Coleção pessoal de RaymeSoares

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Olha só!
Desnudam-se as faces dos indóceis
Fenecem as ventanias que tonteiam
Falecem as vozes que emudecem

Olha só!
Florescem dos áridos gestos
Ações que avivam manhãs
Razões para seguirmos com fé

Olha só!
A boca que cospe secou
Pelo entorpecer que o amor
Causou na língua do rancor

Olha só!
Fui eu quem mudou o olhar
Fui eu quem mudou o eu mudo
O eu cego; o eu morto; o eu surdo.
Olha só...

O Livro e Eu

Lépido ou triste busco por ele
Para um entrave ou uma nova chave
Para um dialogo ou um dia longo
Funcionando como uma clave

Ele: o livro, vivo, vivo, livro
Dele, o sumo e o insumo que refaz
Ele o crivo e eu dele o mesmo
E faz, e desfaz, e sem mais ou me apraz

É místico, metafísico o que sinto
Todo livro é mágico
Se não pra mim, pra outrem
Nunca casto; estático.

Todo livro seduz e se torna ativo
Nunca li um que me deixasse inerte
E somos vivos: eu e o livro
E tudo se reverte ou se inverte

O livro é o instrumento do processo
Para um planeta intenso
De onde emerge o submerso
Por onde resvala o que penso

Leio o livro, sinto o livro
Ouço o livro, calo o livro
Canto o livro, recito o livro
Fecho o livro, abro e sirvo

Do que um “morto”, mais vale um valente livro!

MOVIMENTO

As raízes dos vegetais estremeceram
Os astros esquecidos explodiram
Os ferros retorceram-se ante o vento
As vestes dos teus gestos me despiram

As favas e os favos favoritos
Cravavam os cravos e os gritos
Ouviram-se do silêncio os gemidos
E os idos ecoaram os seus ritos

As linhas e os espaços ecoaram
Sob claves, sob tempos, sob trilhos
E todas as verdades se perderam

Nas linhas e nos espaços do que eu digo
Nas tramas curvilíneas do teu corpo
Se te assustas, eu te digo: - não me intrigo.

JULIANA

Os olhos vêem mais que um homem subindo a ladeira
Ao relatar o acontecido, dos olhos: água, sal e dor
Onze anos; quase doze, mas é para o espírito que se esgueira
À tona vem, ao ver o homem, todo o seu esplendor

Talvez cansado, mas o homem vai trabalhar
Mas ela vê, lê, crê e superlativa o que pesa
O que pesa nos ombros, no lombo, no caminhar
E ela relata, entorna o que na página da sua alma reza.

Ele chora o que ela chora o que dela aflora
E ele sorri triste ou feliz; ele sorri
Mas nele dói o olhar que ela tem dele
Do sofrimento, do tormento e fala do que há de vir

A ladeira, o peso dos livros e a leveza das palavras
Nada existiria sem aquela face rubra que retrata a alma alva
E tudo vale apena diante daqueles olhos que não deveriam chorar
Mas é subindo a ladeira que o homem busca o que salva

É trabalhando que o homem quer fazer Juliana sorrir
É caminhando que o homem quer fazer Juliana caminhar
É na subida que o homem mostrará pra ela o luzir
Mas que ela seja feliz ali, aqui ou onde quiser estar.

ALICE

Ali se fez a maré;
Ali se fez o que me apraz;
Ali se fez um balé;
Ali onde Alice faz muito mais!

É o imã da imaginação;
Da livre Alice é o que há;
Onde se curva despretensiosa canção;
Pois são tantos os vôos a alçar!

Alice é “bárbara” no que representa;
Nas maravilhas do seu país;
No que abarca toda a beleza;
No que pelos olhos nos diz!

É “bárbara” aos olhos da mãe;
Inteira aos olhos dos pais;
Onde se curva despretensiosa canção;
Porque é ela uma semente de paz!

MINHA CECÍLIA

Quão forte é essa mulher
Fui presenteado por Deus
Minha professora primeira
Minha Cecília tão mãe

No “visseiro” teu cheiro me assegurava
Um dia inteiro de sonhos e rios
De poesia, contos e beleza
Dos passeios no “quente e frio”

Dizem-me: criado por avó
Ah se soubessem dos encantos de sê-lo
Não seriam pejorativos na fala

Talvez por um momento só
Se todos pudessem percebê-lo
Não calariam o que não me cala.

CARRETEL DE LINHA (Carlinha)

Pele de lã, longe
(Branquinha, seja minha)
Enigmaticamente não chega
E tudo lhe faz rainha

Quando aparece, cega
E cego, navego na rede
Um pescador não nega
O que de fato lhe mata a sede

Carretel de branca linha
Tece o tecido da flor
Encarcera a vontade minha
De sentir do seu corpo o olor

Negros cabelos distantes
Percebo a avidez dos ventos
Por seus fios brilhantes
Quem sabe isso fosse um alento.

CANETA
Rayme Vasconcellos Soares

Trabalho calada, escrevo segredos
Entre dedos de formas diversas
Concluo contratos ou mesmo distratos
E sou companheira de muitos poetas

Palavras belíssimas e até desacatos
Histórias, estórias, raríssimos fatos
Erros absurdos, absurdos relatos
Canções geniais, históricos tratos

Cartas românticas, não ligo semânticas
Bilhetes, sem nada de estéticos
Poemas sinceros no voar do ônibus
Conselhos patéticos, recados sintéticos

Trabalho calada, mas, muito, eu sei
Às vezes jogada, nunca reclamei
Mas inútil e borrada, largada fiquei
Quando uma papelada inutilizei

Trabalho calada, escrevo segredos
Entre dedos de forma diversas
Trabalho calada, descrevo segredos
Ah, se eu falasse! Talvez morresse cedo.

Anjo II

Era breu o que predominava
Era desagradável o momento
Era a agonia que pairava e imperava
Mas deverás forte foi o seu alento

No início fez-se presente como um ponto de luz
E o breu era insistente aos olhos meus
Chamou-me a atenção a sua paz
E o que me parecia ponto fez-se exuberante luz de Deus

Com algumas sábias palavras
Você me convenceu
Sob suas asas alvas
Sua paz me acolheu

Essa força em você habita
Discretamente resplandece
E dizer-se anjo não suscita
Mas é o que acontece

Diz por entre as linhas do seu texto
Diz na imensidão do luminar
Diz na fineza dos seus gestos
Diz nos atos e no olhar

ANJO

Senti o bater de tuas asas
Sobre a tempestade que se armava
Asas de anjo, asas morenas e claras
Quando a solidão me rondava

Senti, mesmo de longe senti
A feminina beleza inquieta
De torneado corpo fluía
A tua fervura discreta

Sinto na tua indelével beleza
De dentro, de fora o que agora
Faz-me ter toda certeza
Que és filha sã da natureza

Estou entre tua imagem e tua leveza
Um anjo, um ser pleno e intenso
Se calo é porque onde quer que esteja
É em ti que repouso o que penso

Eu vi teus contornos que chamam
Calei pra não destoar
Dos sentimentos que envolvem os anjos
Que são luzes e me fazem sonhar

Sinto na tua inexorável atração
Que tudo que ronda é pureza
Sei que és anjo então
Dispo-me e deixo que vejas!

A BATALHA

Crava, fere, sangra; só eu
Trava, cela, tranca; aqui
Escarnece, bate, lincha no breu
Humilha, humilha, humilha, sem fim

Luzes, anjos, paz; só nós
Vitórias, força, fé; que temos
Vontade, conquista, verdade, coração
Azuis, amor, sabedoria; venceremos!

Só eu aqui no breu sem fim...
Só nós que temos coração venceremos!

REVELAÇÃO

Eu vi um poço sem luz
Caí ali no poço sem paz
Por entre as entranhas do medo
Era sem barco, sem vela, sem cais

Prostrei-me no confessionário
Falei do que havia no fim
Busquei religiões, inúmeras
Por infindas ladeiras subi

Nada encontrei; eram vãs palavras
Deitei pra não ver o sol
Não mais ver o céu; não ver nada
Fantasmas no derredor

Os tornados me emudeciam
Deixaram-me tonto e perdido
Perdi o prumo, me afastei dos meus anjos
Mas aos céus clamei decidido

Águas e lágrimas desciam correntes
Meus joelhos calaram no chão
Nada me causou espanto
Diante da revelação.

Passagens e paisagens

O teu jeito incomoda
Tua palavra descontrola
Teu fazer aborrece
Teu prazer trava nervos
Teu andar desequilibra
Tua postura toma espaço
O teu texto mostra fibra
Quem não suporte, há
Quem não suporte, vá
Quem não suporte, trinca
Quem não suporte, cica
Fazer o quê?
Passagens e paisagens...
Vai!

LOUCURA

Tenho vontade de me dar por inteiro
Para aliviar meus anseios e receios
(Mas isso me parece loucura. Será?)
Por todos a quem eu tenho, sem medir veios

Será loucura, eu querer tê-los sob o meu acolher?
Fazer por merecer; não vê-los sofrendo
Ao menos por onde enxerga a minha mente
Desejo de estar lá e cá e angustiosamente...

Seria um alívio diante das agruras
Seria o alcance do que não fenece
Seria o alicerce de tantas estruturas

Seria um querer louco; um louco querer?
Mas eu quero. Então é a loucura estampada.
Pouco importa ser louco, saboreando o viver!

Quando olhava pro meu pedaço
E para o seu você olhava
O que poderia ser um laço
Era um nó que nos calava

Cada cego tateava
Uma parte de um todo
Cada cego alegava
O meu tanto não é pouco

Quando só via a minha parte
E você o seu limite
Me julgava onipotente
Não aceitava palpite

Mas deixei a ignorância
E você me entendeu
E nunca ficou tão claro
O todo era você e eu

Sistêmica visão, enfim
Sistêmica visão, enfim

E a entropia gigantesca
Logo então se dissipou
Por ter a visão sistêmica
O fluxo se efetivou

Energia sinergia
Frutos da percepção
Fim da aparência anêmica
Tanta realização

O vazio é o oco
O vazio do oco da tua boca
Da tua cabeça, o choco
Do que julgas serem palavras loucas

Desse, dessa, daquele e daquela
Palavras e derrames d’alma
Mas se tu julgas sem querelas
Para o verdadeiro final tenha calma

Haverás de perceber: nada é vero
Pois se nada existe sob o julgo todo
Talvez seja um olhar sincero
Mas não te percas no engodo

Da verdade inteira onde o silêncio se esgueira
Da verdade escamosa aonde a luz não chega
Da verdade da aconchegante esteira
Da verdade do presente “à grega”.

Lavei o rosto para não permanecer
Com a sujeira daquelas palavras
Sujei as mãos ao remover o fel
Das tramas sinistras e veladas

Levantei os pés para sair do brejo
Articulei as juntas quando me encolhi
Pra sair das “glórias” que não invejo
Eram só inglórias quando as vi

Foi sair e saber de longe do meu nome
Foi sair e perceber que nada perdi
Deixar que se consumissem os que não me consomem

Os que não mais me consomem
São ferozes entre si e a si comem
Foi sair e ter tempo pra cantar, voar, luzir...

Por que ser inflexível, se posso aprender a fluir, seguir e chegar como as águas que se entremeiam pelas frias pedras até alcançarem os rios e os mares?

Dê o passo
Ocupe o espaço
Arme o laço
Lace o alvorecer

Novo dia, ande, ande
Que o chão se expande
Pra você!

Quando me dizem: estranho. Sou
Quando me dizem: tacanho. Vou
Quando me dizem: pequeno. Engulo-os
Quando me dizem: medroso. Despertam-me
Quando me dizem: gato. Não rosno
Quando me dizem: forte. Não mostro
Quando me dizem: sul. Nem norte
Quando não dizem: nada. Observo-os
Quando me dizem: tudo. Acho pouco
Quando me dizem: insano. Menos louco
Quando me dizem: tosco. Acho tosco.