Caminho de Santiago
APROFUNDANDO A FÉ NO CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA
(França, Espanha e Portugal)
De uma forma ou de outra, desde pequena, tenho buscado aquela fé que consegue remover a inquietude humana e proporcionar a paz essencial à vida neste ou em qualquer outro plano.
Quando criança e adolescente, acreditava que tinha essa fé, isto porque participava ativamente, mesmo de forma ingênua, em atividades da Igreja Católica.
No entanto, a idade adulta, ou seja, a vida no Colégio Central em plena ditadura militar, na Universidade e, depois, como docente, aluna de mestrado e de doutorado, envolvi-me em movimentos político-sociais, na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, por um ensino de qualidade, por melhores condições de vida, entre outros, ficando invisíveis muitos dos valores religiosos que foram inicializados na minha infância.
Não mais livros religiosos, procissões, palavras proferidas em missas, novenas etc, mas livros que mostravam a realidade mundial, brasileira, baiana: desigualdade social, pobreza, desemprego, inacessibilidade a serviços básicos como educação e saúde, além da baixa resolubilidade desses serviços.
Uma mudança, por que não dizer, radical!
Essa nova vida não me deixou perceber que a vida com Deus é, como diz Frei Inácio de Larranaga, vida de fé, e fé não é sentir, mas saber; não é emoção, mas convicção; não é evidência, mas certeza.
Viria compreender um pouco essa mensagem algum tempo depois, ao vivenciar a dor de perdas acumuladas, especialmente a do meu filho de 20 anos, que me levaram a um estado de “cansaço” intenso! Não tinha a ideia de que procurava um deserto, isto é, sair do lugar onde vivia, trabalhava, e retirar-me para um lugar solitário: campo, bosque, montanha...
Teria que ser algo que me fizesse conhecer melhor o meu eu para superar a dor, para me superar.
Caminhar/peregrinar foi uma opção pois cada caminho é um caminho que nos leva ao desconhecido, ao que esse desconhecido é capaz de nos ensinar.
Em apenas uma semana lá estava eu fazendo, a pé, como peregrina, o Caminho de Santiago de Compostela, inicialmente, o Caminho Francês (33 dias pelas montanhas).
Ao chegar à Santiago e assistir à tradicional Missa dos Peregrinos, senti um “vazio” profundo, uma necessidade de continuar caminhando rumo ao desconhecido. Foi incrível! Ainda estava faltando algo!
Então, decidi fazer o Itinerário Santiago/Fisterra-Muxia (Costa da Morte), não aprovado, naquele momento, pela Igreja Católica, porque era permeado pelo misticismo.
Foram mais 96km pelas montanhas, com apenas três albergues à disposição do peregrino. Ao chegar em Fisterra-Muxia, onde fiquei uma semana bastante envolvida pelo seu misticismo, vivenciando momentos especiais, tudo ficou mais confuso. Descobri que ainda não havia conseguido a revelação que buscava e que não era muito clara para mim.
Continuar caminhando/peregrinando, não mais pelas montanhas mas por terras planas, vales e montes, seria uma saída: o Caminho Português ao “reverso”, isto é, de Fisterra-Muxia (Espanha) para Porto (Portugal). No entanto, encontrei-me em um “Caminho” sem “calor humano”, com poucos peregrinos, albergues vazios mas fui parcialmente compensada ao participar, em Redondela, durante três dias, como voluntária, da construção de tapetes de flores, com desenhos religiosos, nas ruas desta cidade portuguesa.
Ainda inquieta, tomei a decisão que deveria estar “guardada” no meu íntimo: de trem, fui de Porto para Fátima onde tentei deixar uma medalhinha desta Santa, que meu filho usava quando mudou de plano. Fátima não era o seu lugar! Uma freira orientou-me a levá-la de volta para o Brasil, onde, num certo dia, ao mirá-la, de forma especial, levantei-me repentinamente, fui ao cemitério e mandei cravá-la no túmulo do meu filho. A partir daí, não mais me preocupei com a medalha uma vez que ela já estava onde deveria, provavelmente, estar há muito tempo.
Bem, consciente ou inconscientemente fiz um deserto, um tempo forte dedicado a Deus em silêncio, solidão, e pude sentir como na fé Jesus toca as nossas feridas, especialmente aquelas que nos machucam muito!
Para Frei Ignácio, a vida de quem crê é uma peregrinação. Mas eu não sabia o que é “ser peregrina”. Aprendi no Caminho que o peregrino não sabe nada: onde vai dormir nem o que fará no dia seguinte; que fadiga, incerteza e insegurança são o pão do seu cotidiano; e que ele tem uma meta mas não consegue vê-la claramente. Assim, comecei a entender que as duas forças dialéticas da fé podem ser a certeza e a obscuridão.
Dessa experiência existencial, um dos grandes aprendizados na minha vida: quando pensei que o objetivo infinito estava ao meu alcance, nas minhas mãos, Deus se ausentou e silenciou; apareceu, desapareceu; aproximou-se, afastou-se; tornou-se concreto e se desvaneceu. Foi nas montanhas, em direção à Astorga (Espanha), onde me perdi por 14h. Pedi socorro a Ele mas tão logo encontrei o “sinal” do Caminho, deixei de crer e me perdi de novo...
Apesar do meu “afastamento/alheamento”, passei a perceber que deveria reduzir a silêncio a minha mente quando ela tentasse se rebelar e que deveria abandonar-me na fé.
Mas, como é difícil ter “aquela” fé que tudo suplanta!
Só Ele sabe como tenho tentado/venho tentando...
Por muitos séculos
Guiado pelas constelações
Uma vereda até Compostela
No caminho paisagens e horizontes dignos de tela
Postergado pelos peregrinos
Seu auge passou desde as eras marcou
A história espiritual se consagrou
Na rota da Galiza uma vieira
Mítico, incorpóreo um lugar na beira
Trago no olhar o orgulho é a felicidade de cumprir
Minha promissão pelo seu galardão
Um cajado na mão, passo a passo vou
De vilarejo em vilarejo buscar
Meu carimbo para basílica conquistar
Sons de aves no ar, árvores pelos ventos abalançar
Na jornada para a ordenada do romano ao barroco
Há via láctea alcançar para enfim
Meu estirão da alma finalizar.
Qual a trilha que devo seguir?
Gostaria de sair, de ir a algum lugar, mas está em dúvida quanto à trilha a seguir? Ouça a sua intuição e o seu coração e chegará no lugar certo.
Veja o que me ocorreu:
- Certa vez, caminhando por vales e montanhas, deparei-me com uma "bifurcação". Parei um pouco, para identificar a trilha que deveria seguir. Como não havia nenhuma placa, intuitivamente segui pela trilha à direita (soube, depois, que a trilha indicada seria a da esquerda). No entanto, foi o melhor que me aconteceu pois, através desse “equívoco”, pude exercitar a minha fé.
Como isso ocorreu? Estava no “Caminho Francês” (um dos itinerários do Caminho de Santiago de Compostela). Após 10h de caminhada percebi que estava perdida! Não estava na trilha certa! Precisava de ajuda.
Foi aí que me lembrei de Frei Ignacio de Larrañaga que disse, certa vez: - "Quando precisar orar e não souber, uma simples palavra ou frase vai lhe ajudar". Então, comecei a falar em voz alta: - "Jesus está comigo e nada me acontecerá". Orei tanto que esta curta oração ficou cravada na minha mente, como um mantra. Não precisei mais repeti-la verbalmente. Ela já estava em mim.
De repente, ao olhar à minha esquerda, vi uma “trilha” improvisada, como se alguém tivesse acabado de fazê-la com um facão. Não tive dúvidas e a segui até o topo da montanha (1.400m de altura).
Ao olhar para baixo, vi duas pessoas (pequeninas, pois estavam distantes). Animei-me e comecei a descer ao encontro delas. Horas depois, já muito cansada, lá estava eu com aquele casal da Austrália que, surpreso por me ver descendo da montanha (caminho não previsto para o peregrino), me acolheu e me levou a um albergue na vila mais próxima.
A partir desse (des)caminhar, senti que a minha fé aumentou, que a minha crença estava mais firme, que o meu amor pelo mundo se ampliou.
Você, que está lendo esta curta, já pensou que, muitas vezes, chegamos ao destino certo com base na nossa intuição, no nosso coração?
Mais detalhes, leia o livro “Caminho de Santiago de Compostela – diário de uma peregrina em busca de fé”, publicado na Amazon (Amazon.com.br eBooks Kindle: O Caminho de Santiago de Compostela: Diário de uma peregrina em busca da fé, DE BRITO ALVES, DELVAIR).
Estava peregrinando na Galícia, em direção à Santiago de Compostela, numa floresta de eucaliptos, subindo um monte, sob uma chuva fria e “fina”. Senti-me cansada e me sentei sobre um “tronco”. Estava com fome e sede. Comi um pedaço de pão e bebi um pouco da água que ainda restava. Mais que de repente, algo inacreditável aconteceu: “Entrei em estado de encantamento e tinha, apenas, uns 3 anos de idade. Estava em Vila Pereira, uma cidadezinha mineira onde vivi nessa idade, e vi aquela casa de telha vã onde morávamos, com uma bica colocada no telhado, por meu saudoso pai, para “aparar” água mas que usávamos para um banho delicioso e lúdico. Foi um dos únicos momentos da minha vida que conheci o que deve ser “felicidade plena” (milagre do Caminho de Santiago?).