézim. A primeira vez que conversamos eu chorei depois a noite inteira, porque ela inteirinha me doía, porque parecia se doer também, de tanta compreensão sangrada de tudo. Te falo nela porque Clarice, pra mim, é o que mais conheço de GRANDIOSO, literariamente falando. E morreu sozinha, sacaneada, desamada, incompreendida, com fama de "meio doida”. Porque se entregou completamente ao seu trabalho de criar. Mergulhou na sua própria trip e foi inventando caminhos, na maior solidão. Como Joyce. Como Kafka, louco e só lá em Praga. Como Van Gogh. Como Artaud. Ou Rimbaud.
De alguma forma eu sabia que seria amor. Eu não sei, mas acho que a gente olha e pensa: 'Quero pra mim'. Mas dá um frio na barriga, um tremor, um medo de depender de alguém, de sofrer, de escolher errado, de lutar por algo que não vale a pena. Porque o coração nem sempre é mocinho. Foi por isso que corri, tentei fugir, mas quando tem que ser, não adianta, é...
Mas estou disposto a correr o risco. É preciso agora concretizar a ideia. Tirá-la dos limites do pensamento, arrancá-la apenas do papel e torná-la um pedaço de mim.
Talvez se eu não tivesse chegado tão perto, nem te tocado tão fundo, nem sido tão eu... talvez houvesse alguma possibilidade.
Eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas.
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