O presente
Amor será dar de presente ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si.
O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo.
Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Se uma pessoa perguntar durante meia hora "eu", essa pessoa se esquece quem é. Outras podem enlouquecer. É mais seguro não fazer jamais perguntas - porque nunca se atinge o âmago de uma resposta. E porque a resposta traz em si outra pergunta.
Não sei separar os fatos de mim,
e daí a dificuldade de qualquer precisão,
quando penso no passado.
A Lucidez Perigosa
Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
A gente escreve como quem ama.
Que medo alegre, o de te esperar.
A Perfeição
O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.
Porque na pobreza de corpo e espírito eu toco na santidade, eu que quero sentir o sopro do meu além. Para ser mais do que eu, pois tão pouco sou.
Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência, e sim de sentir...
A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
"Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero o seu fluxo."
Clarice Lispector
"Ninguém dentro de si mesma poderia ter os pensamentos mais desligados da realidade, se quisesse. Se eu me visse na terra lá das estrelas ficaria só de mim." Clarice Lispector
Quem sabe de que negras raízes se aliementa a liberdade de um homem!?
... E descobri que não tenho um dia-a-dia.
É uma vida-a-vida. E que a vida é
sobrenatural.
O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se entendesse.
Ver a verdade seria diferente de inventar a verdade?
Oh Deus, que faço dessa felicidade ao meu redor que é eterna, eterna, eterna e que passará daqui a um instante.
Porque o corpo só nos ensina a ser mortal?
E como nasci? Por um quase. Podia ser outra. Podia ser um homem. Felizmente nasci mulher. E vaidosa. Prefiro que saia um bom retrato meu no jornal do que os elogios. Tenho várias caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.
Deitada em minha rede com o livro sobre meu colo
em extâse purrissímo...não sou mais aquela menina
com seu livro,mas uma mulher com seu amante..!!
Agora é um instante. Já é outro agora. (...)
Agora é um instante. Você sente? Eu sinto. (...)
Nada existe de mais difícil do que entregar-se ao instante.