Coleção pessoal de Filigranas

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O animal arrebata o açoite de seu amo para açoitar-se a si próprio, pensando que assim se transforma em senhor, mas ignora que tudo isso não passa de uma fantasia, criada por outro nó que o amo fez em seu açoite.

Não se pode captar Deus a não ser pessoalmente. Cada homem tem sua vida e seu Deus. Seu advogado e seu juiz. Sacerdotes e ritos não passam de muletas paliativas de paralisia de uma alma cada vez mais incapaz de viver e experimentar

A vida é tão imensamente vasta e profunda quanto este abismo estrelado acima de nós. Só se pode atirar um olhar a ele através desta minúscula abertura que é a nossa existência pessoal. E, por esta abertura, sentimos mais do que vemos. Por isso temos de nos certificar de que esta abertura está sempre limpa.

A comunicação é de massa. A massa é unanimidade. E unanimidade é burra.”

Por reprimir a priori qualquer manifestação espontânea de pensamento que nos pareça de alguma forma estranha, matamos impiedosamente o que poderia vir a ser um raciocínio altamente criativo.

Nada contra defender-se ideias, mas tudo contra empurrá-las goela abaixo do alheio.

Muda-se a percepção, muda-se a realidade.”

Veja o caso das infindáveis interpretações dadas a Deus. Em seu nome, pessoas foram salvas e pessoas foram mortas; fez-se a guerra e promoveu-se a paz; fez-se a miséria de muitos e a riqueza de uns poucos. E tudo isso, nunca é demais repetir, em nome de Deus, a entidade suprema, infinita no tempo e no espaço e que, singelamente, poderíamos identificar como a Existência em si mesma. Este mesmo Deus, cuja essência, ao longo dos séculos, vem sendo repetida e indevidamente apropriada por profetas, visionários, bem-intencionados, mal-intencionados, empresários da fé, malucos e vigaristas em geral. E pelos meios de comunicação, no final das contas.”

Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida.

Essas calamidades, nas dimensões que citei, impressionam vivamente a nossa fantasia, se acontecem longe e atingem a muitos. A verdadeira infelicidade – o supremo infortúnio – é, na verdade, particular. É o sofrimento bem perto. De um só conhecido. Os extremos medonhos da agonia são sofridos pelo homem isoladamente, e nunca pelo homem na multidão.

Quem conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de ideias ou de sentimentos, quando nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra.

Os dois sentimentos não se contradiziam; fundiam-se ambos na adoração que este moço tinha de si mesmo. Assim, o contato de Sofia era para ele como a prosternação de uma devota. Não se admirava de nada. Se um dia acordasse imperador, só se admiraria da demora do Ministério em vir cumprimentá-lo.

Palha e Camacho olharam um para outro... Oh! Esse olhar foi como um bilhete de visita trocado entre as duas consciências.

Não estava bem em si nem fora de si, nem com Deus nem com o diabo.

Nunca a alma de Sofia pareceu convidar a dele, com tamanha instância, a voarem juntas até às terras clandestinas, donde elas tornam, em geral, velhas e cansadas.

Todas as suas graças foram chamadas a postos e obedeceram, ainda que murchas.

O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não.

No teatro da vida quem tem o papel de sinceridade é quem, geralmente, mais bem vai no seu papel.

Custa tanto ser sincero quando se é inteligente! É como ser honesto quando se é ambicioso.

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal. Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco. Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. Ter consciência dela e ela ser grande é ser gênio.
(Aforismos e afins)