Textos de Clarice Lispector

Cerca de 349 textos de Clarice Lispector

Uma rapacidade toda controlada me tomara, e por ser controlada ela era toda potência. Até então eu nunca fora dona de meus poderes – poderes que eu não entendia nem queria entender, mas a vida em mim os havia retido para que um dia enfim desabrochasse essa matéria desconhecida e feliz e inconsciente que era finalmente: eu! eu, o que quer que seja.

Clarice Lispector
A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por yasminmb

Eu às vezes tenho a sensação de que estou procurando às cegas uma coisa; eu quero continuar, eu me sinto obrigada a continuar. Sinto até uma certa coragem de fazê-lo. O meu temor é de que seja tudo muito novo para mim, que eu talvez possa encontrar o que não quero. Essa coragem eu teria, mas o preço é muito alto, o preço é muito caro, e eu estou cansada. Sempre paguei e de repente não quero mais. Sinto que tenho que ir para um lado ou para outro. Ou para uma desistência: levar uma vida mais humilde de espírito, ou então não sei em que ramo a desistência, não sei em que lugar encontrar a tarefa, a doçura, a coisa. Estou viciada em viver nessa extrema intensidade. A hora de escrever é o reflexo de uma situação toda minha. É quando sinto o maior desamparo.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica Conversa telefônica.

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Inserida por ZaidaMachado

Ouve-me, ouve o silêncio. O que eu te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas em um caleidoscópio.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1998.
Inserida por portalraizes

Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada.

Clarice Lispector
Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
Inserida por portalraizes

De propósito não vou descrever o que vi: cada pessoa tem que descobrir sozinha. Apenas lembrarei que havia sombras oscilantes, secretas. De passagem falarei de leve na liberdade dos pássaros. E na minha liberdade. Mas é só. O resto era o verde úmido subindo em mim pelas minhas raízes incógnitas. Eu andava, andava. Às vezes parava. Já me afastara muito do portão de entrada, não o via mais, pois entrara em tantas alamedas. Eu sentia um medo bom – como um estremecimento apenas perceptível de alma – um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais! achar a porta de saída.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Trecho da crônica O ato gratuito.

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Inserida por usuario605402

Todo dia eu aprendo um pouco mais, e assim vou edificando meu ser. Aprendo com momentos, com situações e pessoas. As vezes vejo que estou errada, e tento me corrigir. É assim que vou vivendo... Também acho se definir é se limitar. E de limites, eu to fora! Portanto:
Sou isso hoje, amanha já me reinventei. Reinvento-me sempre que a vida pede um pouco mais de mim. Mas não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.

Nada escapa à perfeição das coisas, é essa a história de tudo. Mas isso não explica por que eu me emociono quando Otávio tosse e põe a mão no peito, assim. Ou senão quando fuma, e a cinza cai no seu bigode, sem que ele note. Ah, piedade é o que sinto então. Piedade é a minha forma de amor. De ódio e de comunicação. É o que me sustenta contra o mundo, assim como alguém vive pelo desejo, outro pelo medo. Piedade das coisas que acontecem sem que eu saiba.

Clarice Lispector
Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Através de meus graves erros – que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar deles – é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada. A consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu amo como quem cai no nada.

Clarice Lispector
A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Nota: Crônica Amor a ele.

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Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama. Quanto a mim, assumo a minha solidão. Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. E a dor, silêncio. Guardo o seu nome em segredo. Preciso de segredos para viver.

Clarice Lispector
Água viva. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
Inserida por lulimap

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