Versos Góticos
A maior parte dos homens do mundo, por vaidade, por desconfiança, por medo da infelicidade, só se entregam ao amor de uma mulher após a intimidade.
É uma infelicidade que existam tão poucos intervalos entre o tempo em que somos demasiado novos e o tempo em que somos demasiado velhos.
A infelicidade mostrou-me, pouco a pouco, outra religião bem diferente da religião ensinada pelos homens.
A infelicidade tem a sua melhor definição na diferença entre as nossas capacidades e as nossas expectativas.
O homem não é nem anjo nem animal, e a infelicidade exige que quem pretende fazer de anjo faça de besta.
É uma infelicidade ser tão breve o intervalo que medeia entre o tempo em que se é jovem demais e o tempo em que se é velho demais.
Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.
Nota: Trecho de "Soneto XLVIII" de Pablo Neruda
SONETO LXV
Se a morte predomina na bravura
Do bronze, pedra, terra e imenso mar,
Pode sobreviver a formosura,
Tendo da flor a força a devastar?
Como pode o aroma do verão
Deter o forte assédio destes dias,
Se portas de aço e duras rochas não
Podem vencer do Tempo a tirania?
Onde ocultar - meditação atroz -
O ouro que o Tempo quer em sua arca?
Que mão pode deter seu pé veloz,
Ou que beleza o Tempo não demarca?
Nenhuma! A menos que este meu amor
Em negra tinta guarde o seu fulgor.
[Inscrição para um portão de cemitério]
A morte não melhora ninguém...
[Morte]
O dia que chegar, chegou. Pode ser hoje ou daqui a 50 anos. A única coisa certa é que ela vai chegar.
Morrer é nada, passado,
Mas a vida inclui viver
A morte multiplicada – sem
O Alívio de morrer.
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Não sou capaz de amar mulher alguma, o amor da humanidade é uma mentira.