Versos de Clarice Lispector
Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir.
Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir.
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência, e sim de sentir...
Nota: Trecho de entrevista dada por Clarice Lispector a Júlio Lerner em 1977. Link
Se em um instante se nasce, e se morre em um instante, um instante é bastante para a vida inteira.
Sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim.
Eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo. (...) Sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro. (...) Sou um coração batendo no mundo.
Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.
Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois?
Quem eu sou, você só vai perceber quando olhar nos meus olhos, ou melhor, além deles.
Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase – e por um triz escapo.
Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.
Aceitar-me plenamente? É uma violentação de minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado. É por isso que toda minha palavra tem um coração onde circula sangue.
Passei a minha vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar. Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar.
Com duas pessoas eu já entrei em comunicação tão forte que deixei de existir, sendo. Como explicar? Olhávamo-nos nos olhos e não dizíamos nada, e eu era a outra pessoa e a outra pessoa era eu. É tão difícil falar, é tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. Como traduzir o profundo silêncio do encontro entre duas almas? É dificílimo contar: nós estávamos nos olhando fixamente, e assim ficamos por uns instantes. Éramos um só ser. Esses momentos são o meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita. Eu chamo isso de: estado agudo de felicidade.