Coleção pessoal de HermesFernandes

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Há mentiras ditas com intenções sinceras (o que não as justifica!) e há verdades ditas com intenções malignas.

Há verdades que são ditas para enganar da mesma maneira que faz uma mentira. Tais verdades nos enganam na medida em que nos distraem de verdades ainda mais importantes.

Não existem meias verdades. Toda meia verdade não passa de uma mentira inteira.

Primeiro dia abril é só um aperitivo para quem vive se banqueteando na mentira o ano inteiro.

A verdade pode ser tão danosa quanto a mentira quando dita sem amor.

Teu inimigo é quem te atiça a lutar contra teu irmão.
Mas não confessa a cobiça, destila ódio em seu sermão.

Por que choras, Brasil?

Por que choras, meu Brasil?
Pra onde se foi tua alegria?
Diga-me quem que te feriu?
Quem se propôs tal covardia?

Teus próprios filhos, mãe gentil
Outrora unidos em teu regaço
Se digladiam em solo hostil
Paixão que se tornou em laço

A brava gente brasileira
Cedeu ao mais astuto ardil
Terá perdido a estribeira,
sua postura varonil?

Até por cores se disputa
Pois não há rubro em tua bandeira
Se um filho teu não foge a luta
Por que mantê-lo na coleira?

Tingir de rubro suas ruas
Reeditar Caim e Abel
Será que é pelas falcatruas?
Seu sangue clama até o céu!

Eis os grilhões em teu pescoço
Teus inimigos te cortejam
A tua fama de bom moço
Motivo pelo qual festejam

Pode-se ouvir a gargalhada
De quem de camarote assiste
A esperança estraçalhada
De um povo que já não resiste

Ao assédio, aos galanteios
De quem almeja possuir
Os seus sonhos, seus anseios
Suas riquezas, seu porvir

Acorda, oh Brasil, sai deste berço
Que de esplêndido nada tem
Quem te explora tem seu preço
De sua ganância é refém

Sacode os grilhões e as correntes
Sê tudo a que destinado estás
Orgulho dos filhos valentes
À espera do que a alvorada traz

QUEM

Quem é capaz de traçar a fronteira entre a lucidez e a loucura?
Quem é capaz de desmascarar a mentira de quem por Deus jura?
Quem é capaz de ser valente sem jamais perder a doçura?
Quem é capaz de ser gentil sem jamais perder a bravura?
Quem é capaz de admitir-se doente antes de buscar a cura?
Quem é capaz de julgar-se a si mesmo com a mesma lisura?
Quem é tolerante com o outro no quem em si mesmo atura?
Quem sabe lidar com a liberdade, sem vertigem, sem tontura?
Quem é capaz de discernir um bem tão puro, sem mistura?
Quem é capaz de enxergar em meio ao caos uma figura?
Quem que pelo belo, bom e justo suporta a mais cruel agrura?
Quem ao encontrar-se no outro dá por encerrada a procura?

Como contentar-se

Como contentar-se com um grão de areia depois de afundar os pés na orla da praia?

Como contentar-se com o clarão da lua cheia depois que o astro rei correu da raia?

Como contentar-se com águas pelos tornozelos havendo mergulhado em alto mar?

Como contentar-se em prender os cabelos depois de experimentá-los ao vento soltar?

Como contentar-se com o brilho de uma estrela distante depois de haver cruzado o universo?

Como aceitar-se maltrapilho, cabisbaixo e hesitante após ter seu nome declamado em prosa e verso?

Como contentar-se com um canto à capela tendo se encantado ao som da sinfonia?

Como contentar-se com as chamas de uma vela após maravilhar-se com a luz da epifania?

Como contentar-se com rabiscos e rascunhos, depois de visitar a capela sistina?

Como conformar-se em correr riscos, cerrar punhos pra em seguida ser vencido na esquina?

Como ter saudade do Egito ou contentar-se com o deserto, depois de avistar a terra prometida?

Como conformar-se com um rito, convencer-se do que é certo, sem saciar sua sede por vida?

Como contentar-se com metades, depois de ter se entregue por inteiro?

Como contentar-se com saudades quem jamais se fez forasteiro?

Como contentar-se em cumprir metas e prazos na busca de riquezas que disfarcem a dor?

Como acostumar-se com sentimentos rasos já tendo mergulhado nas profundezas do amor?

Estranho no mundo

Com roupas que não são as minhas
Por caminhos que não são o meu
Quem me lê pelas entrelinhas
Testemunha o que percebeu

Se as roupas parecem folgadas
Os sapatos me fazem mancar
Apertam até fazer calo
Se me calo é só pra evitar

Se o que digo soa estranho
Aos ouvidos de quem me escuta
Como briga em que só apanho
Quem me bate é quem me refuta

Rostos familiares me causam estranheza
Vozes ecoam o que nunca ouvi
Busco em seus traços aquela beleza
E no vento, perfume que jamais senti

Se não pertenço a este mundo
A que mundo devo pertencer?
Se eu bem sei que lá no fundo
Já nem sei como saber

Os anjos devem ter achado que Deus perdera o juízo. Não é à toa que Paulo se refere à loucura de Deus, associando-a a Sua inebriante fraqueza.[7] Quão subversivo é o Deus revelado em Jesus! Ele Se esvazia para poder encher todas as coisas. Sua majestade resplandece na Sua humildade que beira à descompostura. Seu poder se revela na fraqueza, Sua presença na ausência provocada por Sua retração, Sua sabedoria em Seu desvario. Sua vida pulsa vibrantemente através de Sua morte. Sua soberania se sobressai ao conferir liberdade aos seres dotados de consciência. Sua justiça se impõe na exposição de Seu amor.

Eis a graça! Tão graciosa que nos deixa absolutamente sem graça, desconcertantemente constrangidos. Nossos argumentos mais refinados vão para o lixo. Nossa sofisticação se torna obsoleta. A graça implode nossos castelos de areia. Ficamos sem chão. Entregues à vertigem da liberdade. Fiados exclusivamente em Seus propósitos, cuja equação inclui misteriosamente a Sua soberania e a nossa liberdade.

Jesus redefiniu os atributos divinos. De modo que, agora, onipotência tornou-se infinita capacidade do dom de si mesmo ao outro. Onipresença deixou de ser apenas estar presente para se tornar presente. Onisciência deixou de ser saber de tudo para ser o conhecimento por experiência própria. Misericórdia se tornou em compaixão.

A graça se revela majestosa no fato de um Deus que não cabe no universo se apequenar a ponto de se aconchegar no ventre de uma jovem.

Que ninguém jamais se arrependa de ter sido aquele tipo de amigo que gostaria de ter tido.

Qualquer doutrina, teologia ou ideologia que não me torne um ser humano melhor, menos presunçoso, intolerante e preconceituoso, não pode ter em Deus a sua fonte. Não se trata de ser politicamente correto, mas de ser coerente com o amor derramado em nossos corações pelo Espírito que nos foi dado.

Antes, eu avaliava uma doutrina pela lógica, pelo sentido que fazia. Depois, passei a avaliar pela poesia, pelo encantamento que me causava. Hoje, avalio pelo tipo de pessoas que produz.

O único privilégio que a graça me confere em relação aos outros é o de servi-los em amor.

De acordo com Paulo, se abraço outro evangelho, submeto-me a outro Jesus e em consequência disso, recebo outro espírito. Resultado: passo a me identificar com aquilo que o Senhor peitava, o sistema religioso que visa tão somente justificar o lucro abusivo, estimular a meritocracia e endossar o uso do poder para benefício próprio. Em contrapartida, passo a desprezar as causas que Jesus abraçava, a dos oprimidos, a dos marginalizados, a das vítimas de um sistema injusto que privilegia alguns ao custo da desgraça dos outros. De que fonte temos bebido, afinal? Ao lado de quem temos nos posicionado?

Temos a mania de nos alinhar a uma doutrina ou ideologia que justifique a disposição instalada em nossos corações. Precisamos convencer nossa consciência de que nosso coração está correto em querer o que quer.