David Mourão Ferreira
A longo prazo os homens acertam apenas para aquilo que apontam. Por isso, embora falhem imediatamente, seria melhor que apontassem para algo mais alto.
Uma grande verdade, mesmo mal sugerida, comove-nos mais do que uma verdade medíocre completamente exprimida.
Se és escritor, escreve como se tivesses os dias contados, porque, na verdade, eles estão-no quase todos.
Todas as nossas ideias ou percepções mais fracas são imitações de nossas mais vivas impressões ou percepções.
A memória não tanto produz, mas revela a identidade pessoal, ao nos mostrar a relação de causa e efeito existente entre nossas diferentes percepções.
TRADUZIR-SE
Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
O contrário do pessimismo raramente é o otimismo. O contrário do pessimismo, se não é a boa intenção de injetar força nos fracos, o que é bonito e faz bem, é quase sempre a idiota.
A mulher mais ciumenta é talvez a que mais facilmente atraiçoa o marido e menos tolera que ele a atraiçoe. Porque o ciúme é a afirmação de um direito de propriedade. E esse direito reforça-se com a traição dela e diminui-se com a dele.
O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.
No amor nunca os pratos da balança estão equilibrados. E como a essência do amor é etérea, quem pesa mais é quem ama menos.
Quanto maior se é, mais repetido se é. Platão, Aristóteles, Kant, quantos outros. Ainda se não calaram nos que deles falaram. E é possível que só se calem quando a espécie humana se calar.
O amor afirma, o ódio nega. Mas por cada afirmação há milhentas de negação. Assim o amor é pequeno em face do que se odeia. Vê se consegues que isso seja mentira. E terás chegado à verdade.
Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.
A filosofia não é um meio de descobrir a verdade. Mas é, como a arte, um processo de a «criar».
O que o moralista mais odeia nos pecados dos outros é a suspeita acusação de covardia por não ter coragem de os cometer.
O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado.