O que me interessava sobretudo é sentir, acumular desejos, encher-me de mim mesmo. A realização abre-me, deixa-me vazio e saciado.
Levantei-me. O tiro de misericórdia. Porque estou cansada de me defender. Sou inocente. Até ingênua porque me entrego sem garantias.
E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração.
E tenho, vos asseguro, tudo o mais que faz de mim uma mulher às vezes viva, às vezes objeto.
Refugio-me nas rosas, nas palavras. Pobre consolação. Estou inflacionada. Não valho nada.
Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída.
Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo.
O amor já está, está sempre. Falta apenas o golpe da graça – que se chama paixão.
Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.
Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe.
Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par: como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho do inconsciente.
Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim.
Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse.
O horrível dever é ir até o fim. E sem contar com ninguém. Viver a própria realidade. Descobrir a verdade. (...) Pois não posso mais carregar as dores do mundo.
Um homem me disse que no Talmude falam de coisas que a gente não pode contar a muitos, há outras a poucos, e outras a ninguém. Acrescento: não quero contar nem a mim mesma certas coisas. Sinto que sei de umas verdades. Mas não sei se as entenderia mentalmente. E preciso amadurecer um pouco mais para me achegar a essas verdades.
Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto.